sexta-feira, junho 29, 2007

Uma heroína

M. era uma menina comum. Gostava de sair à noite, curtir um rock e confraternizar com os amigos. Durante a faculdade formou uma boa turma e conheceu seu namorado. Sempre apreciou as coisas simples da vida: uma volta na Redenção em dias de sol, Gasômetro no fim da tarde, sorvete no Jóia, cervejadinha no João, no Marinho, no Rossi, no Adriano, no Bell's, ficar sem fazer nada, andar à deriva pelo Centro de Porto Alegre, praia, qualquer uma, até Capão no verão. Mora com sua mãe num apartamento simples, mas aconchegante. Seu projeto de vida? Viver.
H.G. é um dos mais respeitados empresários do Rio Grande do Sul. Para eles. Um legítimo representante da turma dos carros importados. Mais que isso, um dos líderes. Seu faturamento gira em torno dos milhões de reais. Se no fim do mês a conta apresenta uma queda nos lucros, não hesita em demitir o pessoal do salário mínimo. É conhecido pelo stress que provoca nos funcionários, pressão, desconforto, medo. Separou-se de sua mulher e é obrigado a conviver com a indiferença da filha. Seu projeto de vida? Acumular mais e mais dinheiro.
M. se formou na faculdade. Depois de alguns meses circulando quadrados nos classificados, conseguiu um emprego. Salário bom para quem está começando, rancho no fim do mês, vale transporte, ou seja, mais um número nas estatísticas de emprego formal do governo.
Mas não demorou muito para ela perceber como são tratados os escravos modernos. Ela, uma das melhores funcionárias da sua área no Brasil, passou a viver sob uma tortura psicológica constante. Na sua sala todos suavam sangue para agradar e sustentar as loucuras do chefe. Sempre o risco de uma demissão sumária, ou de tomar um esporro sem ter feito nada, ou mesmo de agressão física, como chegou a acontecer com M.
Eis que um belo dia ela decidiu: "não quero mais".
Saiu aflita de casa, pois falar com o tal de H.G. é sempre um teste de nervos. Seu chefe direto não teve capacidade de resolver nada, então foi obrigada a marcar essa hora com o chefe de todos. Entrou na sala com o semblante decidido, ele com cara de poucos amigos.
-Eu gostaria que o senhor me demitisse.
-Mas por que sair? Não estás satisfeita com teu trabalho?
-Não, eu quero fazer outras coisas da minha vida.
-Eu dobro o teu salário.
-Não, eu quero mesmo é sair daqui.
-Eu triplico o teu salário.
-Não, o senhor não está entendendo, eu não quero mais trabalhar nessa empresa.
-Eu triplico o teu salário e pago uma pós-graduação.
-O senhor realmente não está entendendo: EU NÃO QUERO MAIS TRABALHAR AQUI!!!
Nesse mesmo dia M. assinou os papéis de sua demissão. Ela voltou a ser feliz. De noite saiu para confraternizar e assistir um show de rock com seus amigos.
Mas M. não é mais uma menina comum. Ela conseguiu provar para um grande filho da puta que não são todas as pessoas que se vendem por dinheiro. Que ainda existe gente que valoriza a vida e toda a complexidade de suas coisas simples: uma volta na Redenção em dias de sol, Gasômetro no fim da tarde, sorvete no Jóia, cervejadinha no João, no Marinho, no Rossi, no Adriano, no Bell's, ficar sem fazer nada, andar à deriva pelo Centro de Porto Alegre, praia, qualquer uma, até Capão no verão.....

terça-feira, junho 26, 2007

Implicância (ou como o marxismo sustenta a elite)

