quinta-feira, abril 12, 2007

A violência das ruas

Olhava eu um programa de TV, quando um senhor enche o peito para dizer: “não se pode mais andar a pé pelas ruas”. Todos concordam. Isso que não são nem tão velhos assim. Imediatamente penso: que tipo de louco sou eu? Sim, porque parecia uma obviedade unânime o fato de não se poder mais andar pelas ruas.
E fico me perguntando o motivo. Será o calor senegalês desses verões de aquecimento global? Quem sabe o calçamento irregular esteja provocando muitos tornozelos quebrados? Muitas pessoas, aquele cheiro de asa, gritos, “CD e DVD”, “vale, vale, vale”?
Passemos a brincadeira. Os senhores engravatados estão muito preocupados com a violência. “Assaltos”, dizem eles, “por todos os lugares as pessoas estão sendo roubadas”. Este já parece um texto muito interrogativo, mas insisto: como sabem de tudo isso se não andam mais pelas ruas?
Na verdade eles têm medo dos pobres. Medo daqueles jovens esfarrapados e com cara de mau que ousam olhar pela janela dos seus Mercedes e pedir uma moedinha. Medo do mendigão que dorme bêbado sob as marquises. Das crianças-zumbi com seus paninhos na boca e tubos químicos no bolso.
Pobres senhores. Mas sinto pena mesmo dos seus filhos. Minto: na verdade eu sinto medo dos seus filhos.
Eu, quando criança, por uma incrível luz pedagógica de meus pais, andava só pelas ruas de Caxias do Sul. Bem, talvez eu esteja supervalorizando a educação familiar, já que naquela época a violência não era o assunto da moda. Eram tempos de inflação, corte de zeros, congelamento de preços, etc.
O fato é que eu andava pelas ruas, e lembro de coisas fantásticas. A prateleira de discos da loja Hermes Macedo, o homem que se embalava com a cuia de esmola em frente às Livrarias Paulinas, as prostitutas da praça, o cheiro de cachorro quente das barraquinhas, o sabor dos churros, as placas brilhantes do Bazar Nair. Mas lembro também de todas as vezes que fui assaltado.
Tinha eu entre 9 e 12 anos e os pivetes, aproveitando-se de minha latente ingenuidade, levavam meu dinheiro do lanche, meu relógio, até meu caderno. Voltava desolado para casa, reclamando a perda. Meu pai, insensível, simplesmente dizia: “acontece”. Acontece! Como assim acontece?! “Eles não têm dinheiro, então pegam de quem tem”. Uma explicação furada, eu pensava. Afinal, aquelas coisas eram minhas. E lá ia eu novamente para a rua, e voltava assaltado.
Até que fiquei mais velho e comecei a “pegar as manhas” da calçada. Primeiro sabia onde não andar. Depois já os olhava no olho, com uma cara de “nem vem que comigo não rola”. Parti para as madrugadas e lá descobri que somos todos iguais. Na verdade é o próprio medo que chama o roubo. Em pouco tempo já jogava bola com os caras que antigamente levavam meu dinheiro do lanche.
Sigo sendo assaltado, mas o sangue frio que adquiri me livrou de várias. Hoje converso com quem vem me roubar. Nunca usei de violência, só de palavras, e tenho sido bem compreendido.
Voltemos aos filhos dos senhores engravatados.
Essas crianças vivem trancadas. As ruas que conhecem são as do condomínio fechado onde vivem. Talvez as avenidas que levam ao clube ou ao colégio, tudo por trás dos vidros blindados e na companhia de seguranças. E assim será até a faculdade, quando ganharão um carro para ir às aulas.
Agora vamos ao meu medo. Imagino o dia que terei que falar com uma dessas crianças, que no futuro serão as pessoas importantes da sociedade. Se eu não estiver com a roupa adequada, pedir as horas e fizer um movimento brusco, sou capaz de tomar um balaço na cabeça. Afinal, nunca se sabe: a violência está por todos os lados.

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