quarta-feira, maio 28, 2008

Costume

Andei pensando sobre o texto abaixo. Que interesse teria a Rede Globo em desmoralizar os índios para permitir a construção de uma hidrelétrica no meio da Amazônia?
Em primeiro lugar, cabe salientar que, mesmo após um acurado exame de consciência, ainda acho que não exagerei na crítica. De fato a “reportagem” demonstra claramente de que lado a emissora está. Então, segue a pergunta: qual o motivo?
Literalmente quebrei a cuca e não consegui descobrir nada. E olha de tenho uma mente afeita a teorias da conspiração. Não só isso. Tenho amigos que são verdadeiros experts em achar interesses obscuros nas maquinações da mídia. No entanto, nada; nem uma pista sequer.
Até que me caiu a ficha: costume!
Sim, eles fizeram isso pelo puro e simples costume de ficar contra as intenções de quem não representa o poder, qualquer poder. Dá ate para imaginar as conversas dentro da redação.
“Esses índios estão contra o progresso”.
“Olha só quanta energia podia ser gerada”.
“Quantas indústrias poderiam ser abastecidas por essa hidrelétrica”.
E pensar nos milhares de hectares de floresta nativa alagados.... “não, isso não faz diferença. Um pouquinho de mata a menos... tem tanta pó aí”. E os índios? “Esses selvagens, por que não se integram e aproveitam os benefícios da civilização? Garanto que nem luz eles têm e ainda estão reclamando”...
Seus cérebros pré-fabricados não conseguem vislumbrar a dimensão do problema. A questão não é a meia dúzia de índios que ficarão sem sua terra; é o povo brasileiro que é bombardeado pela ideologia de meia dúzia de “jornalistas”.

