segunda-feira, outubro 24, 2011

Eu não confio mais em mim mesmo

E a culpa disso tudo é da minha mãe. Foi ela quem me comprou a fita do “Õ Blésq Blom”, dos Titãs, enquanto estávamos na fila do Calcagnotto (era com um “t”ou dois?), aquele na frente da Prefeitura de Caxias. Lá se vão quase 20 anos, e eu sempre acreditei nessa letra:

“Eu nunca mais vou dizer o que realmente penso
Eu nunca mais vou dizer o que realmente sinto

Eu juro Eu juro (por Deus)

Não confio em ninguém
Não confio em ninguém
Não confio em ninguém com mais de 30
Não confio em ninguém com 32 Dentes

Meu pai um dia me falou pra que eu nunca mentisse
Mas ele se esqueceu de dizer a verdade

Eu nao sei fazer música mas eu faço
Eu nao sei cantar as músicas que faço mas eu canto
Ninguém sabe nada”

O problema é que os anos passam e chegou o momento de um verdadeiro drama existencial: eu tenho mais de 30 anos. Mas o estrago não é completo. Nesses 31 anos consegui a façanha de perder um dente, o glorioso primeiro molar superior direito, o que torna impossível a existência de 32 dentes nessa boca. Assim, nessa segunda-feira fria e chuvosa, me tornei uma pessoa meio confiável. Não porque ganhei confiança, mas porque perdi metade dela. Passei o dia todo pensando nisso e cheguei à conclusão de que a situação tem lá suas vantagens. A principal é que não preciso mais ser tão rigoroso comigo mesmo, afinal, eu não confio mesmo em mim. Ou seja, se eu fizer ou escrever uma bobagem basta dizer: “bom, eu não confiava em mim mesmo”. Talvez esse seja o segredo da idade, a gente para de se levar tanto a sério. Talvez a vida fique mais fácil a partir de agora; talvez as idéias possam fluir com mais naturalidade; e também eu posso estar absolutamente certo, já que não se sabe se é o velho ou o desdentado que está falando.

sábado, outubro 22, 2011

Evolução e senso comum

Em um livro sobre metafísica li sobre o “sucesso evolucionístico” do nosso gênero. A discussão era sobre as vantagens e desvantagens de considerar o mundo através do senso comum, isto é, como as pessoas em geral vêem o que acontece. “Já que as nossas interações com o ambiente são eficazes – fato confirmado do exame severo imposto pela seleção natural – e já que tais interações se baseiam nas nossas crenças do senso comum, agora essas crenças devem ser verdadeiras”. Essa é mais ou menos a frase, e autor do livro tenta destruir o argumento da veracidade do senso comum. Primeiro porque o fato de termos crenças do senso comum não significa que fomos selecionados porque temos tais crenças; segundo porque a evolução parece se basear em critérios de economia e redução do risco, e não sobre crenças e visões de mundo.

São realmente ótimos argumentos, mas não tocam a questão fundamental: o tal do “sucesso evolucionístico”. Somos uma espécie de, sei lá, 10 mil anos, e nesse meio tempo conseguimos simplesmente destruir o mundo, sendo que nos últimos 500 anos o processo foi acelerado à máxima potência. Se continuarmos assim, imagino que será um pouco difícil viver por aqui no futuro. O que me faz mais uma vez pensar no mito da racionalidade do ser humano e também em um outro conceito, que podemos chamar de “instinto de preservação”, para ficar no ambiente dawinista.

Voltemos ao nosso amigo fazendeiro do Pará, aquele que se diverte derrubando árvores e matando gente. O seu instinto de preservação diz: “tenho que acumular dinheiro, aumentar meu patrimônio, para viver tranqüilo e deixar meus filhos com uma boa vida”. E que se foda se seus netos tiverem que pagar uma fortuna por um litro de água potável; dinheiro não vai faltar. Obvio que é um caso extremo, mas é mais ou menos assim que pensamos todos nós, ou seja, o senso comum. O nosso “instinto de preservação” no mundo é totalmente particularista. Eu tenho que pensar na minha vida, fazer o meu trabalho, ganhar o meu dinheiro e viver a minha vida. E assim as pessoas acabam destruindo suas próprias vidas, como o fazendeiro que derruba árvores, ou o magistrado que ganha 24 mil pilas por mês, mas tem que viver em um condomínio fechado, cercado de seguranças e gira em um carro blindado; exatamente como o traficante que ele acabou de mandar pra cadeia. E todos esses são os exemplos que o senso comum segue, consciente ou inconscientemente; basta pensar na sua própria vida.

Ninguém para pra pensar na preservação do ser humano como espécie. Ou até se pensa. Mas uma mudança do conceito do particular para o global implicaria numa mudança bastante profunda no nosso modo de vida. E mais uma vez voltamos para o grande problema da nossa época: o totalitarismo econômico e seu braço político, a democracia ocidental. Hoje em dia ninguém se atreve a dizer que o mundo não funciona; a nossa religião moderna disse que esse é o melhor sistema e todos temos que acreditar. Até porque se alguém diz o contrário simplesmente não é ouvido; quem controla a economia e a política controla também a comunicação.

