Uma resposta para perguntas (quase) filosóficas é impossível. E essa também não é idéia minha, mas cada vez me convenço mais da verdade dessa afirmação. O que existe é a possibilidade. Essa parece ser a fronteira que se apresenta nos dias de hoje. O grande problema: o mundo comprou a idéia de que não existem mais possibilidades. Estamos presos à nova idade média dos conceitos imutáveis. Democracia, por exemplo. Vai tu dizer que não acredita nessa democracia pra ver o que acontece. A nossa sociedade conseguiu subverter o conceito de democracia e o transformou no seu exato contrário: tirania. Nos deram a ilusão do voto e isso parece que basta. Nem sequer pensamos na estrutura porque nos convenceram de que temos a liberdade de escolher quem nos governa. A liberdade de ser escravo de um ou de outro patrão. Liberdade de ser governado não faz sentido nenhum. Liberdade de optar por não decidir porra nenhuma. Liberdade de passar a vida como espectadores da vida, preocupados em sobreviver e nada mais. Não conseguimos nem mesmo pensar em uma possibilidade, em uma alternativa ao sistema democrático. Estamos conformados com nossa mediocridade e enquanto isso o pessoal dos grandes escritórios, dos grandes palácios, tem toda a liberdade para arruinar nosso mundo. E o pior é que eles acreditam que isso seja tão bom quanto uma passeada no volante de uma Ferrari, quando a bunda durinha de uma prostituta de luxo, quanto se deliciar em banquetes, quanto viver em um condomínio fechado. Perto disso, a probabilidade de que o mundo seja extinto é um problema que não merece a menor atenção. Alguns milhões no banco anulam todo e qualquer peso na consciência pela destruição de mais alguns hectares de floresta. O preço dessa liberdade é baixíssimo: alguns salários, postos de trabalho, e nós também esquecemos completamente os problemas do mundo. Afinal estamos fazendo parte do progresso da nação. E assim nos iludem com outro conceito distorcido: progresso. Dia e noite recebemos a informação de especialista que nos garantem que progresso é a acumulação de riquezas. Alguém se pergunta qual é a vantagem do crescimento econômico do Brasil? Claro que não. É mais uma das coisas sacrossantas sobre as quais não se pode sequer pensar. O engraçado é que quando o ciclo de crescimento acabar e vier a crise, porque isso vai acontecer, quem acumulou a riqueza vai continuar rico, enquanto quem trabalhou para isso... bem, que se foda. E todo o progresso foi por água abaixo. Pra nós, que somos os escravos. E aí teremos eleições. E eles vão vir na televisão e vão nos dizer que temos que repetir tudo de novo se não quisermos morrer de fome. E vamos achar a democracia uma maravilha, porque podemos escolher quem nos trará o progresso. Enquanto isso a possibilidade não é sequer pensada. Porque no nosso mundo democracia e progresso são conceitos imutáveis. Mas a possibilidade existe. Então o que nos falta? Coragem? Raciocínio? Força? É, sim, essa era pra ser uma resposta ao texto sobre a identidade dos contrários. O que estou querendo dizer é que da tirania atual alguma alternativa tem que surgir. Como? Ah, meu amigo, isso eu não sei. Mas talvez seja um bom começo pensar nessas coisas.
