Meio atrasado mas vale. É a minha visão do que aconteceu no dia máximo da nossa "grandiosa" Pátria.
Dia de povo nas ruas, pipocas, cachorro quente e passe livre. O “sempre chove” não se confirma este ano; exceção para a regra. O sol que nasceu tímido detrás das nuvens começa a aquecer as calçadas neste fim do inverno. A cidade se prepara para os desfiles.
Na Perimetral os milicos já têm tudo organizado. Palanque para as autoridades e fita de contenção para os normais. Cavalaria, uniformes, banda, bandeiras e ordem. “Um, dois...”, o locutor testa seu microfone. Caixas de som amplificam sua voz por todos os quilômetros da avenida. Duplas de policiais guardam as esquinas da redondeza. Caras fechadas e muita compenetração para que não saia nada errado.
Em frente à Prefeitura outro espetáculo começa a tomar forma. São pequenos grupos de jovens que conversam a boca pequena. Cartazes, faixas, Che Guevara, violões e bandeiras. Ônibus chegam carregados de camisas vermelhas. São os movimentos sociais em ação: sem terra, sem casa, sem comida, sem educação, sem segurança. Eles e mais alguns curiosos do sem nada o que fazer.
Os alto-falantes anunciam: “5º Regimento de infantaria, 1º Batalhão,”. Pan, pan, pan... as botas encontram violentamente o asfalto. O efeito é aterrador. Crianças olham boquiabertas, sem conseguir sequer respirar. Alguns adultos balançam seu pavilhão nacional, orgulhosos do País. Em frente ao palanque os soldados batem continência ao Governador. Depois de um breve instante voltam-se com seus olhos pregados no infinito a marchar em meio à população.
Enquanto os músicos sobem no carro-palco-palanque, uma senhora de voz esganiçada conclama os presentes. A esta hora os grupos já são uma pequena multidão. Novas faixas são abertas, bandeiras são desfraldadas e siglas aparem. “Caminhando e cantando e seguindo a canção...” como um hino ainda embala as passeatas. E a letra fácil escorrega das bocas em uníssono. Todos cantam, muitos dançam e nos olhos parece brotar uma esperança genuína de alguma coisa qualquer.
Jovens sobem em canteiros, em ombros, em árvores. Dos prédios a cada pouco chove papel picado. Armas lustrosas encantam a todos pelo movimento dos oficiais. Jatos da Força Aérea sobrevoam o desfile com seu barulho ensurdecedor. Nos bastidores um exército de panfleteadores contribuem com o emprego dos garis. Todos os políticos candidatos estão ali, nos cartazes, nos folhetos e na lapela dos mais empolgados.
Das janelas dos apartamentos surgem cabeças desconfiadas que acompanham a serpente humana pela avenida. Dos gritos de guerra distingue-se pouca coisa. “Fora corruptos, fora FMI, fora Estados Unidos; mais terra, mais oportunidades, mais educação” De longe tudo parece uma grande festa, bastante colorida e animada. Dez policiais e duas viaturas guiam o povo pelas ruas do Centro.
Finalmente vem a cavalaria. Animais lustrosos e fardas engomadas reluzem sob o sol. Lanças e bandeiras de regimento dançam sobre as cabeças. A banda toca e as ferraduras acompanham seu ritmo com um barulho ensurdecedor. A demonstração de grandeza arranca aplausos e vivas da população. Retiram-se as fitas e o formigueiro se espalha desviando das bostas rumo aos parques e às casas.
Logo depois chega a marcha. Gritos para o palanque já vazio. Os tênis e as havaianas desfilam para ninguém. Pisoteiam o lixo e também desviam as bostas.
No ar a estranha sensação de que o povo e os políticos assistiram ao desfile errado.
Filosofia de bar, jornalismo de estrada e tudo o que existe de mais baixo em termos de letras
terça-feira, setembro 19, 2006
quinta-feira, setembro 14, 2006
Vergonha
É fato: eu sinto vergonha. Menos mal, pois muitos sentem ódio, nojo, desprezo......
Era meia noite e eu, cansado dessas velhas paredes, resolvi dar uma volta. Só tem um cigarro que me dá mais satisfação do que o de após as refeições: aquele que compartilho com o vento frio da madrugada. E realmente naquela noite o Minuano não se fazia de rogado. Cortava roupas e a pele, feria o rosto e maltratava as articulações.