Confesso que tenho algumas manias das quais não me orgulho muito. Em determinadas situações saio da minha pacata existência para virar um verdadeiro chato. Já criei algumas boas inimizades, mas não adianta, não consigo me controlar. Implico, por exemplo, com quem gosta de Tom Zé. Se eu sou chato, ele é o rei dos chatos. Quem consegue ouvir um disco seu do início ao fim merece um prêmio de resistência. Pior é que essas mesmas pessoas dizem que Rock’n’Roll é só barulho. Um pouco de discernimento não faz mal a ninguém. Podem até concordar com a postura do cara, mas daí a dizer que ele faz música, e da boa, tem uma grande diferença. Outros que eu não suporto são os fãs dos Los Hermanos. Garanto que todos ligavam para a rádio pedindo Ana Júlia e agora ficam botando banca de intelectual. Se é para ouvir choradeira, que ouçam Legião Urbana. Pelo menos o Renatão tinha alguma coisa a dizer.
Mas o que me dá mais satisfação na implicância não é em relação à música. Eu gosto mesmo é de encher o saco dos comunistas. Se cursam a faculdade de Ciências Sociais então é um prato cheio. O leitor que ainda não reparou, comece a prestar atenção. Quando eles passam no vestibular são jovens felizes, de bem com a vida, tranqüilos na sua suave ignorância. Já no segundo semestre pode-se notar a transformação nos seus rostos. Acho que a palavra ideal é prepotência. Sim, por que leram uma meia dúzia de textos (marxistas) têm certeza absoluta que estão num nível superior a nós, simples mortais. Não sorriem mais. Só conversam entre si, já que não vale a pena desperdiçar sua preciosa saliva com um bando de ignorantes. Claro que não são todos assim. Digamos que só uns 90%.
Em algumas raras oportunidades consigo entrar numa dessas rodas de pregação. É óbvio que só nas que o pessoal ainda não me conhece. Como já disse, sou um chato de galocha, difícil de esquecer. Em algumas oportunidades conto até com a ajuda de alguns amigos (dos 10%) dispostos a dar boas risadas. Depois de um tempo ouvindo, minha primeira frase, invariavelmente é: “quer dizer que o pessoal aqui é todo da religião?”. Olhos arregalados e desconfiados na minha direção. “Que religião?”. “Comunista. Não é disso que vocês estão falando?”. Geralmente eles não têm reação após uma acusação tão forte. Aproveito a brecha para começar meu discurso, sempre o mesmo, com uma comparação entre a ideologia marxista e as religiões.
Dogmas. Assim como qualquer religião, o marxismo vive de dogmas. O velho Marx é Jesus, só que ao invés de paz e amor, ele prega a luta de classes. Afinal, é ou não um dogma acreditar na superioridade moral do proletariado? É uma questão de crença, de fé. Acreditar na revolução num país como o Brasil é outro. Ainda mais se tiver que partir deles. Um exército de bêbados de boteco, armados de garrafas e copos, alguns com sedas e baseados.
A essa altura alguns já estão me acusando de “fantoche do capitalismo”, “reformista otário”, “chupa-pau de americano”. Isso sem contar os “vai-te à merda” e “filho da puta”. Mas sigo firme. Certifico-me de que são todos contra a elite. “Claro”. “Então, o que faz uma elite ser melhor que outra?”. Sim, porque a ditadura do proletariado pressupõe o governo de uma elite operária. É a troca da opressão do mercado pela opressão da burocracia. E o que eles vão fazer com quem não concorda com seu governo? Matar? Extraditar? Prender?
Estou quase chegando no meu auge. Os poucos ouvintes que ainda restam estão só curiosos para ver até onde eu vou. É quando me perguntam: “então qual é a solução?”. “Raulseixismo”, eu respondo. “Como?”. Isso mesmo, Raulseixismo. Só seremos realmente livres no dia em que a única lei for “faça o que tu queres, há de ser tudo da lei”.
Como termina a noite?
“VAI TE FUDÊ, HIPPIE FILHO DA PUTA!!!”. E volto tranqüilo para casa.

