domingo, agosto 28, 2011

Quem quer ser Jim Morrison?

Esses tempos o Casagrande (snif) disse que “o meu problema é que eu queria ser como o Jim Morrison”. É um belo de um problema, principalmente para quem não é Jim Morrison. O interessante é perceber o fascínio que uma figura como essa exerce sobre as pessoas. Por exemplo: o mendigão aqui da rua também queria ser Jim Morrison. Me disse uma vez que abandonou tudo “porque tu sabe, naquela época tinha o Jim Morrison e era difícil não enlouquecer”. Para o mendigo europeu Jim Morrison é quase como Raul Seixas para o mendigo brasileiro. É, quantas noites não ficamos eu e o bigode cantando Raulzito na frente do Bell’s... mas, o lance é que um pouco eu também queria ser Jim Morrison; e Raul Seixas. O problema é que essa é uma decisão que traz consigo uma série de dificuldades. A primeira delas é que nós (eu e os mendigos) não somos Rock Stars, apesar de toda a pinta. O lance é a grana. Mais ou menos Jim e Raul tinham sua grana garantida pelo simples fato de serem eles mesmos. E ninguém vai me dar dinheiro pelo simples fato de eu ser eu mesmo, pelo menos não até que eu vire um Rock Star, o que está cada vez mais distante de se tornar realidade (mesmo que alguma esperança eu ainda tenha). Esse é outro problema: com grandes ídolos como esses fica difícil fazer alguma coisa por si mesmo. Afinal, tem sempre Jim Morrison e Raul Seixas ali na estante para te mostrar que por mais que tu tente, nunca poderá alcançar o que foi feito por eles. Mas a gente se esforça. E no fim, o mundigão é muito Jim Morrison, ou Raul. No sentido de que abandonar tudo é uma decisão muito rocker. Eu, por mais que diga, que faça e aconteça, não tenho coragem de largar tudo. E pensar que poderia muito bem viver sentado num banco de praça bêbado 24 horas por dia sem fazer absolutamente nada. Parece quase um sonho. Mas não tenho coragem. Tenho que confessa rminha impotência em relação a quebrar certas regras da sociedade. Menos mal que ainda temos os mendigos para nos mostrarem que é possível quebrar todas as regras e seguir vivendo. Uma vida difícil, claro, mas quem é que tem a vida fácil? Talvez nem Jim Morrison e Raul Seixas tenham tido uma vida fácil. Bem mais fácil que a nossa, com certeza, mas algum problema tinha, caso contrário não buscariam com tanta intensidade a morte. A última barreira. Certo, de alguma forma eles tinham que conscientemente quebrar essa última barreira. Quem não está disposto a ir até o fim, vira alguém tipo o Casagrande, que dá moral de cueca na TV. Eu sou da parte do mendigão que vai beber até morrer. Esse é Jim Morrison.

sexta-feira, agosto 26, 2011

Calcio italiano


Só porque o Danizão pediu vou falar de futebol. Normalmente não toco em assuntos futebolísticos e o motivo é óbvio: só assisto aos jogos do meu Internacional. Aqui conheço até os nomes dos jogadores das categorias de base, mais ou menos como meu pai, que assistia os jogos dos juvenis para já saber quem ia ser o próximo craque. Mas fora dos portões do Complexo Beira Rio não conheço absolutamente nada. A prova disso é que quando olho os jogos da Seleção, não faço a menor idéia de quem são metade dos jogadores, muito menos onde eles jogam.

Porém, nesse último ano ficou, digamos, um pouco difícil dar uma banda pela Padre Cacique e chegar até o Gigante. O problema são os 10 mil quilômetros de distância e o preço da passagem aérea. Então, esse texto é sobre outro time, não tão glorioso, quase como um irmão gêmeo (também fundado em 1909), mas com um carisma que reflete o espírito da cidade – trata-se do Bologna Football Club, ou para os mais chegados, o Rossoblú das Duas Torres.

Começamos pela torcida, que é o patrimônio mais importante de qualquer clube que se preze. E aqui estamos lidando com o que pode ser considerada uma bela reunião de bêbados simpáticos que se encontram atrás do gol e cantam o tempo todo. Os esquema das torcidas é quase como no Brasil, já que o ingresso na “curva”, como dizem os italianos, é mais barato. O quente aqui no estádio Renato Dall’Ara é a curva Bulgarelli. Quente em dois sentidos: porque é onde fica o grosso da torcida e porque é onde bate o sol, o que é ótimo em um dia de, digamos, 5 graus. Foi justamente para lá que nós fomos, eu e a Mirela (o bom do time é que é vermelho e azul, assim podemos torcer juntos) para assistir Bologna X Cagliari pelo campeonato italiano.

A ida pro estádio foi bem no estilo brasileiro, de bar em bar já pra chegar pronto. Depois que compramos o ingresso, personalizado, com nome e tudo, fomos para a região da curva e paramos para olhar o movimento. Como todos os maiores de 15 anos seguravam um copo de bira pressupomos que não podia beber dentro do estádio e fizemos mais umas rodadas ali fora. Quando sentimos que precisávamos sentar um pouco resolvemos entrar: segurança, roleta, segurança, outro que confere o ingresso com a identidade, outro que pega o ingresso, outro segurança e sim, estamos dentro. E qual não é a nossa surpresa que os mesmos bêbados que estavam fora estão todos belos e felizes com seu copo na mão. Sim, na Itália eles vendem bira no estádio. Pelo mesmo preço de fora. O que me leva a pensar de onde foi que tiraram que o problema da violência nos estádios brasileiros tinha como causa o álcool.