Boa solidão esta da madrugada. Nenhum carro, nenhuma gente. Apenas alguns poucos pensamentos que vazam das luzes ainda acesas nos apartamentos. Nada de cachorros, nada pombas, uns poucos ratos e sempre as mesmas baratas. São as ruas pequenas que fazem as grandes cidades, que escondem essa magia invisível, prestes a desabar. Os postes deixam tudo meio amarelo e as sombras guardam bem suas portas. Uma vida por trás de cada detalhe. Novas cidades só serão grandes quando tiverem história, casas antigas e ruas aconchegantes.
Mas logo adiante encontrei a avenida. Branca, insípida, morta, porque respira tudo o que pode durante o dia. Grades e cortinas de ferro protegem seus pequenos tesouros. Mas mesmo aqui, nada de cachorros, nada de pombas, um pouco mais de ratos e as mesmas baratas. Sim, também tem aquilo que a muito custo ainda é gente. Velhos bastante fortes para o álcool dormem sob as marquises. Amontoam-se no mesmo colchão de espuma, desmaiados e aquecidos pela iminência da morte. Estão ali, jogados, e despertam fácil um sentimento de repulsa e compaixão. Em meio às rugas seus olhos clamam por alguma coisa qualquer. São o povo do “não”: moedinha, “não”: uma comida, “não”: um sorriso que seja. Povo da agonia lenta e de mão única para o fim. Enquanto isso bebem e dormem, e acordam para beber e dormir.
E são também crianças, que colocam medo nos mais velhos e teorias nos palanques. Perderam tudo o que diz respeito à infância. Falam como adultos, brincam como adultos. Crianças que vagam como zumbis, com seus panos na boca e suas garrafas químicas nos bolsos. Não têm pais, são frutos da sociedade. Não têm escola nem casa, apenas um lugar reservado nos presídios e necrotérios.
Que vergonha senti do meu cigarro, do meu prazer em sair para a rua. Que vergonha senti da minha comida, das minhas roupas. Que vergonha senti da minha carteira, da minha civilização, do meu emprego, das minhas preocupações e alegrias idiotas. Que vergonha...
Era meia noite e eu, cansado dessas velhas paredes, resolvi dar uma volta. Só tem um cigarro que me dá mais satisfação do que o de após as refeições: aquele que compartilho com o vento frio da madrugada. E realmente naquela noite o Minuano não se fazia de rogado. Cortava roupas e a pele, feria o rosto e maltratava as articulações.
Boa solidão esta da madrugada. Nenhum carro, nenhuma gente. Apenas alguns poucos pensamentos que vazam das luzes ainda acesas nos apartamentos. Nada de cachorros, nada pombas, uns poucos ratos e sempre as mesmas baratas. São as ruas pequenas que fazem as grandes cidades, que escondem essa magia invisível, prestes a desabar. Os postes deixam tudo meio amarelo e as sombras guardam bem suas portas. Uma vida por trás de cada detalhe. Novas cidades só serão grandes quando tiverem história, casas antigas e ruas aconchegantes.
Mas logo adiante encontrei a avenida. Branca, insípida, morta, porque respira tudo o que pode durante o dia. Grades e cortinas de ferro protegem seus pequenos tesouros. Mas mesmo aqui, nada de cachorros, nada de pombas, um pouco mais de ratos e as mesmas baratas. Sim, também tem aquilo que a muito custo ainda é gente. Velhos bastante fortes para o álcool dormem sob as marquises. Amontoam-se no mesmo colchão de espuma, desmaiados e aquecidos pela iminência da morte. Estão ali, jogados, e despertam fácil um sentimento de repulsa e compaixão. Em meio às rugas seus olhos clamam por alguma coisa qualquer. São o povo do “não”: moedinha, “não”: uma comida, “não”: um sorriso que seja. Povo da agonia lenta e de mão única para o fim. Enquanto isso bebem e dormem, e acordam para beber e dormir.
E são também crianças, que colocam medo nos mais velhos e teorias nos palanques. Perderam tudo o que diz respeito à infância. Falam como adultos, brincam como adultos. Crianças que vagam como zumbis, com seus panos na boca e suas garrafas químicas nos bolsos. Não têm pais, são frutos da sociedade. Não têm escola nem casa, apenas um lugar reservado nos presídios e necrotérios.
Que vergonha senti do meu cigarro, do meu prazer em sair para a rua. Que vergonha senti da minha comida, das minhas roupas. Que vergonha senti da minha carteira, da minha civilização, do meu emprego, das minhas preocupações e alegrias idiotas. Que vergonha...
segunda-feira, setembro 11, 2006
Telefone
Este foi, provavelmente, o primeiro conto que escrevi. Só o coloco aqui porque tenho um carinho especial por ele. Esta é a vida a qual nos acostumamos: noites de deriva pelos butecos.
