sexta-feira, julho 29, 2011

Depois do trampo

Personagens:

- 3 bêbadas;

- 2 bêbados;

- barman;

- observador;

- 2 dançarinas;

- 2 idiotas.

Som:

- Rock moderno com pinta de antigo tipo.... as músicas dos filmes do Tarantino.

A bira é muito cara, 4 pilas.

Cada gole (minuto) a coisa fica mais divertida.

- Me dá um pouco de tabaco?

- Claro!

Parece um dialogo muito rústico, mas não, é normal.

O barman começa a dançar e beija uma por uma das três bêbadas.

Os dois bêbados entram na dança e na beijação.

Aquelas que até então eram as dançarinas se retiram acompanhadas pelos dois idiotas, o que ajuda no clima da festa.

A essa altura, o observador tem certeza de uma coisa na sua vida: é um velho.

sexta-feira, julho 22, 2011

Madrugada

Maldita tela do computador. Eu nem consigo olhar direito. Mas... mas tem um problema. Não consigo dormir. E eu nem escrevi duas linhas e já apertei mais o “backspace” do que qualquer outra tecla. E o imbecil do Word não sabe o que é “backspace”. Ta escrito no teclado! Imbecil!

Imbecil sou eu, que fico brigando com o computador. Só porque uma maldita coisinha, e era bem pequena, não me deixa dormir. Já olhei todas as notícias do Inter, todas as notícias do Brasil, todas as notícias do mundo e nada consegue me fazer desistir. Acabei de dar uma de mendigo, como no último texto, e acendi um cigarro pela metade. E daí? Grande coisa. Como se alguém lesse essa porra toda. O que me faz pensar: por que escrevo essa merda? Ninguém lê mesmo. Ta, meus amigos, vocês são a coisa mais importante da minha vida, e a minha irmã Aline mais ainda; mas e daí? Tudo o que está escrito aqui posso falar em uma sentada no buteco.

O lance é que hoje perdi um amigo. Sim, talvez o veja mais umas duas vezes na minha vida, mas nunca será o mesmo. Johan, é o nome dele. Um alemão. Alemão sangue bom; como a gente chama. Meu primeiro amigo aqui em terras estrangeiras, e agora ele volta pra casa. E eu não sei mais onde é a MINHA casa. Sim, é onde estiver o meu amor, mas nem ela sabe onde é a NOSSA casa.

Chega. Eu sei que tudo isso é bom. É assim mesmo. Mas enquanto isso: “Teatro dos Vampiros”. Eu sei que vocês entendem. Obrigado.

quarta-feira, julho 20, 2011

Mendigão

A frase é da minha esposa: “tu não perde a mania de fazer amizade com os mendigos”. Dita assim, com um nítido tom de desaprovação. Mas realmente não posso fazer nada contra isso. Primeiro porque sou um alcoólatra como todos os mendigos do mundo. Segundo porque sou fascinado pela “encantadora alma das ruas”, e ninguém melhor que um mendigo para saber o que é essa tal alma. Fato é que, em tardes ensolaradas deste belo verão europeu, junto umas moedas, compro a bira mais barata do mercado e me sento na praça a espera de companhia. E não demora a chegar. Em pouco tempo somos um belo grupo bêbados em plena segunda-feira a rir e conversar ao redor de um banco de praça. O melhor dos mendigos é que são bons contadores de histórias. Um deles foi um quase grande jogador de futebol. Chegou a jogar nos profissionais do Bologna F.C., o glorioso “rossoblu” das Duas Torres, mas trocou a bola pela bebida. Ele é um pouco relutante a falar do seu passado de glória, mas os outros mendigos o provocam: “esse é uma lenda”, “jogava muito”, etc. Pouco a pouco ele começa a contar histórias de jornadas épicas, como vitória de 3 a 0 sobre a Juventus em 70 e alguma coisa. Até que percebe minha camisa com a foto do Jim Morrison: “esse era o problema, naquela época as festas eram boas de mais. Rock’n’Roll, ta ligado?”. Tô, tô ligado. E o outro pega o gancho e começa a contar dos 32 apartamentos que seu pai deixou de herança e foram transformados em pó. Não me contenho e digo “bom, pelo menos alguma festa viveu esse corpinho”, e com um meio sorriso ele conta de noitadas de três dias na conexão Bolívia-Itália. Um momento de silêncio, e parece que todos nós começamos a refletir na vida. Bem ou mal estamos aqui, tomando uma cervejinha com os amigos na praça. Quando inesperadamente chega outro companheiro: “ei, tu que é estudante, olha o que eu achei”, e puxa um maço de folhas de dentro de uma mochila abarrotada de livros. Ele é conhecido como o “mendigo filósofo” e me entrega as folhas de um manuscrito batido a maquina que fala sobre o problema básico de qualquer ser humano: o que é que eu estou fazendo aqui nessa merda de mundo? Entre Nietzche, Freud, Kant e Platão, linhas de um texto original e muito bem escrito. O interessante é que o papel parece novo e pelos sulcos na folha, recém batido. “Ta, mas tu achou ou foi tu que escreveu isso aqui?”. Um meio sorriso. “Vai comprar ou não?”; “Não tenho dinheiro”; “Então deixa pra lá”. Abre novamente a mochila, guarda o manuscrito e me faz olhar os livros. Enquanto isso, a turma se prepara para o início de um jogo de cartas. Tomo o último gole da minha cerveja e já estamos entrando na embriaguês. Abandono a praça antes que fique tudo muito chato e a “encantadora alma das ruas” se transforme da coisa mais repetitiva do mundo. O importante é que já estou preparado; se algum dia virar mendigo já sei como me comportar.