Depois de nos acostumarmos com o panorama do belo estádio, começamos a cantar junto com a “tifoseria” qualquer coisa como “fino alla fine, forza Bologna”, e coisas do gênero. Dentre todas as faixas e bandeiras com as tradicionais folhas de maconha, fotos do Che Guevara e escritos que não se entende, uma chamou a atenção porque dizia “bevo per dimenticare”. E o que é o futebol senão um bom motivo para encontrar os amigos, tomar uma cerveja e esquecer dos verdadeiros problemas da vida? Claro que falo isso quando não se trata do Glorioso Sport Club Internacional, que não é um clube de futebol, mas uma religião.

Ah, sim, o jogo. Só tenho a dizer que o Campeonato Italiano é um Gauchão de luxo. Com certeza já vi até o Juventude do meu amigo Dani jogar melhor do que Bologna e Cagliari. Chega a dar pena. O lance é que aqui existem três bons times Inter, Milan e Juventus, com um segundo escalão formado por Roma, Nápoli e, forçando a barra, Palermo e Lazio. O resto é chutão pra área e vamo vê o que acontece. Mas na real, quem se importa com o jogo? Bem, só para constar, na ocasião o resultado foi 2 a 2, sendo que o Bologna empatou no último minuto. Assim, saímos todos felizes e ainda tomamos mais uma rodadinha para comemorar.

domingo, agosto 21, 2011

Ninguém é racista, ninguém é machista, ninguém é...

O cara que é paranóico pode ver um mundo racista, xenófobo e machista em quase tudo. Aqui na Europa, então, a missão é facilitada por milênios de guerras e ódio recíproco entre povos, desde os mais vizinhos aos mais distantes. A história desse continente é quase a história do ódio e da tentativa de superar os outros pela força. Talvez por isso as pessoas insistam, ainda hoje, em dividir tudo por raça, por nação, por etnia, qualquer coisa, desde que seja uma divisão. Já o machismo, bem, essa é uma história mundial, também de exploração através da força. Vamos aos fatos.

E começamos próprio pela história da dominação de um sexo pelo outro. A mulher durante toda a história foi condenada ao trabalho e à administração do núcleo fundamental da sociedade. Mesmo assim, alguns homens ainda insistem em considerá-las seres fúteis, mais preocupados com sua própria beleza do que com os problemas importantes do mundo. Entre esses homens estão os administradores da fábrica de complementos alimentares ESI. Eles têm um produto que se chama “Multi Complex”, com vitaminas e sais minerais. O produto vem em dois formatos, homem e mulher, com exatamente a mesma fórmula exceto por dois componentes. No feminino colocaram colágeno “proteína para os tecidos” e queratina “componente fundamental dos cabelos e unhas”, e acrescentam: “sensíveis ao calor, detergentes e substâncias químicas, é necessário um justo complemento de queratina para manter cabelos e unhas em condições ótimas”. Já o produto masculino tem coenzima Q10 “para promover a energia celular” e Ginseng “que age favorecendo a memória, a concentração e o bem-estar do organismo”. Precisa comentar? Para nossas escravas que trabalham no calor, com detergentes e substâncias químicas, queratina para as unhas ficarem belas; para os homens que comandam o mundo dentro de escritórios, coenzima a ginseng para favorecer a memória e a concentração.

Mas ninguém diz que é machista, assim como ninguém é racista. Deus o livre falar para um italiano que ele é racista. Em um restaurante, por exemplo, existem vários níveis de trabalho. O pior é o lavador de pratos, o segundo pior o carregador de pratos, depois vem a cozinha e o trabalho de sala. Onde eu trabalho, por exemplo, os lavadores de pratos são quatro: um do Sri Lanka, dois do Paquistão e um do Bangladesh. Os carregadores de pratos são três: um da Rússia, um das Filipinas e este brasileirão. Na cozinha, deus o livre, só italianos, assim como na sala. Mas ninguém é racista. E os italianos reclamam da crise, os jovens não acham emprego. A culpa, óbvio, é dos imigrantes, que além de roubar os empregos ainda diminuem os salários porque aceitam receber qualquer coisa. O problema é que nenhum italiano quer lavar pratos, ou carregar caixas, e os salários são definidos pelos sindicatos (sempre só de italianos) em um mínimo nacional por categoria. Mas a culpa é dos imigrantes.

Isso é quase uma coisa nova para um brasileiro. Por mais que exista racismo no Brasil, e não podemos fechar os olhos para isso, somos todos brasileiros. Ninguém te pergunta as tuas raízes, se tua família é européia, asiática, latinomericana ou africana. Somos todos brasileiros, e isso não podemos perder de jeito nenhum. O nosso problema é um outro, um outro tipo de racismo: o racismo do rico contra o pobre; o que não é em nada diferente do racismo de raça. No nosso país o dinheiro cria uma barreira quase intransponível, a não ser pela entrada de serviço.

Mas, peraí! Os ricos brasileiros não são todos brancos e europeus? Sim, mas o que estou querendo dizer? É claro que ninguém aqui é racista, ninguém é machista, ninguém é...