Uma e meia da manhã agora. Andava, sentindo a angústia das quatro paredes de sua jaula. Nada mais que a televisão ou o computador pudessem fazer. Seu cérebro já estava derretido, como o plástico da carteira de cigarros na latinha ardente de álcool. Nem Jimi Hendrix, nem Che Guevara, nem John Lennon, nenhum dos pendurados olhava em seu rosto, ninguém olhava. O telefone quieto, mudo. Os vizinhos não faziam sexo, não usavam drogas. Os discos, arranhados, tão cansados quanto os ouvidos. E frio. E sem cerveja. Acendeu um cigarro antes de ir. Sempre prolongando a dor diminuindo a vida. Mas quem liga?, seremos velhos mesmo.
No corredor do prédio, hospital. Portas de acesso a outras dimensões, mundos paralelos, as portas da percepção da vida real. Triste. O elevador, elevador de merda, trouxe um casal de baratas mortas e um preservativo usado. Pelo menos morreram felizes; e riu sozinho. Oito andares, como demora, porque não cai esta merda, elevador de merda. Luz amarela, suja, espelho rachado, cara rachada, suja da barba, do óleo, da fumaça.
O porteiro da noite olha assustado. Não entende por que, já devia ter se acostumado. Ou existe a esperança que ele não apareça? Do porteiro só lhe incomodava o mate, representação da cartilha dos porteiros:
- Segunda-feira: chimarrão, jornal de domingo, soneca das 2h às 4h.
- Terça-feira: chimarrão, revista Veja, soneca das 2h às 4h.
- Quarta-feira: café, rádio, soneca das 3h às 4h.
- Quinta-feira: chimarrão e café, jornal, revista, rádio, sem soneca.
- Sexta-feira: nada, movimento.
Sempre se complica para abrir o portão do prédio, e o porteiro, tomado de amnésia, deve ser o chimarrão, sempre espera para lhe abrir. A rua, o ar gelado lhe parece mais puro, triste e puro. Acende outro cigarro. Agora só tem mais três, precisa se controlar. Não sente mais os dedos, não tem luvas. Não gosta de luvas, gosta de não sentir os dedos.
Anda, olha e anda. Tudo deserto. Nem cachorros nem táxis, só plantas de vivo acenam pelo vento gelado do Guaíba. Anda, lixo e fezes. Humanas ou caninas não importa, dá tudo na mesma, somos todos iguais, eles menos estúpidos. Mendigo dormindo na calçada, pena por quê? Ele que vá ser mendigo num lugar mais quente, pior que isso não fica.
Objetivo: bar. Bar, restaurante, lancheria, não sabia do que chamar a espelunca engordurada da esquina. Do balcão pegajoso pede sua cerveja. Tudo é pegajoso ali, as prostitutas, o cat-chup, o guardanapo, tudo. Outro casal de baratas cruza a parede à sua frente; será que estas usam camisinha? O gordo vira o hamburger na chapa com os olhos fixos na tela. Todos têm os olhos fixos na tela, bendita tela. No fundo do balcão um sorriso de cinco dentes devora seu X Salada. Esta é a sua tela. Que bizarrice, ela nem percebe, mais uma cerveja. Sua tela acaba o lanche e vai embora, perdeu a graça, ele também vai.
Para onde agora, Bom fim? Segunda não abre o João. Cidade Baixa. A praça também deserta, ninguém se anima a fumar maconha nesse frio, ninguém se anima, a nada. Na zona três carros, sempre três carros. Cerveja de cinco, mulheres de setenta, tudo tem preço. Anda mais, mais uma esquina. Posto de gasolina, aberto, tudo tem preço. Perimetral vazia, igreja fechada, sempre fechada. Atrás do muro só o out-door da Coca-Cola, sempre feliz, sempre aceso, sempre Coca-Cola.
Chega então à Lima e Silva, melancólica de segunda, ressacada do fim de semana. Aqui sim sempre os mesmos, hippies do incenso, vagabundos, alcoólatras, vagabundos alcoólatras, mulheres sedentas, universitários, toda a escória. Nada melhor que rir de seus iguais para esquecer de si mesmo. O chato do violão não desiste nunca. Mesmo assim ele entra, mais um bar, hesita, cerveja, uísque....... cerveja. Senta. Acende um cigarro, agora só restam dois. As conversas das mesas já teve todas. As solidões do balcão já teve todas. Os porres, as risadas, a politicagem, são sempre os mesmos, mudam as vozes.