segunda-feira, junho 25, 2007

Off ou soneca

Mais um dia. Estou enjoado de abrir os olhos e ver sempre os mesmos números vermelhos piscando. Preciso de outro despertador, daqui um tempo perco o respeito por esse. Soneca, dez minutos. Dez minutos de agonia, pensando que tenho que levantar; sou obrigado, tenho um emprego. Viro-me para o outro lado e abraço a mulher que ainda dorme, também de costas para mim. Nem sei por que, já sabia que meu braço ia ser jogado de volta. E que ouviria resmungos. Continuo minha soneca de olhos abertos, fixos no teto, aumentando minha angústia. Seis e trinta e cinco, mais cinco minutos. Não sei por que não quero levantar, já estou acordado e este lugar me incomoda. Acho que meu sonho era algo diferente. Não tiro a cabeça do travesseiro, não fecho os olhos, e estou cercado de um lado por uma nuca e de outro por caracteres vermelhos. Ambos me afrontam, me sufocam, ambos vivem comigo e não sei porque. Três minutos, faltam três minutos para começar mais um dia cheio. A não ser que eu resolva prolongar um pouco mais este limbo. São só duas alternativas mesmo, off ou soneca. Se eu ficar mais não posso tomar banho. O último foi ontem de manhã, cabelo sujo, axilas fedendo; azar, acho que dá para disfarçar, já fui assim antes. Vou ter que ir a pé, a não ser que eu escove os dentes enquanto mijo e não procure muito as roupas. Um minuto, ou menos, pode tocar a qualquer momento...
Deu, foi, soneca de novo. Tomara que ela não tenha acordado. Será que ainda me ama? Há pouco tempo me acordava com beijos e “eu te amo”. Um dia isso acabou, sem mais nem mesmo, simplesmente acabou. Nunca mais “eu te amo”, nunca mais beijinho, nunca mais. Algo aconteceu. Devo ter feito alguma coisa que nunca soube o que é. Ou o contrário, não fiz nada. Ou ela conheceu alguém. Seis e quarenta e sete, como passou rápido, o tempo é realmente relativo. Ela continua ali imóvel, só escuto a sua respiração de sono. Acho que ela não teria coragem de me trair, sua honestidade é verdadeira, mas tenho medo. Medo, medo de quê? Eu seria muito mais feliz com a notícia, acabaria meu tormento, o fim do soneca. Mais dez minutos e eu chego atrasado, pouco, às vezes vale a pena. O teto fica cada vez mais branco, os números já não brilham como antes. Minha vida é um amanhecer. De novo um minuto, ou menos, e a dúvida, off ou soneca? Pode tocar a qualquer momento...
Tocou.
- Não está na hora de tu ir trabalhar?
- Sim, sim, já vou.
Já vou, já vou..........

sexta-feira, junho 22, 2007

Vida Rocker

Não é nada fácil a vida de músico. Principalmente para nós, roqueiros de plantão. Até porque somos considerados sub-músicos. Alguma coisa tipo técnicos instrumentistas, bem abaixo do profissionalismo e dos eruditos de salões. De qualquer forma, o Rock não se presta a esses detalhes. Ir contra a ordem estabelecida, ao correto, é uma das suas funções.
O problema é que tudo isso influencia na hora do pagamento. O músico de verdade tem um contrato assinado, ou seja, não importa o que acontecer ele ganha aquele dinheiro pré-estabelecido. Além disso, ele só chega, com o palco montado, afina seu instrumento, toca e vai embora. Já o rocker tem que, primeiro, descolar um amigo que tenha carro para levar a aparelhagem até o boteco. Caso não consiga, paleta para que te quero. Depois tem que montar o palco, passar o som e acertar a iluminação (quando tem). Aí começa a agonia, pois o rocker recebe pela porta; se aparece pouca gente, nada de dinheiro. Mas o show sai de qualquer maneira. Tanto que o mais comum de acontecer é chegar lá pelas 5 horas da madrugada e o cara completamente embriagado receber apenas um aperto de mão do dono do bar porque gastou tudo o que ganharia em trago.
A questão é que faço isso tudo com o maior prazer do mundo. Horas e horas de ensaio, a função dos cartazes, marcar os shows, contatos com o cara da aparelhagem, tudo vale a pena. Subir no palco, sentar o braço na guitarra e ver o sorriso de satisfação no rosto do público, como diz a propaganda, não tem preço.
Enquanto tiver forças continuarei saindo pelas madrugadas, com uma garrafa de qualquer coisa forte, um balde de grude e um pincel para, como um cachorro, parar em todos os postes e colar os cartazes da próxima apresentação. Continuarei carregando a guitarra e o amplificador noite adentro. Tudo porque um dia, na tenra infância, ouvindo um disco dos Ramones a todo volume, me olhei no espelho e decidi:
MINHA VIDA É O ROCK’N’ROLL!!!