Filosofia de bar, jornalismo de estrada e tudo o que existe de mais baixo em termos de letras
sexta-feira, junho 10, 2011
segunda-feira, junho 06, 2011
Identidade dos contrários
A idéia não é original, como quase todas as idéias. Talvez o fosse quando Eraclito a pensou há mais de 2,5 mil anos. A teoria é: “a identidade dos contrários”. É não a contraposição de calor e frio, doença e saúde, bem e mal, mas a idéia de que o calor só pode vir do frio, a doença da saúde, a luz da escuridão, e vice-versa. Ou seja, sem o frio, não saberíamos o que é calor, sem a saúde não saberíamos o que é doença, e assim por diante. Até aqui é muito simples, e quase obvio. Mas os problemas surgem quando aplicamos a regra a conceitos morais ou metafísicos. Por exemplo: o bem e o mal. Que um pode ser a forma de entender o outro, que seja seu ponto de referimento, se pode aceitar. Mas não podemos (ou não queremos) aceitar que do mal surja o bem, ou do bem o mal. Existe o “bem” em Si? Existe o “mal” em Si? Pensemos em Deus, como o representante do bem supremo. Como seria sem graça sua vida sem o Diabo, nosso representante do mal supremo! Mas até mesmo na Bíblia esses papéis são um pouco confusos. Ali está escrito que Deus nos deu seu mais valioso presente, a vida, e com essa um outro bem inestimável, a liberdade, o livre-arbítrio. O problema é que esse bem veio acompanhado de um mal de igual tamanho: a proibição do conhecimento. O Diabo tentou remediar essa terrível falha. Convenceu a mulher, sempre um ser muito mais inteligente que o homem, de que seria bom para eles que tivessem o conhecimento da situação (até porque o paraíso já estava ficando chato sem sexo). Esse bem que nos deu o Diabo, porém veio acompanhado de um mal eterno, ou seja, a expulsão do paraíso. Mas aí já é culpa de Deus, que era pra ser bom, mas não queria saber de nheco-nheco no seu quintal. Essa é uma bela paródia, mas não explica muita coisa. O ponto é, no nosso dia-a-dia, qual é a relação entre o bem e o mal? Que esses dois pólos vivem em luta constante dentro de nós é tão obvio que não precisa nem ser comentado. Cada um que olhe dentro de si mesmo. Mas pode o mal surgir do bem e o bem surgir do mal? Eu acredito que existe pelo menos um sentido no qual é possível que essa relação seja verdadeira. Podemos começar a pensar pela base, pela coisa mais simples. Na nossa vida acontece de cometermos boas ações ou ações maldosas, mesmo que sejam sem querer. Digo ações porque o bem e o mal só existem a partir do momento que se manifestam em forma de uma ação que podemos julgar como boa ou ruim. Digamos que eu vá visitar um amigo e “pegue emprestado”, sem ele saber, seu disco “High Voltage”, do AC/DC. Para todos os parâmetros possíveis essa é uma má ação, já que eu, em um impulso de maldade, privo meu amigo de escutar essa obra-prima do Rock’n’Roll. Digamos que uns dois dias depois nos encontramos no boteco e entre uma cerveja e outra o amigo comenta: “porra meu, roubaram meu disco ‘High Voltage’ do AC/DC”. Como sou amigo, devo admitir: “não roubaram, fui eu quem peguei sem pedir”. Caiu a casa, está feita a cagada. Mas dessa horrível situação, alguma coisa boa pode acontecer. Na pior das hipóteses o amigo fica tão puto da cara que exige o disco de volta e nunca mais fala comigo; nossa amizade está arruinada para sempre. Parece que do mal surgiu um mal ainda pior. Ou não? Bem, se afasto um pouco o olhar e vejo a situação como um todo, pode ser que de toda essa bruta história eu tenha aprendido que não se pode pegar coisas sem pedir de um amigo, com o risco de arruinar uma bela amizade. E esse aprendizado é, sem dúvida, um bem que adquiri e que será importante para todas as minhas ações futuras. Mas e do bem pode surgir o mal? Pensemos uma situação parecida, porém inversa. Meu amigo vem e me pede emprestado o disco “Too tough to die”, dos Ramones. Emprestar um disco dos Ramones é geralmente uma coisa que não se faz, mas como sou amigo e quero cumprir uma boa ação digo “sim, pode levar”. Digamos que este amigo já tenha a tendência de ser um pouco folgado. Com a minha boa ação ele pode se sentir no direito de pedir várias coisas emprestado, se é que me entendem, e vai se tornar ainda mais folgado. Com a minha boa ação eu fiz um mal para o meu amigo e para mim mesmo, que acabo ficando na constrangedora situação entre negar um favor a um amigo e me privar dos preciosos discos.
