O cara que é paranóico pode ver um mundo racista, xenófobo e machista em quase tudo. Aqui na Europa, então, a missão é facilitada por milênios de guerras e ódio recíproco entre povos, desde os mais vizinhos aos mais distantes. A história desse continente é quase a história do ódio e da tentativa de superar os outros pela força. Talvez por isso as pessoas insistam, ainda hoje, em dividir tudo por raça, por nação, por etnia, qualquer coisa, desde que seja uma divisão. Já o machismo, bem, essa é uma história mundial, também de exploração através da força. Vamos aos fatos.
E começamos próprio pela história da dominação de um sexo pelo outro. A mulher durante toda a história foi condenada ao trabalho e à administração do núcleo fundamental da sociedade. Mesmo assim, alguns homens ainda insistem em considerá-las seres fúteis, mais preocupados com sua própria beleza do que com os problemas importantes do mundo. Entre esses homens estão os administradores da fábrica de complementos alimentares ESI. Eles têm um produto que se chama “Multi Complex”, com vitaminas e sais minerais. O produto vem em dois formatos, homem e mulher, com exatamente a mesma fórmula exceto por dois componentes. No feminino colocaram colágeno “proteína para os tecidos” e queratina “componente fundamental dos cabelos e unhas”, e acrescentam: “sensíveis ao calor, detergentes e substâncias químicas, é necessário um justo complemento de queratina para manter cabelos e unhas em condições ótimas”. Já o produto masculino tem coenzima Q10 “para promover a energia celular” e Ginseng “que age favorecendo a memória, a concentração e o bem-estar do organismo”. Precisa comentar? Para nossas escravas que trabalham no calor, com detergentes e substâncias químicas, queratina para as unhas ficarem belas; para os homens que comandam o mundo dentro de escritórios, coenzima a ginseng para favorecer a memória e a concentração.
Mas ninguém diz que é machista, assim como ninguém é racista. Deus o livre falar para um italiano que ele é racista. Em um restaurante, por exemplo, existem vários níveis de trabalho. O pior é o lavador de pratos, o segundo pior o carregador de pratos, depois vem a cozinha e o trabalho de sala. Onde eu trabalho, por exemplo, os lavadores de pratos são quatro: um do Sri Lanka, dois do Paquistão e um do Bangladesh. Os carregadores de pratos são três: um da Rússia, um das Filipinas e este brasileirão. Na cozinha, deus o livre, só italianos, assim como na sala. Mas ninguém é racista. E os italianos reclamam da crise, os jovens não acham emprego. A culpa, óbvio, é dos imigrantes, que além de roubar os empregos ainda diminuem os salários porque aceitam receber qualquer coisa. O problema é que nenhum italiano quer lavar pratos, ou carregar caixas, e os salários são definidos pelos sindicatos (sempre só de italianos) em um mínimo nacional por categoria. Mas a culpa é dos imigrantes.
Isso é quase uma coisa nova para um brasileiro. Por mais que exista racismo no Brasil, e não podemos fechar os olhos para isso, somos todos brasileiros. Ninguém te pergunta as tuas raízes, se tua família é européia, asiática, latinomericana ou africana. Somos todos brasileiros, e isso não podemos perder de jeito nenhum. O nosso problema é um outro, um outro tipo de racismo: o racismo do rico contra o pobre; o que não é em nada diferente do racismo de raça. No nosso país o dinheiro cria uma barreira quase intransponível, a não ser pela entrada de serviço.
Mas, peraí! Os ricos brasileiros não são todos brancos e europeus? Sim, mas o que estou querendo dizer? É claro que ninguém aqui é racista, ninguém é machista, ninguém é...
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