quinta-feira, junho 21, 2007

Tudo o que pensamos e não temos coragem de dizer

Outra cerveja. Talvez agora o garçom tenha deixado sua cara de bunda no banheiro. Idiota. Ele é apenas o garçom e olha a todos com um ar superior, sabe, cara de bunda mesmo. “Traz mais uma aí amigo”. Amigo o caralho, e vê se não me olha mais assim, bundão.
Isso é o que acaba com o mundo, a arrogância das pessoas. Tenho certeza que ele deve estar pensando a mesma coisa: “amigo o caralho”, só que por motivos diferentes. Olha lá aquele babaca metido a intelectual, tomando nota das coisas num bloquinho, ganhando dinheiro para falar o que pensa.
Certo, admito que sou um merda, mas também não precisa me olhar desse jeito. Só não é pior que olhar de brigadiano. Esses são os reis do rei na barriga. Mas não é à toa, olha o poder que o governo dá para um bando de ignorantes, chefiados por um bando de ignorantes e comandados pelo ignorante mor do Estado. Alguém por acaso já viu um brigadiano defendendo o bem público? Sim, vá lá, existem algumas almas boas, mas a maioria está aí para encher o saco. A abordagem mais comum deles para com os cidadãos é: “o que tu ta escondendo aí, mão na parede, vagabundo”. Pior ainda são aqueles que ficam escondendo o barrigão atrás da mesa da delegacia só esperando chegar alguém com uma ocorrência para fazer cara de deboche.
Bem, mas falar deles e falar de nada é a mesma coisa, já que não vai mudar nada mesmo. Pelo menos esqueci um pouco do garçom.
Não suporto aquele olhar de peixe morto, de quem sabe que é gostosa e quer te humilhar porque tu só é mais um cara que fica babando e nunca vai conseguir nada com ela. Na real acho que elas nem ficam com ninguém, só para que todos os homens do mundo sintam raiva delas por elas serem tão gostosas, saberem que são e não ficarem com ninguém. Eu até ficaria feliz se um amigo, um conhecido que seja, conseguisse algo com uma delas, mas não, é impossível. Está certo que minha classe social influencia um pouco nisso. Talvez se eu tivesse um amigo que andasse numa Mercedes, saísse nos fins de semana para velejar e morasse numa mansão da Zona Sul, eu até conheceria alguém que fica com essas gostosas. Putas. Bando de putas que dão o rabinho não pelo dinheiro diretamente, mas pelo o que o dinheiro pode comprar. Ou seja, putas.
Até que enfim, hein, pau no cú? Foi fabricar a cerveja? Garçom xarope.
Putz, lá vem ela. Não deu nem tempo de descansar. Agora vou ficar o resto da noite ouvindo só bobagens e coisas sem graça. Que merda!
- Oi benzinho!
- Oi amor!
- Como é que foi teu dia?
- Tudo ótimo.....

quarta-feira, junho 20, 2007

BLUES

Uma homenagem aos irmãos da banda Delta do Jacuí

BLUES
The blues heals
Blues
Flash and bone
Ancient mystics
Right notes


BLUES
Feeling and moaning
Blues
Soul to pain
Never the same
Always looking for

BLUES

terça-feira, junho 19, 2007

Polícia

Eu podia tranqüilamente sentir ódio da polícia. O que em determinadas situações é impossível de evitar. Mas de uma maneira geral o que sinto é pena. O policial comum é um cidadão semi-alfabetizado que sofre uma lavagem cerebral onde o ensinam a proteger e servir o patrimônio particular da alta burguesia. Essa lógica é reforçada pelas manchetes de jornais: “não é mais possível sair nas ruas”, “a criminalidade venceu a guerra contra os cidadãos de bem”. E a polícia se sente obrigada a prestar serviços a quem tem o que ser roubado. O resto pode ser tratado como lixo, afinal, não consome, não faz parte do mercado, não possui cidadania.
Vamos aos exemplos. No futebol que apanha é o pessoal da arquibancada. Tudo começa nas filas. Já está tudo extremamente tumultuado, crianças chorando esmagadas pela turba, quando o brigadiano resolve “botar ordem” na rapaziada. Como um cavaleiro medieval desembainha a espada e joga o cavalo sobre a multidão. Basta um sussurro de “filho da puta” para uma pancadaria generalizada. Dentro do estádio não é diferente. Com 30, 40, 50 mil pessoas aglomeradas num único lugar é normal que ocorram algumas brigas. Aí entra a figura do “deixa disso”, que deveria ser o papel principal da polícia. Quando começa a troca de sopapos o que acontece? Cassetada indiscriminada dos brigadianos em quem estiver por perto, bomba de gás, bala de borracha. Tudo porque dois imbecis se estranharam na arquibancada e a polícia não teve capacidade de simplesmente chegar e separar os brigões. Nas cadeiras as brigas são resolvidas pelos torcedores, sem a presença da polícia. Ou seja, onde não tem polícia, não tem confusão.
Agora a moda é blitz nas principais avenidas da cidade. O pessoal dos carros importados se sente seguro ao ser abordado com toda a delicadeza: “documentos, por favor”, “muito obrigado senhor, tenha uma boa noite”. Será que existe alguma ilusão de que um bandido, bandido mesmo, vá passar por uma blitz? O que eles fazem é confiscar o carro do pobre coitado que não tem dinheiro para pagar imposto e apertar a gurizada que sai para fumar um baseado. Motorista de carro importado nunca precisa sair da sua fortaleza. Pode ter um quilo de cocaína no porta-luva e nada lhe acontece. Já a gurizada que anda de Uno, Fusca, Gol, tem que sair, abrir o porta mala e colocar a mão no capô para também ser revistado. Se encontram uma ponta de baseado já passa a noite na delegacia.
É tudo uma questão de comando. Quem tem o controle da polícia é quem pensa que só o rico é cidadão. Pobre é marginal até que se prove o contrário. E o policial, coitado, vive no paradoxo. De dia tem que proteger a classe A e de noite tem que tirar o uniforme para poder voltar pra casa. O culpado é quem manda, ou seja, os políticos, ou seja, a alta burguesia.