É, não ficou claro. Na real nem eu me convenci do meu próprio pensamento. O que mostra a verdade de que a identidade dos contrários é difícil em questões éticas. Para tentar esclarecer a questão, vamos a um exemplo extremo: matar uma pessoa. Para quem possui qualquer sentimento de humanidade, matar uma outra pessoa é considerado como um dos piores atos que podem ser cometidos. Mas imaginemos que eu fosse vivo lá por 1940 e por acaso tivesse a oportunidade de matar Adolf Hitler. As mesmas pessoas que defendem a maldade de matar uma pessoa defenderiam a minha atitude de ter matado o bigodinho. A justificativa (válida, por sinal) é de que assim eu teria evitado a morte de tantas outras pessoas. Agora vem a prova de que uma mesma atitude que começou como um mal e passou para um bem em um contexto específico pode voltar a ser um mal. Minha atitude arbitraria a respeito do assassinato de Hitler pode ser entendida como uma justificativa para matar todos aqueles que não concordam com a idéia da maioria, ou que cometem atos considerados como criminosos pela maioria (ou nem tanto assim). Esse pensamento pode estar na base do assassinato de Bin Laden, por exemplo, que podia muito bem ter sido preso e julgado. E assim acho que se pode ilustrar bem o princípio de dialética que surge de uma simples teoria como a identidade dos contrários. Ta, mas qual é a importância disso, já que não tem nada de novo em uma teoria formulada há mais de 2,5 mil anos? Bem, se me concedem alguns dias para refletir (obvio, no lugar mais adaptado à filosofia, o bar), posso tentar uma resposta.
quarta-feira, junho 01, 2011
Rock Gaúcho
Um dia eu vi a luz. Ela se chama Rock’n’Roll, mais especificamente Rock Gaúcho. A pergunta é: como nós, no sul de um mundo esquecido, conseguimos fazer algo tão incrível e fascinante como o Rock Gaúcho? Desde o meu primeiro disco, “Alívio Imediato”, dos Engenheiros do Hawaii, até hoje, 21 anos depois, milhares de quilômetros distante, ouvindo Charles Master a todo volume em uma terra de língua desconhecida; sim, é a minha grande paixão. Uma paixão simples e idiota, como todas as paixões. Mas por que é tão bom? Eu sei que por causa desses meus heróis juvenis serei sempre um guri. Posso preservar através de três acordes e frases bem colocadas toda a minha inocência, toda minha esperança, todos os meus medos, toda minha loucura inconseqüente. Por mais que os grandes nomes do Rock sejam sempre presentes e tenham todos sua importância, são esses conterrâneos que cravam sua mensagem no fundo do meu coração. Gente que, para ser curto e grosso como convém, acredita na parada. É o frio na espinha que dá quando se ouve um dos discursos apaixonados do Alemão Ronaldo sobre a vida Rocker; que me perdoe Paul Stanley, mas o nosso dinossauro é mais foda. É fazer um show numa garagem, olhar pro lado e ver Justino Vasconcelos empolgado com sua guitarra como se estivesse tocando de novo com o grande Bebeco Garcia (que Deus o tenha). É saber que quando tinha apenas 18 anos toquei em uma Jam session com Cocaine Blues Boy, que gravou os teclados para os Cascavelletes no disco “Rock’aUla”, e depois ouvir histórias malucas sobre noites desregradas entre os anos 80 e 90. É ouvir TNT a todo volume e dançar sozinho como nos primeiros dias, quando andava pelas ruas com cara de mau e a fitinha gravada no walkman. É me reunir com meu irmão e tocar todo nosso repertório de Rock Gaúcho com baixo e guitarra na cozinha de casa das 11 da noite até as 4 da manhã. E como é bom saber que será sempre assim, porque cada vez que boto um Garotos da Rua, um TNT, Cascavelletes, Bandaliera, Bixo da Seda, Engenheiros do Hawaii, Barata Oriental, Liverpool, Rosa Tattooada, Replicantes, De Falla (o velho De Falla), Graforréia Xilarmônica, Cidadão Quem, e até, por que não, Nenhum de Nós, alguma coisa especial acontece.