sexta-feira, dezembro 22, 2006

Eu sou do Inter

Esta é a segunda vez que me sento para escrever sobre o Sport Club Internacional. Na primeira eu era apenas uma criança de oito anos de idade. Lembro-me de arrastar a pesada máquina de escrever para a mesa da sala. Depois do enorme esforço para erguê-la, coloquei o papel e, com tinta vermelha, escrevi o título: “Celeiro de Ases”.
Acho que esse foi o primeiro momento que parei e pensei “sim, eu sou do Inter”. Mas já estava tudo escrito, desde a primeira vez que fui ao Beira Rio, com quatro anos de idade. O jogo era Inter e São Luís de Ijuí pela semi-final do Gauchão, ou coisa que o valha. Meu pai, o grande responsável por tudo, me dizia “aqui é a nossa casa”, e eu nunca vou me esquecer de como era grande essa casa. Não me lembro de ter visto o jogo, eu estava mesmo impressionado com o mar de camisas vermelhas que tomava as arquibancadas. Segurando na mão daquele guia pelos mistérios do futebol eu ouvia histórias do tipo “quando a gente foi campeão em 75 eu estava sentado ali”, “quando nós ganhamos o gre-Nal tal eu estava lá daquele lado”, “eu e teu tio trouxemos tijolos para ajudar a construir esse estádio”.
Pois desde aquele dia que resolvi escrever o hino, dediquei grande parte da minha vida ao Colorado. Lembro de quando perdemos para o Flamengo naquela final que não se sabia direito se era Campeonato Brasileiro ou não. Lembro do gre-Nal do século, daquele time que parecia imbatível, mas que acabou perdendo para o Bahia. E no ano seguinte, como esquecer, toda a insistência para que meu pai me levasse naquele Inter e Olímpia. E depois a tristeza e pela primeira vez na vida a flauta no colégio.
Lembro também de quando comprava o álbum de figurinhas e a primeira coisa que fazia era colar a página do nosso adversário ali da Azenha. Raramente jogava bafo com meus colegas para não correr o risco de pegar um jogador “deles”.
Lembro do quanto chorei quando vi o Inter pela primeira vez campeão, em 1991. Aquele povo invadindo o gramado, e depois a festa nas ruas, a volta para Caxias com bandeiras vermelhas por todos os cantos são imagens que vão ficar para sempre comigo.
Lembro de quando pela primeira vez vi o Inter ser realmente grande e conquistar o Brasil com aquele pênalti mal batido do Célio Silva. Lembro de chorar abraçado ao meu irmão. Ainda éramos duas crianças de 12 e 9 anos de idade, mas já sentíamos a responsabilidade de vestir aquela camiseta vermelha e dizer “sim, eu sou do Inter”.
Foram momentos de glória que precederam uma década do inferno. Enquanto torcíamos para que o Colorado ganhasse um joguinho sequer com Rudinei e Demétrio no ataque, eles estavam lá enfileirando copas do Brasil. Enquanto ganhávamos o título do Gauchão “interminável”, um campeonato ridículo, eles estavam lá ganhando a Libertadores. Eu não queria mais ir para a aula. Eu não queria mais sair de casa.
Mas toda quarta-feira ou domingo que tivesse jogo nós descíamos de Caxias rumo ao Beira Rio. No carro iam sempre meu pai, o Baltazar, o Tubelo, eu, meu irmão e algum outro que de vez em quando entrava de carona. Como esquecer das inúmeras churrascadas na Saci? Das cadeiras do estádio com nosso nome gravado? Das comemorações e das tristezas?
Lembro do gol do Fabiano naquela final do Gauchão de 1997. E depois dele dançando após marcar mais um no gre-Nal dos 5 a 2.
Lembro agora do Inter quase rebaixado, das noites solitárias e frias na Coréia, e de como ficava indignado com as vaias. Lembro do Beira Rio quase vazio, naqueles jogos que nada valiam. Mas sabíamos que se quiséssemos voltar a ser grandes tínhamos que passar por aquilo.