Maldito seja quem botou o primeiro vilão na mão desse idiota; muda de bar. Mesas vazias, pequenos grupos. Um uísque agora, Natu. Fôda-se; mais um cigarro também, agora só falta um. Um, dois goles, mais um uísque, mais um Natu.
Resolve caminhar um pouco, vagando na sensação de mais uma noite perdida, um pedaço da vida que se escorre. Brinca com o último cigarro da carteira, amanhã é outro dia, sem dinheiro, pior sem cigarros.
Sem querer está em casa. Três e meia agora, hora da soneca. Maldito elevador, elevador de merda. Abre a porta e deita, de roupa, de tênis. Olha as infiltrações que descascam o teto.
Se ela ligasse nada disso teria acontecido.
No corredor do prédio, hospital. Portas de acesso a outras dimensões, mundos paralelos, as portas da percepção da vida real. Triste. O elevador, elevador de merda, trouxe um casal de baratas mortas e um preservativo usado. Pelo menos morreram felizes; e riu sozinho. Oito andares, como demora, porque não cai esta merda, elevador de merda. Luz amarela, suja, espelho rachado, cara rachada, suja da barba, do óleo, da fumaça.
O porteiro da noite olha assustado. Não entende por que, já devia ter se acostumado. Ou existe a esperança que ele não apareça? Do porteiro só lhe incomodava o mate, representação da cartilha dos porteiros:
- Segunda-feira: chimarrão, jornal de domingo, soneca das 2h às 4h.
- Terça-feira: chimarrão, revista Veja, soneca das 2h às 4h.
- Quarta-feira: café, rádio, soneca das 3h às 4h.
- Quinta-feira: chimarrão e café, jornal, revista, rádio, sem soneca.
- Sexta-feira: nada, movimento.
Sempre se complica para abrir o portão do prédio, e o porteiro, tomado de amnésia, deve ser o chimarrão, sempre espera para lhe abrir. A rua, o ar gelado lhe parece mais puro, triste e puro. Acende outro cigarro. Agora só tem mais três, precisa se controlar. Não sente mais os dedos, não tem luvas. Não gosta de luvas, gosta de não sentir os dedos.
Anda, olha e anda. Tudo deserto. Nem cachorros nem táxis, só plantas de vivo acenam pelo vento gelado do Guaíba. Anda, lixo e fezes. Humanas ou caninas não importa, dá tudo na mesma, somos todos iguais, eles menos estúpidos. Mendigo dormindo na calçada, pena por quê? Ele que vá ser mendigo num lugar mais quente, pior que isso não fica.
Objetivo: bar. Bar, restaurante, lancheria, não sabia do que chamar a espelunca engordurada da esquina. Do balcão pegajoso pede sua cerveja. Tudo é pegajoso ali, as prostitutas, o cat-chup, o guardanapo, tudo. Outro casal de baratas cruza a parede à sua frente; será que estas usam camisinha? O gordo vira o hamburger na chapa com os olhos fixos na tela. Todos têm os olhos fixos na tela, bendita tela. No fundo do balcão um sorriso de cinco dentes devora seu X Salada. Esta é a sua tela. Que bizarrice, ela nem percebe, mais uma cerveja. Sua tela acaba o lanche e vai embora, perdeu a graça, ele também vai.
Para onde agora, Bom fim? Segunda não abre o João. Cidade Baixa. A praça também deserta, ninguém se anima a fumar maconha nesse frio, ninguém se anima, a nada. Na zona três carros, sempre três carros. Cerveja de cinco, mulheres de setenta, tudo tem preço. Anda mais, mais uma esquina. Posto de gasolina, aberto, tudo tem preço. Perimetral vazia, igreja fechada, sempre fechada. Atrás do muro só o out-door da Coca-Cola, sempre feliz, sempre aceso, sempre Coca-Cola.
Chega então à Lima e Silva, melancólica de segunda, ressacada do fim de semana. Aqui sim sempre os mesmos, hippies do incenso, vagabundos, alcoólatras, vagabundos alcoólatras, mulheres sedentas, universitários, toda a escória. Nada melhor que rir de seus iguais para esquecer de si mesmo. O chato do violão não desiste nunca. Mesmo assim ele entra, mais um bar, hesita, cerveja, uísque....... cerveja. Senta. Acende um cigarro, agora só restam dois. As conversas das mesas já teve todas. As solidões do balcão já teve todas. Os porres, as risadas, a politicagem, são sempre os mesmos, mudam as vozes.