segunda-feira, maio 26, 2008

O milagre da edição

Poucas vezes paro em frente à televisão. Por dois motivos: creio que representa uma degradação do gosto, um tempo perdido em algo que não acrescenta absolutamente nada; e, uma vez que ligo o aparelho, não consigo desligá-lo. Sim, fico completamente vidrado nas imagens que bombardeiam minha retina. Por isso, sempre me esforço para não cair em tentação. Ligo o rádio, pego um livro, o violão, vou dar uma banda, qualquer coisa.
Mas eis que domingo, naquele clima de ressaca sem cura, após uma farta janta com os amigos, resolvi assistir uma telinha. Como não temos TV a cabo, o que sobrou? O Fantástico. Tudo bem, vamos lá, fazia já um bom tempo que não assistia a esse programa, e afinal de contas só estou querendo zerar o meu cérebro mesmo.
Por acaso pegamos bem no começo da parte do esporte, que sempre é a melhor parte, apesar do Colorado ter perdido no fim de semana. O carequinha aquele que apresenta consegue mesmo ser engraçado e a equipe de editores trabalha muito bem na seleção de imagens da rodada. Depois de uns esquetes teatrais ridículos vem a parte que deveria ser interessante, a das reportagens.
Primeiro, uma matéria sobre um pó mágico dos Estados Unidos que regenera partes amputadas do corpo. Interessante. Depois, uma reportagem investigativa sobre os garimpeiros de Serra Pelada, que ainda acreditam ter ouro no local e se matam por isso. Também interessante, não fosse o preconceito no tratamento ao MST, mas tudo bem, quanto a isso já estamos acostumados.
Como podemos perceber o programa vinha bem, não apresentando nada que abalasse a estrutura mental de seus telespectadores. Isso até chegar a parte do conflito entre índios e governo por conta da construção de hidrelétricas no Pará.
Na introdução do tema já podemos notar o viés da reportagem. Algo como “esta será uma das maiores hidrelétricas do País, que beneficiará todo o povo brasileiro...”. A seguir vem a entrevista com os índios. Uma câmera imóvel, com o líder deles à frente empunhando um facão, e outros índios e índias duros como pedra no plano de fundo. Se ele não estivesse usando um cocar e as pinturas de guerra da tribo, eu teria certeza de que se tratava de um vídeo da Al Quaeda. Isso entremeado de imagens dele comprando facões numa loja da cidade. Neste ponto me perguntei: “ora, se eles têm facões só podem ter comprado em algum lugar, afinal eles não brotam da terra”. O repórter, tentando mostrar o quanto eles são maus ainda pergunta: “vocês compraram os facões?”. O índio chega a ficar desconcertado com a pergunta. “Claro que compramos, fui eu mesmo lá e escolhi os que eu achava melhores”. Arrumaram até uma brecha na lei para a possível condenação dos índios envolvidos na agressão ao engenheiro da Eletrobrás: “segundo a lei, um índio acostumado ao convívio com os brancos pode ser indiciado pela Justiça”.
Depois dessa criminalização eles pensaram: “agora vamos falar com o engenheiro ferido no protesto para acabar de vez com a reputação dos índios e colocar todo mundo a favor da hidrelétrica”. Só que eles não contavam que o engenheirão era um baita gente fina. A entrevista à apresentadora do Fantástico foi no Rio de Janeiro, no salão de reuniões da Eletrobrás, com uma câmera para cada um e mais uma de apoio. Primeiro ela perguntou como aconteceu a agressão. Enquanto ele contava apareciam imagens da confusão. Mas aí veio o problema. Quando eles imaginaram que chegariam ao auge, após à pergunta: “o que você quer que aconteça com os índios que lhe feriram?”, o engenheiro me sai com essa: “eu não quero que aconteça nada. Eles estão no direito deles”. Acabou com a repórter. A partir daí a entrevista vira uma série de cortes, perfeitamente visíveis pelo telespectador, até que eles conseguem pescar uma parte que é mais ou menos assim: “a Justiça tem que fazer o que a lei manda”, que eu não duvido que fosse referente a outro assunto que não a agressão.
Pois é, meus amigos, a gente até tenta não ter preconceito com relação a esse tipo de “jornalistas”, mas não dá. Uma hora ou outra os caras saem da moita e nos apresentam alguma coisa assim. É por isso que temos que ficar sempre atentos e como uma Al Quaeda de verdade ir desmascarando esses caras.

terça-feira, maio 20, 2008

Política e leitura

Pois é, meus amigos, a correria anda tanta que mal tenho tempo de olhar o computador, trabalhar então..... Mas para os que andam preocupados, está tudo dentro da normalidade: churrasco, engradados de cerveja, festa no underground, sempre no melhor estilo "peace on earth, sex, drugs and Rock'n' "fucking" Roll".
Mas agora, falando sério, tenho lido algumas coisas interessantes. Como eu sei que todos os governantes do País olham esse blog, vou dar aqui uma dica básica. Lembram-se daquela aula de Literatura Brasileira, com aquela professora que era um doce, e que vocês achavam que a melhor coisa do mundo era passar a perna nela? Pois é, vocês deviam ter lido pelo menos um livro; e aqui vai o nome de um que ela mandou que faria toda a diferença na sua vida como homens públicos: Os Sertões, de Euclides da Cunha.
Nem precisavam ir tão longe e ler todo o livro. Só a primeira parte, chamada "A terra", já bastava. No capítulo V temos dois sub-títulos importantíssimos: "Como se faz um deserto" e "Como se extingue o deserto". Apesar do equívoco na referência aos índios "Euclidão" coloca algo importante sobre a criação do clima árido dos sertões:

"Ainda em meados deste século, no atestar de velhos habitantes das povoações ribeirinhas do São Francisco, os exploradores que em 1830 avançaram, a partir da margem esquerda daquele rio, carregando em vasilhas de couro indispensáveis provisões de água, tinham, na frente, alumiando-lhes a rota, abrindo-lhes a estrada e devastando a terra, o mesmo batedor sinistro, o incêndio. Durante meses seguidos vui-se no poente, entrando pelas noites dentro, o reflexo rubro das queimadas.
Imaginem-se os resultados de semelhante processo aplicado, sem variantes, no decorrer de séculos....
Previu-os o próprio governo colonial. Desde 1713 sucessivos decretos visaram opor-lhes paradeiros. E ao terminar a seca lendária de 1791-1792, a grande seca, como dizem ainda os velhos sertanejos, que sacrificou todo o norte, da Bahia ao Ceará, o governo da metrópole figura-se tê-la atribuído aos inconvenientes apontados, estabelecendo desde logo, como corretivo único, severa proibição ao corte das florestas."

Podemos ver que o dinheiro sempre falou mais alto que o bom senso nesse pobre País. O que há mais de dois séculos verificou-se no sertão, hoje vemos repetido na Amazônia, com exatamente as mesmas características, inclusive com a criação de gado como fator de degradação ambiental, também já apontada por Euclides da Cunha
Sobre "Como se extingue um deserto", o autor nos coloca o exemplo do Império Romano, que na Tunísia acabou com a seca das suas planícies por um sistema de barragens e cisternas. Observaram que, assim como no sertão brasileiro, de nada adiantavam as chuvas que lá caíam, pois corriam direto para o mar e acabavam por se transformar em mais um ingrediente de devastação do solo. Com o sistema implantado, aquele país transformou-se no "celeiro de Roma". Nada de transposição do Rio São Francisco, só um pouco de inteligência e bom senso. E, é claro, um pouquinho de leitura.