segunda-feira, julho 11, 2011

Amor de mãe

Mãe é mãe; e o começo é assim tão óbvio porque todo mundo sabe o que significa “mãe é mãe”. Não importa a idade que a gente tenha, seremos para sempre filhos e elas mãe. Eu, por exemplo, tenho 30. Quando meu avô tinha 30, era casado há mais de 10 anos e já tinha suas duas filhas, uma com 9 e outra com 7 anos de idade. Quando meu pai tinha 30, apesar de ser o protótipo de atuação para minha vida, também já estava casado há dois anos, tinha um emprego estável como dentista e já tinha me encomendado pra cegonha.

Depois dessa bela introdução de sucesso familiar, sou obrigado a entrar no argumento principal do texto. Essa semana arrumei um emprego. São 11 meses que estou aqui no Velho Mundo e até então só tinha conseguido bicos do estilo: distribuir panfletos, colar cartazes, ajudar um amigo no bar. Agora não. Agora eu sou garçom do “Mcdonalds da carne”, chamado Roadhouse Grill. Um emprego com carteira assinada. E até me comprei uma bicicleta, porque o restaurante fica no famoso cú do mundo e não vou gastar todo meu salário em transporte para chegar até o trabalho.

Enfim, depois de 30 anos de vida, uma faculdade pela metade, uma concluída, dois anos de trabalho como jornalista, quatro ou cinco bandas de Rock, um casamento e um meio mestrado, consegui um emprego no Mcdonalds da carne e me comprei uma bicicleta. Mamãe, como não poderia deixar de ser, ficou muito feliz. Ela me mandou um e-mail mais ou menos assim: “Parabéns pelo emprego e por ter comprado o primeiro veículo com teu próprio dinheiro”.

Sinceramente, não sei o que é pior: se ela está falando sério ou ironizando a situação. Se for sério é a prova de que todas as mães são completamente cegas de amor pelos seus filhos. Seria quase como se eu fosse mendigo, tivesse comprado um carrinho para recolher papelão e ela dissesse: “Parabéns pelo emprego e por ter comprado o primeiro veículo com teu próprio dinheiro”. Se for ironia, além de uma grande mãe, que compreende as dificuldades da vida do seu filho, ela é a rainha da tiração de sarro. Conhecendo a velha como conheço, fico com a segunda alternativa.

