quinta-feira, maio 31, 2007

Totalitarismo privatizado

Prometo que este é o último texto dessa leva de indignação geral contra qualquer coisa parecida com sociedade. Seguimos em campanha ferrenha contra todo tipo de emprego. É chegada a hora de decretar o fim do trabalho e iniciar a era do prazer.
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"Prazer, Paz e Liberdade" para todos!!!
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Vivemos no mundo da escravidão econômica. A grande maioria das pessoas simplesmente vaga pelo planeta sem o mínimo de controle sobre suas vidas. Vendemos barato nossa força, nossa fome, e abrimos mão de qualquer tipo de pensamento. É uma sociedade global controlada por um único regime totalitário; totalitarismo privatizado. O ridículo do óbvio é que eles fazem o óbvio parecer ridículo.
Foi-se o tempo da soberania nacional. Hoje os governos fazem um papel meramente figurativo. Sua principal função é legitimar os interesses de mega-corporações industriais e financeiras. O Rio Grande do Sul, infelizmente, está chegando ao auge desse processo. Há pouco tempo essa relação era uma simples troca de influencias para corte de impostos, camuflado com o nome de incentivo fiscal, e um discurso de geração de empregos. Hoje a moda é o papel, e são as multinacionais que mandam no Estado: escolhem secretários, passam por cima da lei, não têm nenhuma preocupação com o meio ambiente, vão gerar um número pífio de postos de trabalho e vão impedir a reforma agrária.
O Brasil é o paraíso do mercado financeiro. Conseguimos a façanha de privatizar nossa dívida. Quem não gostaria de comprar títulos que pagam os maiores juros do mundo? Esse verdadeiro buraco negro consome cada vez mais dinheiro da educação, que seria nosso único caminho para um verdadeiro progresso. Professores são tratados como lixo humano, uma função subalterna. Os alunos são marginalizados e oprimidos pelo sistema escolar e pela pobreza. Nossa saúde curativa gera o caos num sistema que foi feito para ser preventivo. Mas também, como prevenir doenças com esgotos a céu aberto, comunidades inteiras que moram no lixo, má alimentação, ignorância e descaso?
As guerras contemporâneas comprovam que quem governa o mundo são as companhias de petróleo. Do Oriente Médio não é preciso nem falar. Na África, países como Angola e Nigéria possuem governos que estão lá à força simplesmente para proteger os campos de extração da Shell e da British Oil. A América Latina virou um cassino financeiro e um parque de experiências no qual as empresas mais poluidoras do mundo vêm jogar seu dejetos. Estamos acabando com nossa maior riqueza, a água, em troca de míseros subempregos e poluição química.
As conseqüências disso são bilhões de seres humanos tratados como lixo nos países subdesenvolvidos e o tão falado “problema da imigração” nos países da Europa e América do Norte. Eles criam os escravos e tentam nos acalmar com promessas de consumo. A ilusão de uma vida de luzes leva milhares de pessoas a procurar o centro do capitalismo, que dizem ser tão bom e nunca chega até nós. Quando eles reclamam da invasão de latinos, africanos e asiáticos, fazem o óbvio parecer ridículo. Afinal, de quem é a culpa? Não conseguem ver que a causa de seus problemas é a mesma dos nossos problemas?