Desde então vimos o Inter crescer, se organizar e pensar no futuro. Primeiro retomamos a hegemonia no Estado. Depois veio a classificação para a Copa Sul-Americana. Os jogos contra o Boca Júniors. Vice-campeão Brasileiro após a roubalheira a favor do Corinthians. Todos sentíamos que alguma coisa nos aguardava, mas seguíamos morrendo na beira da praia, uma verdade que doía de ser ouvida da boca de nossos adversários.
Veio 2006 e lembro do jogo arrasador contra o Nacional do Uruguai no Beira Rio. Mas lembro também da final do Gauchão que perdemos, em casa, para nosso maior rival. Mais flauta e muitas dúvidas. Será que vamos ficar mais um ano nessa? Não vamos ganhar nada de novo?
Lembro do sofrimento para passar pelo Nacional nas oitavas de final. Da angústia durante a Copa do Mundo. Quem queria saber do Brasil se o Inter precisava ganhar da LDU? Lembro do alívio que veio dos pés de Rafael Sobis e Rentería.
Depois mais uma vez um time paraguaio na semi-final e o fantasma do Olímpia rondando a cabeça dos colorados. Mas nós temos Alex e temos Fernandão, e uma torcida enlouquecida que transforma o Gigante em um caldeirão para nossos adversários.
Lembro do jogo de ida contra o São Paulo e todos meus amigos nervosos aqui na cozinha, grudados na tevê. Um jogo pegado, disputado palmo a palmo, onde brilhou a estrela de Rafael Sobis. O Rio Grande tremeu junto com as redes do Morumbi e ali nós já sabíamos que ninguém ia nos tirar esse título.
Lembro da confusão para entrar no Beira Rio no dia da grande final. De quando eu encontrei minha família nas catracas e praticamente invadimos o estádio, que é nossa casa, nosso templo. Já estávamos chorando antes mesmo de começar o jogo, abraçados em frente ao bar do portão 6, eu, meu pai e meu irmão. Do jogo nem preciso falar, do grito que não saída da garganta, e sim dos olhos, porque aqueles mais de 50 mil colorados eram todos crianças e dançavam, choravam, se abraçavam e pintavam a América de vermelho.
Lembro de tudo isso porque essa semana voltei ao Beira Rio. E aquele estádio gigantesco que meus olhos de criança viram há muito tempo parecia pequeno demais. Não tinha jogo, não tínhamos adversários. Era o mundo que encontrava sua casa, carregado pelos braços de Fernandão, de Clemer, de Luís Adriano, o legítimo colorado, de Gabiru. Era o mundo conquistado pelo presidente Fernando Carvalho, pelo Abelão, pelo Paixão. Era o mundo do cara do bar, do vendedor de cachorro quente. O mundo do poderoso executivo, do advogado, do catador de lixo, do operário. Era o mundo do peão de estância, que acompanhou tudo grudado no seu radinho. Era o mundo do meu bisavô, Alberto Morem, do Baltazar, do João, meu colega, e de tanto outros que se foram antes. Enfim, era o meu mundo, desse coração Colorado que segue chorando toda vez que a Academia do Povo pisa no gramado, desse distintivo marcado para sempre na pele, dessa camisa vermelha, que é manto sagrado, dessa religião que sigo como mais abnegado devoto.
Sim, eu sou do Inter. E se sempre tive orgulho de dizê-lo, agora repito ainda mais alto, porque o mundo inteiro tem que escutar: EU SOU DO INTER!!!

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Um sonho rocker

Infelizmente tenho confundido um pouco sonho com realidade.
Há alguns minutos estava numa livraria de Buenos Aires, conversando com um comunista, com certeza comunista porque usava uma camisa vermelha com a foice e o martelo, e que muito provavelmente devia ser o dono da loja. Me lembro de ter pedido um livro de Luís Carlos Borges. Sim. Aquele maldito comuna me fez confundir Luís Carlos Prestes com Jorge Luis Borges, em uma livraria castelhana. O pior é que ainda me dei conta e corrigi. Comprei o livro e saí para dar uma volta num brique antigo onde as pessoas dançavam tango na rua.
É isso que eu falo em confundir sonho com realidade. Como é que eu posso ter me confundido e depois ter concertado tudo num sonho? Ou seja, eu estava plenamente consciente do que fazia, tanto quanto acordado.