segunda-feira, junho 18, 2007

Cannabis

Um baseado, Elvis Presley, chimarrão e uma cadeira confortável. Sábado. Deriva de pensamentos elaborando conexões sem nexo. Só explorando novos caminhos que algum dia podem ser trilhados em sanidade. O céu é cinza e aconchegante. Um certo calor dentro do ninho. Músculos e pálpebras cansados cheios de vitalidade. Uma leve dor interna, como não poderia deixar de ser. Órgãos maltratados. Mas ainda assim gostam da breve vida. Alguma coisa há de recuperá-los. Música para nuvens da massa de ar polar. A perspectiva do frio anima sentimentos obscuros. O fogo faz valer seu poder. A sujeira é tão familiar que desperta compaixão. De repente, não mais que de repente, tudo faz sentido. Como? Não sei, mas que faz, faz.....

sexta-feira, junho 15, 2007

Resistência

Hoje em dia o Rock’n’Roll é um movimento de resistência. Por mais absurda que possa parecer, essa afirmação é verdadeira.
O Rock, desde a sua criação, viveu sempre imerso num paradoxo incontornável: rebeldia e comercialização. Elvis Presley é um exemplo emblemático. Um jovem branco tocando música de negros nos Estados Unidos dos anos 50 era um tapa bem dado na cara do sistema. No entanto, o que ele queria? Comprar um carro e uma casa para sua mãe. Nada mais justo. Afinal, o que mais poderia querer um rapaz pobre do Tenesse? Depois do estouro inicial das suas gravações pela Sun Records, Elvis foi “vendido” para o empresário Coronel Tom Parker. Este não entendia nada de Rock’n’Roll, mas entendia muito de dinheiro. Coronel costumava dizer que quando conheceu Elvis ele tinha o potencial de um milhão de dólares em talento. “Agora ele tem um milhão de dólares”. Faço minhas as palavras de Roberto Muggiati, em seu livro Rock: do Sonho ao Pesadelo: “o drama de Elvis é que a partir do momento em que se tornou o novo rei da canção nos Estados Unidos, perdeu a vida própria e passou a ser manipulado para fins comerciais ou até para efeitos propagandísticos”.
O mesmo aconteceu com milhares de outros artistas, de todas as tendências e épocas. Porém o que diferenciava os verdadeiros rockers é que eles aproveitavam os sucesso para passar uma mensagem. Neste quesito, John Lennon é um símbolo. Depois do fim dos Beatles, todos os seus atos eram medidos para ter uma repercussão política. Bob Dylan, Jim Morrison, Iggy Pop, Lou Reed, Raul Seixas, Cazuza, nenhum deles jamais reclamou do dinheiro que ganhou, mas nem por isso deixaram de passar sua mensagem. Ou seja, o objetivo não era o dinheiro, ele era apenas uma conseqüência.
Hoje vemos uma total inversão de valores. Por quê um jovem faz uma banda de Rock? Para virar Rock Star, ganhar dinheiro e ficar famoso. Ele não tem nada para falar, e é até melhor que não tenha. O dinheiro entra para quem anda na linha, não arruma complicação, não usa drogas, não vive no subúrbio, não sabe o que se passa na sociedade. Ou seja, quem ganha dinheiro são imbecis esterilizados. O mercado apropriou-se do que lhe interessava no Rock, acabou com sua subversão e rebeldia e o transformou em apenas mais um produto da sociedade de consumo. Entretenimento e culto às celebridades instantâneas; foi isso o que sobrou da “Revolução Jovem” que abalou o mundo na segunda metade do século passado.
Chega de desabafo, vamos aos fatos. Tenho freqüentado o Garagem Hermética nos finais de semana. É, provavelmente, o único lugar que coloca músicos de Rock a tocar sexta e sábado por um preço acessível. O público médio varia de 60 a 100 pessoas por noite. Segundo Fernando, o dono do boteco, “o dinheiro não dá nem para pagar as contas do bar”. Pergunto, tentando causar uma polêmica: “então quer dizer que o Rock morreu”? “Claro! Há muito tempo! As pessoas se enganam quando pensam que todo mundo gosta de Rock. Imagino que 90% dos que realmente gostam, e pagariam para ver boas bandas, já são casados, têm filhos, o que dificulta sua saída na noite. Os outros 10% não estão nem aí para os artistas. Para eles Rock é só uma pose, uma fantasia que colocam para sair de casa. Então o que eles fazem? Alugam uma casa abandonada, contratam um DJ e forram o bolso de dinheiro”. A essa altura da conversa já começo a ficar preocupado, imagina se ele fecha o bar? “Não, alguém tem que ser a resistência”.
Graças a Deus, ou melhor, ao Pai do Rock, que ainda temos pessoas assim, que acreditam no verdadeiro sentido do Rock’n’Roll. Viva a Resistência!!!