quarta-feira, maio 30, 2007

Brincando de guerrinha

Vivo, ou melhor, sobrevivo no Brasil. Milhares de indefesos ignorantes passam por mim todos os dias e nada consigo fazer por eles. Grandes poderes, não tão ocultos como dizem, tomam as rédeas da nação.
Enquanto volto de minha janta percebo uma agitação na rua. São em torno de dez crianças que correm e se jogam o lixo da burguesia. Uma delas se aproxima e diz: "ei tio, me dá um gole?". Eu tenho uma lata de Coca-Cola nas mãos. Olho bem para ele. É um menino que não passa dos seus 12 anos. "Que bagunça vocês estão fazendo, hein?". "Não tio, a gente só tá brincando de guerrinha". "Tudo bem, pode levar, mas divide com teus amigos".
Sigo meu caminho, pensando na contraditória brincadeira de guerrinha, quando ouço o grito da voz infantil: "sai prá lá meu! Ele deu prá mim!".
Mentira, mas como cobrar a verdade de quem vê a falácia morando em castelos, em mundos fechados e com a cara estampada na TV?
Traição, mas como cobrar honestidade de quem vê a cada quatro anos um caminhão de promessas repetidas e nunca cumpridas?
Violência, mas como querer paz de alguém que vê a polícia batendo antes para perguntar depois, quando pergunta?
Giro a chave nas grades do meu prédio. Subo as escadas praticamente sem forças, tamanha a inutilidade que sinto em meu peito. Ligo a TV e ouço: "o Brasil continua crescendo!".
Para quem?

terça-feira, maio 29, 2007

Ilusões

A grande evidência do Século XXI é que vivemos um mundo de ilusão. Ilusão do emprego, de país, de liberdade. O povo é levado pelo discurso oficial a dar graças a Deus por um salário de fome. Os escravos negros do Brasil Colônia e Império lutavam, ou pelo menos, queriam a liberdade. Nós, os escravos modernos, desejamos do fundo do coração a escravidão.
A verdadeira educação, libertária, é trocada por um ensino mercadológico e ilusionista. O tal “mercado de trabalho” é uma mentira. Os alunos de escolas e faculdades recebem cérebros pré-fabricados para o consumo de antidepressivos em função do futuro desemprego. Esses pelo menos ainda são considerados os remediados. O povo de verdade não tem nenhuma expectativa.
O paradoxo das elites é que elas incentivam e condenam o caos. Se o lucro da grande empresa diminui de 10 para 9 milhões, a sociedade recebe uma nova leva de desocupados. Ao mesmo tempo, o pânico toma conta dos carros importados através de manchetes sangrentas nos jornais. A lógica é: a empresa demite, o Estado encarcera. Essa mesma elite, com suas festas regadas a champagne e cocaína, fica muito preocupada quando seus bandidos vão para a cadeia. Como pode o grande empreendedor que construiu aquela maravilha da destruição ambiental chamada Costão do Santinho ir para o xadrez? Pior, o cara do Iguatemi de Floripa? Ou as lavadeiras da Portocred? “Vejam quantos empregos eles criaram”. Escravos!!! Manifestações de solidariedade na TV, colunas de jornal, lágrimas e mais lágrimas nos ternos Armani e bolsas Vitor Hugo.
Enquanto isso, os mortos de fome do tráfico são jogados nas senzalas modernas e não merecem sequer uma lembrança. Pelo contrário, a elite quer mais polícia, mais prisões.
O discurso é eficiente e entorpecente. A cidade é o absurdo dos muros: de um lado a favela, de outro o condomínio de luxo. E o sonho do morador da favela é trabalhar no condomínio, enquanto deveria ser colocar fogo nas diferenças.

sexta-feira, maio 11, 2007

Entrevista psicótica

Tudo pronto para mais um ritual de defumação na sala do Apartamento 2. A agulha começa a riscar o lado B da trilha sonora do filme The Song Remains The Same. Um lado, uma música, um instrumento. O sol do entardecer em feixes amarelos sobre as partículas azuladas da fumaça. A bateria não pára seu ritmo alucinante. Há dança e um desligamento total da matéria. Quando abro os olhos lá está ele, sentado no meu sofá, com uma garrafa de uísque e um cigarro nas mãos.
-What a fuck are you doing? Dancing like a fat Jim Morrison….
-John Bonham?
-You are crazy and blind…… Of course I’m Bonham.
E assim começou minha primeira entrevista psicótica, que reproduzo a seguir.