sábado, julho 09, 2011

Deus

Esquina da Via Borgonuovo com Via Santa. E de repente surge a seguinte frase: “nossa única diferença para as formigas é que somos maiores”. E esse texto poderia se desenvolver discorrendo sobre nossa necessidade de aglomero, de trabalho, de convivência, de gente. Mas esse é um texto sobre Deus. Porque talvez essa também seja uma diferença entre nós e as formigas. E a questão não é saber se ele existe ou não, até porque isso não tem a menor importância. O fato é que Deus estabelece sua relação somente com os pobres. O que pode nos levar a pensar que ele seja só uma face do desespero. Mas e não é isso? Eu mesmo apelei a ele quando me vi praticamente sem nada. E sinto que não se pode explicar de forma diferente as coisas que acontecem na vida. Sabe quando falam do mistério da fé? Não é nada mais do que o grande mistério da vida, da sucessão de fatos desconcertantes que nos atingem todos os instantes. E não posso sequer falar de Deus. Porque sinto entrar em um discurso religioso, o que não tem absolutamente nada a ver com o sentimento e a verdade por trás do pensamento que gostaria de exprimir. Não posso falar da alegria simples que sinto ao parar numa esquina de uma cidade que aos pouco se torna a minha cidade e perceber alguma coisa sobre a vida. Do prazer que sinto ao olhar prédios antigos, gente empilhada, bicicletas, carros, ônibus, e saber que sou alguém. É estranho. Me sinto fora de tudo e ao mesmo tempo completamente imerso na loucura que está em torno. Esse é o resumo da felicidade: ser e não ser; olhar e viver; dentro e fora. Uma felicidade tranqüila e duradoura, de saber que as coisas acontecem e saber que posso ao mesmo tempo participar e olhar de fora. É uma sabedoria que só vem com a dificuldade. É saber que um belo sorriso no rosto de quem se deita sempre ao meu lado vale mais do que qualquer outra coisa nesse mundo. Porque quando ele não está ali é tudo uma grande merda. E a dificuldade nem era tão difícil assim, porque foi superada e hoje é só uma lembrança, uma história divertida para contar em mesas de bar do futuro. E se chamo isso tudo de Deus é porque preciso agradecer pela vida, por ela ser assim exatamente como é, e pela certeza de que amanhã ela será completamente diferente; e ainda a mesma. Sim, é um texto complicado. E nem sei porque escrevi toda essa merda. Mas é que tudo parece fazer sentido. Longe das palavras, muito longe; mais ou menos lá onde decidimos dizer que mora nossa alma.

terça-feira, julho 05, 2011

Vizinho Rocker mala

Hoje descobri um novo tipo de vizinho chato: o vizinho Rocker chato. Parece uma contradição usar na mesma frase as palavras “Rocker” e “chato”, mas é exatamente isso que está acontecendo agora. Estou no meio de uma guerra Rock’n’Roll. Explico. É que o mala do vizinho não consegue ouvir uma música inteira. Existe angústia pior do que ouvir uma música pela metade? Eu mal e mal consigo ouvir um disco pela metade, imagina uma música. Vou citar só um exemplo para ficar clara a minha indignação. Lá pelas tantas começou Stairway to heaven. O medalhista ouviu toda a parte lenta da música e quando chegou o solo.... puft! Cortou! E pulou pra Smoke on the water. E quando chegou o solo.... puft! Cortou! E pulou pra Simpathy for the Devil e... bem, já dá pra imaginar.

Nesse ponto botei o cabeção pra fora da janela e gritei: “ma porco Dio, lascia almeno una fino alla fine!”. Não adiantou nada. Então fui obrigado a ligar o computador, as caixas de som e colocar um Canned Heat a todo volume. Tipo de estalar os alto-falantes. Funcionou. Depois de duas músicas o cara cedeu. Desligou seu aparelho. Ainda não diminuí o volume, porque imagino que ele também está curtindo o Blues. Espero que ele aprenda, pelo menos, que as músicas foram feitas para serem escutadas até o fim. E se deus for bom, ele pode até aprender que os artistas não fazem discos por acaso; são obras que em geral possuem um sentido, que só é percebido quando se ouve um disco inteiro. Sim, eu sei que eu também sou chato, mas pelo menos respeito o Rock’n’Roll.

segunda-feira, julho 04, 2011

O sentido da vida

«Um longo tempo empenhei, e não voltei ainda ao início, para aprender isso: que não se pode aprender nada! Na verdade não existe, acredito, aquela coisa que chamamos “aprender”. Existe somente um saber, que é em tudo, que é Atman, que está em mim, em você e em todos os seres. E assim começo a acreditar: esse saber não há pior inimigo que a vontade de saber, que o aprender.»

Siddharta, Herman Hesse


«6.52 Nós sentimos que, mesmo na hipótese de que todas as possíveis perguntas científicas tenham sido respondidas, os nossos problemas vitais não serão ainda nem tocados. Certo, então não resta mais nenhuma pergunta; e justamente essa é a resposta.

6.521 A solução do problema da vida se encontra no seu desaparecimento.

(Não é talvez por isso que os homens aos quais o sentido da vida se torna, depois de grandes dúvidas, claro, não sabem dizer em que consiste esse sentido?)»