quarta-feira, junho 13, 2007

Gripe

Gripe.
Que sensação ruim.
Dor em todos os músculos do corpo.
Frio, calor, frio, calor, frio.......
Nada na cabeça.
Por mais que quisesse não consigo pensar em nada para escrever.
Quem sabe amanhã volta a inspiração.

terça-feira, junho 12, 2007

Subversão

Para quem não sabe, este blog faz parte de uma rede semi-clandestina de apoio a ações subversivas, com sede em diversos países do mundo. Nosso lema é “imploda o sistema sem ser reconhecido”. A seguir, algumas ações que qualquer pessoa pode fazer para ajudar nessa luta:

1- plante cannabis sativa em parques, praças e canteiros da sua cidade;
2- apareça mascarado em manifestações de partidos de direita;
3- apareça com a mesma máscara em manifestações dos partidos de esquerda;
4- nunca compre jornais, todos mentem;
5- dê um abraço num mendigo;
6- ao passar por uma prostituta de rua, faça um elogio;
7- não fale com repórteres de rádio e TV;
8- ao ver um carro oficial, dê uma cusparada no pára brisa;
9- faça o mesmo ao ver um carro de luxo;
10- não fale com a polícia, eles são a face armada do inimigo;
11- escreva frases de amor nos muros da cidade e
12- invente uma nova profissão.