O ponto é que não precisamos nem pensar em mundos fantásticos onde todos são felizes; basta saber que o nosso mundo é melhorável. A base é: assim do jeito que está não vai dar certo, o que podemos fazer para melhorar? E não me digam que é dar bom dia para o vizinho e comprar beterraba orgânica; a mudança deve ser um pouco mais profunda, deve se liberar do particular para o global. No fim a mudança de conceitos deve atingir o senso comum, senão o nosso tal “sucesso evolucionístico” vai pra cucuias. Como fazer isso exatamente ainda não sei, mas uma boa dose de utopia não faz mal a ninguém.

quinta-feira, outubro 20, 2011

Homem racional é uma piada

Dizer que o ser humano é racional é quase uma piada. Eu acabei de escrever um texto sobre pessoas que se matam para derrubar árvores e só isso já basta para confirmar a tese de que estamos ainda muito longe de qualquer tipo de racionalidade. Se fala tanto da nossa ciência, da nossa técnica, da nossa “evolução”. Que o homem tenha um completo domínio da natureza, não tenho dúvidas. E é justamente esse o problema. Todo o nosso empenho intelectual dos últimos 500 anos foi dedicado ao domínio da natureza e o resultado é esse mundo de merda em que vivemos. Seria muito mais racional que o homem tivesse dedicado todo o seu precioso tempo e esforço na compreensão da natureza, no sentido de buscar o seu espaço numa relação de respeito com as outras criaturas. Mas é claro que se assim fosse, ninguém seria rico, ninguém teria uma Ferrari estacionada na garagem e ninguém usaria um colar de ouro ou de diamantes. Talvez a gente desse mais valor para outras coisas, como a alegria de estar bêbado com os amigos, viver com a pessoa amada, ajudar os outros, pegar um sol na cara num dia de inverno. E talvez tivéssemos mais tempo livre, porque nesse mundo imaginário ninguém teria medo que as pessoas pensassem por si mesmas.

Esses dias li que o trabalho do filósofo é criar conceitos, ou ajudar no esclarecimento de conceitos. Parece um trabalho ridículo, mas quando vejo que pela simples transformação do conceito de “domínio” para o conceito de “cooperação” temos um mundo completamente diferente, até me sinto na responsabilidade de fazer esse trabalho. O problema é fazer os outros acreditarem nessa balela.

Vejo que desse pequeno texto podemos explorar tantos outros conceitos..... mas outro dia, porque a chaleira chiou e eu tenho que aproveitar os poucos minutos de sol desse começo de inverno...

quarta-feira, outubro 19, 2011

O babaca feliz de ser roubado

Pego a revista de sexta-feira do jornal La Repubblica e na capa anunciam a reportagem: “Quem massacra os camponeses que defendem a Amazônia”. Pulo direto para a página 58. Leio o texto e fico impressionado com a facilidade com que o jornalista responde à pergunta a que se propõe no título. A sentença está na página 63: “O apetite pela floresta é poderoso. Das multinacionais que buscam ferro, ouro e outros minerais para exportar à China, àquelas da soja, do carbono vegetal e dos novos biocombustíveis como a cana de açúcar. Os criadores de gado são somente os testas-de-ferro e as comunidades de camponeses ambientalistas estão condenadas ao martírio”.

Eu sou o tipo de cara que se impressiona facilmente com as histórias e dessa vez fiquei impressionado pelo fato de que os italianos sabem o que acontecem com a Amazônia e ficam indignados com isso. Nós brasileiros... bem, quem se importa; a Amazônia é muito longe - e muito grande. E tem mais. Esse tipo de reportagem me deixa particularmente em maus lençóis. É que eu costumo dizer por aí que o Brasil é um país melhor, que as pessoas estão adquirindo consciência, que tem um governo sério. Os caras me olham e dizem: “mentiroso”. Ou no mínimo um iludido por ver um pouco dos pobres entrarem para a classe média. Eu gostaria de ver se a presidenta teria coragem de vetar o tal do Código Florestal, ou melhor, a Lei de Anistia aos assassinos da floresta. Mas duvido muito. Eu gostaria de ver o glorioso Exército Brasileiro, ou a Polícia Federal, mobilizados para deferem o nosso patrimônio da ganância do sistema econômico internacional. Mas duvido muito. E enquanto eles roubam assim, descaradamente, tão descaradamente que até o jornal italiano dá a notícia, o nosso povo está feliz porque pode comprar geladeira, TV de plasma e iPod.

Só para terminar, um pequeno teste de percepção: você consegue relacionar os crimes na Amazônia, o desvio de dinheiro na preparação para a Copa e o neguinho batedor de carteira no centro do Rio de Janeiro? Não? Está na hora de trocar de óculos....