Maldito seja quem botou o primeiro vilão na mão desse idiota; muda de bar. Mesas vazias, pequenos grupos. Um uísque agora, Natu. Fôda-se; mais um cigarro também, agora só falta um. Um, dois goles, mais um uísque, mais um Natu.
Resolve caminhar um pouco, vagando na sensação de mais uma noite perdida, um pedaço da vida que se escorre. Brinca com o último cigarro da carteira, amanhã é outro dia, sem dinheiro, pior sem cigarros.
Sem querer está em casa. Três e meia agora, hora da soneca. Maldito elevador, elevador de merda. Abre a porta e deita, de roupa, de tênis. Olha as infiltrações que descascam o teto.
Se ela ligasse nada disso teria acontecido.
quinta-feira, setembro 07, 2006
Então tá
Pois bem, não foram poucas as pessoas que deram a dica de fazer um blog. Como eu cansei dessa apurrinhação, aí está. Este primeiro texto é só para dar o tom do que vai ser publicado aqui: as ruas, os bares, a noite, o underground, o Rock and Roll e suas personagens. Como eu sei que serão poucos os leitores, não me preocupo em agradar ninguém. Só espero que você que está lendo tenha pelo menos um momento de prazer ou de reflexão. Ah, e não pensem que sou uma máquina de escrever, é muito provável que esta merda fique dias sem ser modificada. Bueno, era isso que eu queria dizer.
"ROCK É ROCK MESMO!"
"ROCK É ROCK MESMO!"
Domingo Cinza em Porto Alegre
Domingo cinza em Porto Alegre. Dia de casacos e mãos nos bolsos. Um dia de silêncio. Como são apenas 4h da tarde até mesmo a rodoviária parece quieta. Os ônibus do interior chegam carregados com a noite. Uma multidão de carros laranja aguarda trabalhadores, universitários e alguns poucos turistas. Nos bares os garçons limpam sujeiras imaginárias nas mesas e sentam-se para assistir um pouco de futebol. Na saída uma banca de frutas. Neste momento os cartazes “não mexa” e “não aperte” não falam a ninguém. Nas paradas de ônibus e na passarela nada de gritos e bugigangas. Isqueiros, lanternas, colares, máquinas de cortar cabelo, relógios e vales transporte estão em algum lugar da periferia, descansando, porque amanhã é segunda e todos voltam para as calçadas.
Grandes hotéis disputam lugar com grandes estacionamentos. De todas as alternativas para entrar na cidade a Rua Garibaldi parece a menos atraente. Na primeira quadra dois grandes muros e um hotel com cara de abandonado. Ao atravessar a Rua Voluntários da Pátria, no entanto, um novo mundo.
Na calçada da direita, pequenos cortiços de três andares disfarçam-se de moradia. As pinturas rosa e verde estão pálidas e descascadas. Roupas e cobertores são pendurados nas sacadas. Bandeiras do Brasil, esquecidas desde a Copa do Mundo, também estão ali. Algumas das escadas que levam aos apartamentos têm na sua entrada placas quase ilegíveis: “HOTEL”. Os térreos dão lugar a bares escuros, sujos e enfumaçados, invariavelmente adornados por uma mesa de sinuca, cadeiras de ferro, e rostos sombrios que controlam o movimento da calçada. Toda a atenção está voltada às senhoritas que circulam dez passos a sul, dez a norte, em busca de alguém disposto a alugar um pouco de seu tempo. São as prostitutas de rua, incansáveis em sua jornada, até mesmo num domingo como esse. Seus rostos não demonstram emoção nenhuma. Muita maquiagem para esconder as marcas do vento frio, da idade, da humilhação. Sob as mini-saias as pernas só não estão totalmente expostas por causa das botas de cano longo e das meias-calça. Algumas usam jaqueta, outras blusão de lã. São em torno de dez neste momento, e mesmo assim capazes de satisfazer todos os gostos. Altas, baixas, gordas, magras, loiras, morenas, ruivas. Pela quantia de R$ 20 o cliente pode desfrutar os prazeres do “sexo anal e vaginal, com direito a duas gozadas”. Apesar de tudo elas parecem belas. Talvez porque façam aflorar sentimentos libidinosos; ou por pura pena.