Quando preparava meu chimarrão esta manhã tenho certeza de que estava mais fora do que dormindo. Pensava nas possibilidades de as pulgas tomarem conta do meu apartamento e exigia uma resposta do cachorro, porque afinal é ele o saco de pulgas. Como o cusco, no máximo, me olhava com aquela cara triste, desisti de tentar entender o mundo das pulgas e resolvi pensar em outra coisa abstrata, mas que toma a maior parte do meu tempo de atividade intelectual: Rock and Roll.
Me custa acreditar que o Rock morreu, mas é uma realidade cada vez mais difícil de refutar. Não que ele esteja morto e enterrado, que ninguém vá mais ouvir e tocar. Até acho que hoje em dia existem mais pessoas que se dizem rockers do que antigamente. Nunca se vendeu tanta guitarra, nunca existiram tantas bandas, tantas lojas, tantos bares. Mas a questão é que tudo isso parece ser muito falso. Não existe um objetivo. Esta nova geração, da qual infelizmente faço parte, não tem nada a dizer. Está certo que mudar o mundo através da música, sonho de nossos antepassados, já foi provado que não é possível. Mas o fato de tentar é que era apaixonante.
O Rock, Rock mesmo, morreu exatamente no momento em que o palhaço do Kurt Cobain enfiou uma bala na cabeça. Definitivamente ele foi o último Rock Star digno dessa classificação. Se bem que de certa forma fracassado, porque não conseguiu morrer de overdose ou de tanto beber como os grandes Rock Stars dos anos 60 e 70, e teve que apelar para um balaço de revólver.
Desde então o Rock deixou de ser a principal categoria de música do mundo e passou para a história. Estamos no mesmo nível do jazz, do blues, da música clássica e erudita. Sempre vai existir, mas será exclusividade de um pequeno grupo de entendidos, estudiosos e interessados. Ou seja, o Rock cumpriu a sua obrigação como um capítulo da história da cultura, agora deixemos que outras coisas tomem o seu lugar.
Essa constatação está em todos os lugares. Vejamos o último show do Deep Purple aqui em Porto Alegre. Foi tranqüilamente um dos cinco melhores shows de rock que já vi, mas foi um fracasso de público. Pete Thousand estava certo quando disse que “os jovens só nos querem ver uma vez”, porque é isso mesmo, é só para no futuro poder dizer aos seus filhos “eu vi um show do The Who”, ou “eu vi um show do Deep Purple”, é a mesma coisa. Pouca gente está lá pela música, a maioria vai pelo ícone que aqueles velhos representam. É algo como um souvenir intelectual que a juventude precisa ter para assegurar-se de que algum dia já foi jovem.
E aí mesmo é que está nossa decadência, a prova de nossa geração perdida, porque não temos nossos próprios ícones, não temos ninguém em quem confiar nossos sonhos, porque ninguém mais fala de sonhos de verdade, só dessa realidade insossa, sem graça e melancólica. O mal da nossa geração é que não temos futuro, ninguém nos dá uma luz de futuro. Este era o papel do Rock, até mesmo do Rock de Kurt Cobain, que dizia que o futuro é uma merda, mas pelo menos existia. Hoje parece que chegamos no máximo. Tudo o que pode acontecer é diminuir o tamanho do meu computador ou do toca discos, mas as estruturas estão dadas e nada vai mudá-las.
O nosso fracasso é que não temos nada a dizer. As pessoas têm se preocupado demais em criar um novo som, mas se esquecem de o som foi sempre o mesmo. A guitarra tem aquelas notas e era isso. A verdadeira questão está no sentimento e nas palavras. Nossa juventude não tem mais nada a dizer porque parece que tudo já foi experimentado, já foi dito e já foi vivido. Estamos aqui só de passagem, em busca de algum dinheiro e uma vida segura.
Eu, infelizmente, sigo sonhando e sigo rocker. Não que eu tenha escolhido, foi uma coisa que simplesmente aconteceu. Só espero que este não seja um sonho individual, que as pessoas ainda acreditem num mundo melhor. Não precisa ser através do Rock and Roll. Já estou conformado em tocar para mesas e cadeiras de um bar vazio a vida inteira, mas o sonho é o importante. Assim como aquela pichação, num muro qualquer, de uma cidade qualquer: “mais vale um sonho rocker do que essa realidade sem sentido”.