segunda-feira, junho 06, 2011

Identidade dos contrários

A idéia não é original, como quase todas as idéias. Talvez o fosse quando Eraclito a pensou há mais de 2,5 mil anos. A teoria é: “a identidade dos contrários”. É não a contraposição de calor e frio, doença e saúde, bem e mal, mas a idéia de que o calor só pode vir do frio, a doença da saúde, a luz da escuridão, e vice-versa. Ou seja, sem o frio, não saberíamos o que é calor, sem a saúde não saberíamos o que é doença, e assim por diante. Até aqui é muito simples, e quase obvio. Mas os problemas surgem quando aplicamos a regra a conceitos morais ou metafísicos. Por exemplo: o bem e o mal. Que um pode ser a forma de entender o outro, que seja seu ponto de referimento, se pode aceitar. Mas não podemos (ou não queremos) aceitar que do mal surja o bem, ou do bem o mal. Existe o “bem” em Si? Existe o “mal” em Si? Pensemos em Deus, como o representante do bem supremo. Como seria sem graça sua vida sem o Diabo, nosso representante do mal supremo! Mas até mesmo na Bíblia esses papéis são um pouco confusos. Ali está escrito que Deus nos deu seu mais valioso presente, a vida, e com essa um outro bem inestimável, a liberdade, o livre-arbítrio. O problema é que esse bem veio acompanhado de um mal de igual tamanho: a proibição do conhecimento. O Diabo tentou remediar essa terrível falha. Convenceu a mulher, sempre um ser muito mais inteligente que o homem, de que seria bom para eles que tivessem o conhecimento da situação (até porque o paraíso já estava ficando chato sem sexo). Esse bem que nos deu o Diabo, porém veio acompanhado de um mal eterno, ou seja, a expulsão do paraíso. Mas aí já é culpa de Deus, que era pra ser bom, mas não queria saber de nheco-nheco no seu quintal. Essa é uma bela paródia, mas não explica muita coisa. O ponto é, no nosso dia-a-dia, qual é a relação entre o bem e o mal? Que esses dois pólos vivem em luta constante dentro de nós é tão obvio que não precisa nem ser comentado. Cada um que olhe dentro de si mesmo. Mas pode o mal surgir do bem e o bem surgir do mal? Eu acredito que existe pelo menos um sentido no qual é possível que essa relação seja verdadeira. Podemos começar a pensar pela base, pela coisa mais simples. Na nossa vida acontece de cometermos boas ações ou ações maldosas, mesmo que sejam sem querer. Digo ações porque o bem e o mal só existem a partir do momento que se manifestam em forma de uma ação que podemos julgar como boa ou ruim. Digamos que eu vá visitar um amigo e “pegue emprestado”, sem ele saber, seu disco “High Voltage”, do AC/DC. Para todos os parâmetros possíveis essa é uma má ação, já que eu, em um impulso de maldade, privo meu amigo de escutar essa obra-prima do Rock’n’Roll. Digamos que uns dois dias depois nos encontramos no boteco e entre uma cerveja e outra o amigo comenta: “porra meu, roubaram meu disco ‘High Voltage’ do AC/DC”. Como sou amigo, devo admitir: “não roubaram, fui eu quem peguei sem pedir”. Caiu a casa, está feita a cagada. Mas dessa horrível situação, alguma coisa boa pode acontecer. Na pior das hipóteses o amigo fica tão puto da cara que exige o disco de volta e nunca mais fala comigo; nossa amizade está arruinada para sempre. Parece que do mal surgiu um mal ainda pior. Ou não? Bem, se afasto um pouco o olhar e vejo a situação como um todo, pode ser que de toda essa bruta história eu tenha aprendido que não se pode pegar coisas sem pedir de um amigo, com o risco de arruinar uma bela amizade. E esse aprendizado é, sem dúvida, um bem que adquiri e que será importante para todas as minhas ações futuras. Mas e do bem pode surgir o mal? Pensemos uma situação parecida, porém inversa. Meu amigo vem e me pede emprestado o disco “Too tough to die”, dos Ramones. Emprestar um disco dos Ramones é geralmente uma coisa que não se faz, mas como sou amigo e quero cumprir uma boa ação digo “sim, pode levar”. Digamos que este amigo já tenha a tendência de ser um pouco folgado. Com a minha boa ação ele pode se sentir no direito de pedir várias coisas emprestado, se é que me entendem, e vai se tornar ainda mais folgado. Com a minha boa ação eu fiz um mal para o meu amigo e para mim mesmo, que acabo ficando na constrangedora situação entre negar um favor a um amigo e me privar dos preciosos discos.

É, não ficou claro. Na real nem eu me convenci do meu próprio pensamento. O que mostra a verdade de que a identidade dos contrários é difícil em questões éticas. Para tentar esclarecer a questão, vamos a um exemplo extremo: matar uma pessoa. Para quem possui qualquer sentimento de humanidade, matar uma outra pessoa é considerado como um dos piores atos que podem ser cometidos. Mas imaginemos que eu fosse vivo lá por 1940 e por acaso tivesse a oportunidade de matar Adolf Hitler. As mesmas pessoas que defendem a maldade de matar uma pessoa defenderiam a minha atitude de ter matado o bigodinho. A justificativa (válida, por sinal) é de que assim eu teria evitado a morte de tantas outras pessoas. Agora vem a prova de que uma mesma atitude que começou como um mal e passou para um bem em um contexto específico pode voltar a ser um mal. Minha atitude arbitraria a respeito do assassinato de Hitler pode ser entendida como uma justificativa para matar todos aqueles que não concordam com a idéia da maioria, ou que cometem atos considerados como criminosos pela maioria (ou nem tanto assim). Esse pensamento pode estar na base do assassinato de Bin Laden, por exemplo, que podia muito bem ter sido preso e julgado. E assim acho que se pode ilustrar bem o princípio de dialética que surge de uma simples teoria como a identidade dos contrários. Ta, mas qual é a importância disso, já que não tem nada de novo em uma teoria formulada há mais de 2,5 mil anos? Bem, se me concedem alguns dias para refletir (obvio, no lugar mais adaptado à filosofia, o bar), posso tentar uma resposta.

Um comentário:

Nini disse...

Ahh meu amigo Muri, fala sério! Essa história de que de todo mal podemos tirar um bem, ou melhor, um aprendizado, é verdadeira mesmo, agora, quem foi que disse que Deus não queria nheco nheco no seu quintal? Como é que tu acha que ele iria colocar de volta no "mundão" as suas próprias criaturas pra evoluirem, conforme a "teoria da evolução" constante? Isso dá muito pano pra manga, a biblia tem muita historinha inventada pelo homem, e com certeza o significado da maçã não foi esse não, pois sem sexo não nasce ninguém! A procriação é de Deus, mas não a putaria, saca?! Acho que a gente tá precisando sentar num bar, como nos veeelhos tempos.... eu ia adorar! Se que o espiritismo explica muitas coisas que essas teorias estranhas não explicam, enfim, vale a estudada, tu ia te surpreender como já te disse uma vez ;)