segunda-feira, junho 11, 2007

Eclético

Acusam-me de radical. É normal que minhas conversas acabem com um “pô meu, contigo não dá, tudo o que tu não gosta pra ti é merda”. Nada mais óbvio. O que absolutamente não quer dizer que eu não respeite quem tem opinião contrária à minha. Acho, não, tenho certeza, que cada um é livre para ouvir as merdas que quiser. Inclusive eu.
Mas como gosto de provar as coisas, tentarei mostrar agora que não sou tão radical assim. Na verdade sou até eclético demais para o meu gosto.
Sábado. Aquela ressaca chuvosa, pegajosa, tudo úmido demais, nada para fazer. O pessoal da casa já não agüenta mais olhar pra cara um do outro. Os assuntos giram em torno de “ai, minha cabeça”, “maldita mistura de uísque, cerveja, vinho, tequila, cuba, baseado e cigarro”, “cara, tô com uns calafrios”, “tem um Eno aí?”. De repente, não mais que de repente, vem da sala um som firme de bateria, baixo e guitarra distorcida. A cena é a seguinte: meu irmão na frente da tela do computador dançando ao som de Got to Choose, do Kiss.
“Aí velho, vou montar uma coletânea das músicas que eu mais gosto do Kiss”.
“Então tá, uma cada um”.
E aquela tarde que parecia tão depressiva transforma-se, de um momento para outro, numa festa. Room Service, King of the Night Time World, Let Me Go, Rock’n’Roll, Christine Sixteen, C’mon and Love Me. Horas e horas do mais puro Rock. As músicas são analisadas ao extremo. O encaixe das guitarras com o baixo, o sotaque new yorker do Paul Stanley, a lembrança da performance ao vivo.
Já recompostos, hora do banho e janta. E quem assume os alto falantes? B. B. King. Uma coleção de alguns blues funqueados, tipo anos 70, com naipe de metais e backing vocals perfeitos. O típico som para esquecer que existe um som e do nada prestar atenção numa passagem. “Putz, o negrão é foda!”.
No fechamento da preparação para a noite (Beatles Fun Club Band no Garagem Hermética) ainda aparece o guitarrista da nossa banda com sete discos do Elvis para gravarmos no computador. Tem inclusive um especial somente com canções natalinas.
Bem, até agora parece que falei, falei e não disse nada. Ainda podem me acusar de não ter nada de eclético no que ouço. Mas eu tenho ainda um trunfo. Lá vai a prova cabal de que sou um cara que ouve de tudo:
EU ADORO LEGIÃO URBANA!
Sim, é verdade e não tem nada de exagero. Adoro mesmo. Renatão, grande rocker. O fato dele ser uma baita bichona mascara sua verdadeira face: Renato Russo foi, sim, um grande rocker. Lembro como se fosse hoje de uma entrevista, tipo 1989, 1990, em que o repórter pergunta: “o que é a Legião Urbana”. Resposta: “é uma banda de rock, nada mais que isso”.
Para ver como não é fácil admitir que se gosta de Legião, já estava tentando me justificar. O fato é que gosto mesmo. Música, letras, postura, tudo. Desde aquele som semi-punk do primeiro disco, até uma choradeira corta-pulsos tipo Clarisse do disco póstumo.
Para mim o Renato Russo sempre teve uma imagem de irmão mais velho. O tipo do cara que te dá a real, mas não toda. Vai e descobre. Faz algumas loucuras e curte as conseqüências, sejam elas boas ou ruins. Ele foi companheiro em situações importantes da minha vida. Desde os encontros da turma debaixo do viaduto para tomar vinho e tocar violão (Eduardo e Mônica, Pais e Filhos, Que País é Esse, Quase Sem Querer), até a solidão depois que a namoradinha da praia voltava para a Capital (Acrilic on Canvas, Andrea Doria, Teatro dos Vampiros, Só Por Hoje).
Talvez por isso eu tenha sentido tanto sua morte. Putz, foi chato pra caralho. Estava depois do ensaio no boteco, tomando café preto e comendo quindim, quando soa aquela música do plantão da Globo: “morreu hoje o vocalista da banda Legião Urbana, Renato Russo...”, já não ouvi mais nada. Admito que chorei. E talvez por isso hoje eu seja um cara tão eclético a ponto de não ter medo, nem receio, nem vergonha de dizer:
EU ADORO LEGIÃO URBANA!

sexta-feira, junho 08, 2007

Jogos

Demônios e santos jogam do mesmo lado
Brincam com a vida
Na minha, na sua frágil mente humana
O espetáculo está aí

Sou um peão ou sou a mão?
Sou ator, diretor, sou público?
A cerimônia não tem nome, não tem fim
Dancemos?

Enquanto observo participo do jogo
Enquanto canto, sou observado
Papéis são só papéis
E tu, quem és na realidade?

Não te conheço, nem pretendo tanto
Não te entendo, apesar de querer tanto

Não posso ser perfeito
Te queria imperfeita comigo
O imperfeito é quem ama
A perfeição te deu o medo