Na esquerda uma fábrica abandonada toma metade da quadra. Logo depois uma pequena porta dá entrada à que provavelmente seja a menor bomboniere da cidade. Num espaço não maior que dois metros quadrados, um senhor gordo e barbudo vende chicletes, chocolates, balas, mandolates, cocadas, cigarros, isqueiros, refrigerantes, enfim, toda essa espécie de artigo. Em dias de semana uma porta lateral é aberta, e o local se transforma em um micro-mercado. Se a fome apertar, o pedestre pode ainda pedir um pastel e um cafezinho por R$ 1. Os próximos trinta metros são um espelho do lado oposto, com seus cortiços, bares e garotas. Quase na esquina um grande galpão desativado serve de depósito para papeleiros. Em dias normais é intenso o fluxo de carrinhos trazendo papéis, latas, garrafas, qualquer coisa que possa ser vendida. Mas hoje é domingo e apenas o zelador está guardando a porta com seu cigarro aceso, olhando as meninas do outro lado. Dentro do galpão uma família descarrega seu primeiro e único carrinho do dia. Uma criança de, no máximo, três anos de idade imita um trânsito com latas de cerveja e constrói uma casa de papelão.
Em meio a tudo isso, uma igreja. Afinal, o “Sagrado Coração de Jesus” precisa ficar perto dos pecadores mais honestos.
Grandes hotéis disputam lugar com grandes estacionamentos. De todas as alternativas para entrar na cidade a Rua Garibaldi parece a menos atraente. Na primeira quadra dois grandes muros e um hotel com cara de abandonado. Ao atravessar a Rua Voluntários da Pátria, no entanto, um novo mundo.
Na calçada da direita, pequenos cortiços de três andares disfarçam-se de moradia. As pinturas rosa e verde estão pálidas e descascadas. Roupas e cobertores são pendurados nas sacadas. Bandeiras do Brasil, esquecidas desde a Copa do Mundo, também estão ali. Algumas das escadas que levam aos apartamentos têm na sua entrada placas quase ilegíveis: “HOTEL”. Os térreos dão lugar a bares escuros, sujos e enfumaçados, invariavelmente adornados por uma mesa de sinuca, cadeiras de ferro, e rostos sombrios que controlam o movimento da calçada. Toda a atenção está voltada às senhoritas que circulam dez passos a sul, dez a norte, em busca de alguém disposto a alugar um pouco de seu tempo. São as prostitutas de rua, incansáveis em sua jornada, até mesmo num domingo como esse. Seus rostos não demonstram emoção nenhuma. Muita maquiagem para esconder as marcas do vento frio, da idade, da humilhação. Sob as mini-saias as pernas só não estão totalmente expostas por causa das botas de cano longo e das meias-calça. Algumas usam jaqueta, outras blusão de lã. São em torno de dez neste momento, e mesmo assim capazes de satisfazer todos os gostos. Altas, baixas, gordas, magras, loiras, morenas, ruivas. Pela quantia de R$ 20 o cliente pode desfrutar os prazeres do “sexo anal e vaginal, com direito a duas gozadas”. Apesar de tudo elas parecem belas. Talvez porque façam aflorar sentimentos libidinosos; ou por pura pena.
Na esquerda uma fábrica abandonada toma metade da quadra. Logo depois uma pequena porta dá entrada à que provavelmente seja a menor bomboniere da cidade. Num espaço não maior que dois metros quadrados, um senhor gordo e barbudo vende chicletes, chocolates, balas, mandolates, cocadas, cigarros, isqueiros, refrigerantes, enfim, toda essa espécie de artigo. Em dias de semana uma porta lateral é aberta, e o local se transforma em um micro-mercado. Se a fome apertar, o pedestre pode ainda pedir um pastel e um cafezinho por R$ 1. Os próximos trinta metros são um espelho do lado oposto, com seus cortiços, bares e garotas. Quase na esquina um grande galpão desativado serve de depósito para papeleiros. Em dias normais é intenso o fluxo de carrinhos trazendo papéis, latas, garrafas, qualquer coisa que possa ser vendida. Mas hoje é domingo e apenas o zelador está guardando a porta com seu cigarro aceso, olhando as meninas do outro lado. Dentro do galpão uma família descarrega seu primeiro e único carrinho do dia. Uma criança de, no máximo, três anos de idade imita um trânsito com latas de cerveja e constrói uma casa de papelão.
Em meio a tudo isso, uma igreja. Afinal, o “Sagrado Coração de Jesus” precisa ficar perto dos pecadores mais honestos.
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