Devaneios: Já que você apareceu, como estão as coisa lá no céu?
Bonham: Não faço a menor idéia.
Devaneios: Como assim?
Bonham: Bem, quando eu morri, o pessoal que cuida da entrada para a outra vida já tinha ouvido falar que eu tocava bateria, digamos, com um volume um pouco alto para os padrões divinos. Então fizeram o que fazem com a maioria dos rockers que passam: me mandaram para o Red Light Bar.
Devaneios: Deve ser uma boa segunda vida....
Bonham: É, a gente fica tocando, bebendo, e curtindo uma com a mulherada. Nada demais.
Devaneios: Com quem você tem tocado?
Bonham: O pessoal de sempre, Hendrix, Bon Scott, Brian Jones, Lennon. A pouco fiquei feliz com a chegada de John Entwistle. É uma turma boa.
Devaneios: Você conhece Raul Seixas?
Bonham: Sim, claro. Mas ele fica mais de canto. Está finalmente escrevendo o livro que tanto queria. Ele só toca quando Elvis o convida.
Devaneios: Mas o Elvis morreu? Por aqui tem gente que jura que ele ainda está vivo....
Bonham: Não, não. O Elvis morreu. Só que ele é o tipo de cara que gosta de virar assombração. Quando a filha gostosa dele casou com o branquela pedófilo ele ficou puto.... Aí ele volta, dá um susto nos cretinos e vai para Vegas relembrar os bons tempos. Acho que até hoje ele não perdeu um concurso de sósias de Elvis.
Devaneios: Vamos falar um pouco sobre assuntos terrenos. Esses dias o Ian Anderson andou falando que o Jethro não é uma banda de rock....
Bonham: Esse é o problema de viver demais. O cara passou os últimos 50 anos cheirando até talco de criancinha e ficou com o cérebro derretido. Se bem que essa história de show com orquestra é uma puta enganação....
Devaneios: Mas o Jimi Page, o Robert Plant e o John Paul Jones também gostam de um violino....
Bonham: Aqueles putos! Que saudade...... É, eles gostam, mas bem de canto..... Tá bom, é verdade. Mas foda-se o Jethro, não sei por que vocês ainda levam a sério esses caras. O Ian sempre foi um palhaço e agora quer dar essa pinta de músico intelectual. Foda-se.
Devaneios: Bem, a música está acabando. Uma última pergunta: é justo dizer que o Rock morreu?
Bonham: Daqui a uns 50 anos, quando você vier para o Red Light, você me diz.

quinta-feira, maio 03, 2007

Um poema

Só tu mesmo, Porto Alegre
Com tuas ruas de castelos e barracos
Que faz descer o ar,
Ar castigado por madames e mendigos,
E ouça bem o que lhe digo,
Por amores escondidos
Que custam a se revelar

quarta-feira, maio 02, 2007

Imperdoável

O pessoal dos carros importados anda muito preocupado com o futuro do Brasil. O empresário vê seu lucro de 11 milhões diminuir para apenas 9 milhões por causa dos encargos sociais dos operários. O médico que cobra até 500 reais por uma preciosa meia hora do seu tempo particular ganha apenas 5 reais por um atendimento do SUS. Os executivos estão perdendo reuniões importantíssimas porque os aviões não querem mais sair do chão. A violência, nem se fala: “não dá mais para sair na rua”. E ainda por cima o governo mata a fome de milhares de pessoas com o Bolsa Família, um programa eleitoreiro e oportunista.
Enquanto isso, o povo do salário mínimo é totalmente irresponsável. Gasta suas economias num churrasquinho com cachaça no fim de semana. Pede com toda elegância para os vizinhos por favor guardarem as latinhas em troca de uns 20 reais no fim do mês. Olha a novela depois de duas, três horas de ônibus em direção ao subúrbio. Só fala de futebol e mulher pelada. Compra CD e DVD pirata.
E o que mais assusta é quando, num momento de total falta de critério, o assalariado dá uma esmola para a criança que passa fome e frio na esquina. Isso sim é imperdoável.