Quem ganha?
Eu perco

quinta-feira, junho 07, 2007

O fim da cachaça

Estamos órfãos da cachaça. Mas não qualquer uma, nem 7 Campos, nem Sagatiba. Estamos sem aquela cachacinha curtida com frutas, ervas e folhas, que fazia a alegria dos bêbados de todas as classes sociais. O templo dessa bebida, o glorioso Bar João, fechou há anos. O direito à bebedeira era universal. R$ 0,50. E lá estavam os punks, os mendigos, os universitários, os hippies, os judeus, os bancários, os músicos, todos com um martelinho na mão. Lembro de uma tarde em que fomos lá decididos a experimentar todos os sabores. Alguns abandonaram logo. Eu desmaiei no Teletubbie. O campeão conseguiu tomar um martelinho da cachaça de tijolo....
Bem, fecharam o João, e fomos obrigados a migrar. Paramos no bar do Adriano (já perceberam que os bares de cachaça têm nomes próprios?). Quantas noites, daquelas que não se tem nada para fazer, sem dinheiro no bolso, não acabei escorado naquele balcão bebendo um veneno que chamavam de “maracujazinho”? Ali também foram consumidos litros e litros de cachaça curtida. Tinha também o folclore de pedir um sabor daqueles esquecidos só para ver o seu Adriano buscar a garrafa na prateleira com a “mão biônica”.
Os sabores variavam de acordo com a moda. Sim, existia uma moda de sabores de cachaça. Provavelmente o mais clássico seja o butiá, sempre com uma boa saída, pedidos constantes durante a noite. Quando o cara andava meio mal do estômago pedia uma de losna. A de canela teve seu tampo de glória. As de frutas em geral também sempre estiveram no gosto dos bêbados, principalmente as gurias, com um destaque especial para o abacaxi. Claro que não podemos esquecer a purinha, que sempre será a purinha. Mas o auge do refinamento foi quando o pessoal descobriu a cachaça de barrolda, que na verdade se escreve warrolda. Bons tempos....
Mas porque estou escrevendo isso tudo mesmo? Ah, sim. Esses dias andávamos pela Cidade Baixa, eu e meu irmão, e decidimos tomar uma canha. Simplesmente não sabíamos aonde ir. Reparem no paradoxo: o bairro boêmio da cidade não tem um boteco que venda pinga curtida.
Voltamos tristes para casa.
Verdadeiros órfãos da cachaça

terça-feira, junho 05, 2007

'ista'

Admito que vivo tentando ser um ‘ista’. Na tenra idade me empolguei um pouco com as idéias comunistas, mas não tenho vocação para a religião. Os socialistas me parecem muito acomodados, até porque hoje são todos reformistas. Entrei em contato com os anarquistas, mas a luta deles é tão constante que não sobra tempo para uma curtição. E no fundo, no fundo, eu adoro tomar uma Coca-Cola quando acordo de ressaca. Valorizo os ambientalistas, mas sou um animal urbano, gosto do cinza, do barulho, da multidão. Dos capitalistas não posso gostar. Eles de fato são muito malvados.
Hoje me sinto mais do que nunca um “raulseixista”. Assim, posso ser o que quiser, com a liberdade de tirar uma onda de todos os outros que me agradam e desagradam. Sem contar que a vida rocker é, por si só, uma afronta à sociedade, qualquer sociedade. E é a que mais se encaixa no lema “Prazer, Paz e Liberdade”, na verdade uma corruptela minha para “Sexo, Drogas e Rock’n’Roll”.

segunda-feira, junho 04, 2007

Provas

Só para provar que eu não estou ficando louco, reproduzo a seguir trechos da reportagem Os donos da agenda, da revista Carta Capital nº447:
.
"Segundo as entrevistas realizadas para a elaboração do relatório do PNUD (Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento), entre os quais vários presidentes e ex-presidentes, quem hoje exerce realmente o poder não são os governos ou os partidos, e sim os grupos econômicos e financeiros (79,7% das respostas) e, logo atrás, os meios de comunicação(62,2%).
.
No fim do texto o repórter ainda faz referência a uma frase de Karl Krauss, que diz o seguinte: "Como é governado o mundo e como iniciam as guerras? Os diplomatas mentem aos jornalistas e depois crêem no que lêem". Eu sugeriria uma pequena correção na segunda parte: "Os empresários combinam mentiras com os jornalistas e depois crêem no que lêem".
É o totalitarismo privatizado, ditadura econômico-financeiro-midiática. Segue a luta contra todo e qualquer tipo de emprego e trabalho. Chega de vender barato nossas vidas para sustentar as mordomias de meia dúzia de magnatas.
"Prazer, Paz e Liberdade" para todos!!!

sexta-feira, junho 01, 2007

Nostalgias

Numa tarde fria e chuvosa somos todos um pouco Bob Dylan. Penso em nostalgias de quando me achava um adulto sem saber o que queria ser quando crescer. Caminhava por ruas desertas, uma mão no bolso, outra se torturando pelo prazer de um cigarrinho. Um tempo em que só imaginava grandes amores, grandes atos, grandes aventuras, que as grandes cagadas de hoje fazer parecer brincadeira. Era outra cidade e outro guri. Os visito em tardes assim, frias e chuvosas, e por que não sonhar um pouco? Brincar de Bob Dylan e escrever poesias que nunca serão lidas. Vagar por ruas desertas maltratando os pulmões e mãos sem luvas. Entrar numa livraria e botar uma banca de intelectual, mais um livro para a prateleira. São muitos anos e por incrível que pareça a grande pergunta é a mesma: o que vou ser quando crescer?