Tractatus Logico-Philosophicus, Ludwig Wittgenstein


Só encontra resposta para os problemas da vida quem: vive. Todos os belos e importantes livros escritos na história da humanidade não podem nos ajudar nesse caminho. Ou talvez ajudem somente a clarear a certeza de que não é ali que estão as respostas. Só quem aceita a vida sabe que o sofrimento e a dor são uma parte inseparável da alegria e do prazer; que a solidão é o melhor caminho para a sociedade; que o ódio e a raiva devem abrir as portas para o amor. O exercício é: desligar e ligar; sair do mundo, olhar de fora, voltar ao mundo com seus novos olhos. Se cada um de nós procura alguma coisa, a resposta para uma pergunta individual, o grande sentido da vida, a resposta é como aquela de Siddharta: não procurá-la, mas estar alerta para reconhecê-la quando chegar. E como vamos saber? Provavelmente não vamos saber da mesma forma que se sabe fazer um cálculo ou qualquer atividade mundana. Teremos aquele momento em que tudo faz sentido. Momento: porque logo depois tudo cai como castelos de carta. Até que chegue o próximo momento. Enquanto isso se vive. Com toda a intensidade possível para que o momento seja o mais belo possível. Metamorfoses constantes, e sabemos que isso não é novidade. Abrir espaço dentro de si para o novo; para a experiência; para a vida. E depois de ler um texto como esse, esquecê-lo, porque não diz nada de importante, a não ser o que todo mundo já sabe. Vida, meus amigos. Vida.

Buceta

- Aí brou.

- Fala.

- Sabe no que eu pensava quando fiz minha primeira banda?

- Fala.

- Buceta

Claro, e como não, se os grandes todos nos ensinaram assim. Depois de 30 anos de atraso finalmente vi o filme The Last Walz (Martin Scorsese), a despedida da grande The Band. Lá pelas tantas o diretor pergunta pro pessoal por que eles resolveram formar uma banda: “buceta”, é a óbvia resposta.

E me lembro do primeiro documentário sobre o Kiss que apareceu na minha casa. Um VHS que o integrante do Kiss Army que morava comigo trouxe. Lá pelas tantas Gene Simons e Paul Stanley falam de por que resolveram montar uma banda: “buceta”, é claro.

E um dia li a biografia do Ricardinho (Little Richard). A parte toda a bizarria das suas práticas sexuais, em um momento do livro ele conta do show em que as mulheres começaram a jogar as calcinhas no palco (sim, Ricardinho é o precursor do Wando). Isso tudo antes ainda que existisse qualquer coisa como Elvis. E ele é obrigado a admitir que começou a cantar porque queria: “buceta”, como não.

E a minha educação familiar foi baseada no disco vermelho dos Beatles. Um dia provoquei a ira do meu pai ao dizer que preferia os Rolling Stones. “Tu é Beatles guri!”, e desde então sou Beatles (mesmo preferindo os Stones). Mas o velho era um sábio. Aprendeu a tocar meia dúzia de músicas como “Love me do”, “Hey Jude”, “Hard days night”, e coisas do gênero: “pra ver se comia alguma buceta”, como seria de se esperar.

E no fim meio que deu certo. Não sei como seria minha vida sem a banda e sem o Rock’n’Roll, mas acabou que por causa disso descobri as maravilhas que se escondem debaixo das calcinhas que circulam pelos bares de Rock. Pude até ir além, e escolher a mais Rocker, bonita, inteligente e louca para ser minha companheira pelo resto da vida. Por isso agradeço a deus (ou quem quer que seja, se é que me entendem...) por ter me dado a brilhante idéia de pegar uma guitarra e aprender um pouco daquilo que tocava nos discos.

sexta-feira, julho 01, 2011

Cidades sem pombas

Perdido no fim do velho mundo. Por que parece divertido? Porque é quase como um filme: castelos, muralhas; e os mouros que sem guerra tomam conta pelo sub-mundo, sub-emprego, sub-vida. A praça milenar vazia. Dois velhos, um cigarro, um tipo que se diverte rabiscando em pedaços de papel...

Gentilezas de parte a parte e gente que trabalha pra comer. Sobrevivência. Gente que trabalha para esquecer da vida, e no fim é fácil. Mas o trabalho é parte da vida? E vida, o que pode ser? Além de esperar que aconteça alguma coisa...

A morte. Não, não se pensa esse tipo de coisa. Não agora, na hora do almoço, na praça deserta, no fim do velho mundo, em silêncio...

E de repente se percebe: é uma cidade sem pombas. Porque elas também precisam de lixo, do lixo humano, dos escapamentos, da pressa, de migalhas. No fim acaba que construímos as cidades pra elas. Que como nós não querem saber da vida boa do fim do velho mundo, suas praças vazias, seus velhos desocupados, de trabalhadores estranhos que sonham em pedaços de papel. As pombas giram na loucura, nas capitais, onde o sino da igreja é só mais um barulho imperceptível. Aqui não. Eles marcam a hora, regulam a vida do povo ordeiro, que almoça em casa. E nada de migalhas, nada de pombas, nada de...

Nada.