O dia em que salvei o Rock'n'Roll

Sexta-feira saí do trabalho por volta das 22 horas (o popular 10 da noite, como diria minha amiga Cati Carpes), totalmente sem destino. Só sabia de uma coisa: queria beber e curtir um Rock’n’Roll.
Até agora descobri que Joinville tem três bares de Rock. Como eu estava com o espírito de porco à flor da pele, optei pelo mais underground deles, o Old Bar. Mas antes de entrar num ambiente escuro e enfumaçado para encher os cornos de cerveja precisava comer alguma coisa. Eis que esta bela cidade oferece uma ótima alternativa para os boêmios classe C: xis a R$1,25. Claro que não é uma maravilha de comida, mas o objetivo era só tapar o buraco da úlcera mesmo.
Depois da farta janta, achei melhor começar os trabalhos no boteco. Afinal, nunca se sabe o preço que teremos que pagar nesses bares. Encostei a bicicleta na mureta que dá para a rua e mandei baixar uma gelada, “bem gelada, por favor”.
Saciada a primeira parte da sede parti em busca de um lugar para deixar a “zica” (é como eles chamam a bicicleta aqui). No posto de gasolina sequer olharam na minha cara. A sorte foi achar um estacionamento com um carioca gente boa que colocou meu meio de transporte na sua sala.
Tudo pronto e ajustado, comprei mais uma latinha e fui para frente do bar. Eis que lá chegando, me deparo com a dona do estabelecimento, mais os seguranças e funcionários da casa, olhando apavorados para um brigadiano que folheava uma pasta cheia de documentos.
“Esse alvará está vencido, a vigilância sanitária precisa fazer uma nova inspeção, não tem aqui autorização para música ao vivo”, etc., etc., etc., e a mulher cada vez mais desesperada. “Mas o senhor tem que entender que a burocracia é lenta, como pode ver já está tudo encaminhado”. E ele nada, impassível, explicando que teria que chamar o fiscal da prefeitura para fechar a casa. Não me controlei e resolvi fazer parte da conversa.
- Com licença senhor, qual é o problema aqui?
- O bar está com os alvarás vencidos.
- Bem, mas o senhor já viu que está tudo encaminhado, e é difícil acreditar que todos esses papéis - realmente tinha uma pilha deles - não sirvam para nada.
- Na verdade o problema maior nem é esse, é o barulho que esse pessoal que fica aqui na frente faz. Aliás, quem é o senhor?
- Sou só um cidadão, cliente do estabelecimento.
Ele me olhou e decidiu continuar contando que teria que fechar o bar, chamar o fiscal e só se ele fosse muito camarada deixaria o bar funcionar essa noite. “Puta que o pariu!”, pensei, “só porque eu quero curtir um Rock’n’Roll! Não admito que justo hoje vão fechar a bodega”.
- Com licença meu amigo, se o senhor me permite uma palavra.
- Sim.
- Na minha opinião, se o problema maior é na rua, a responsabilidade é do poder público. Quanto à situação do estabelecimento nós já vimos que está sendo resolvida, só emperra na complicação da burocracia.
- Sim, mas o bar é a causa dessa aglomeração de gente aqui. Nós também já notificamos o posto ali da esquina.
- Bom, garanto que a proprietária do bar gostaria que estivessem todos lá dentro. Garanto para o senhor que ela também acha essa aglomeração ruim para seus negócios. Além disso, o posto está funcionando, e lá tem muito mais gente na rua do que aqui. Isso que, como o senhor mesmo disse, eles já foram notificados.
- É, pois é....
- Quem sabe a gente faz um acordo aqui: o senhor dispersa a aglomeração e os seguranças do bar se encarregam de não deixar se formar novamente. A proprietária do bar faz uma pressão para encaminhar os papéis e na próxima semana o senhor volta acompanhado dos fiscais para averiguar a situação. Até porque não vamos fazer o cidadão sair de casa a essa hora, quase meia noite.
- É, acho que é justo. Ficamos assim então: o bar fica aberto até as duas da manhã, a senhora encaminha os papéis e o senhor (segurança) se responsabiliza em dispersar o pessoal.
- E quem estiver dentro do bar às 2?
- Quem estiver dentro pode ficar, só não entra mais ninguém.
Todos concordam com as exigências, mal segurando o riso em frente ao oficial da lei e da ordem. Quando ele sai, os músicos vêm me agradecer: “valeu aí cara, já estava pensando que a gente não ia tocar”. Eu não fiz nada de mais, só queria curtir uma noite de Rock. O pior é que quando pedi um desconto na entrada, a dona do bar se negou! Disse que tinha que pagar as bandas e tal....
Tudo bem. Fiz um monte de amigos lá dentro e voltei para casa com a certeza de que pelo menos uma vez na vida eu salvei o Rock’n’Roll.

sexta-feira, maio 16, 2008

Filosofia de um belo dia

A grande maravilha do mundo é seu paradoxo de ser resumível e complexo. É tão fácil dizer que a maioria dos dias são bons que prefiro taxá-los como ruins. O que é bom? O que é ruim? O que é suficientemente bom para que possa influenciar o julgamento de todo um dia, 24 horas das quais dormimos uma grande parte e não pensamos nos outros 90% do tempo? Quantos segundos de pensamento serão suficientes para tal julgamento? Meu bom é o seu horrível, e dele temos exatamente a mesma impressão, o que me transforma em uma pessoa completamente insensível a seu sofrimento por estar gozando plenamente de sua desgraça pessoal.
O sol, maldito astro que esquenta a face dos pobres mortais que são obrigados a caminhar sobre esta terra, é tão bom que se tornou fundamental para a vida. Maligno destino para esses pobres animais que se julgam tão independentes....
No momento tenho um gole de uísque (importado, de boa qualidade), uma carteira de cigarros pela metade (bom sinal), um disco do Iron Buterfly (que não coloco para não roubar minha atenção), uma varanda, um cinzeiro e uma tela na qual posso colocar estas letras; e tudo isso parece tudo o que preciso para dizer: esse foi um bom dia.
Que se foda a guerra, os mendigos, a miséria, a corrupção, os idiotas que infestam as ruas, a televisão, o teatro, os discursos, as idéias, o caminho do bem, o do mal, o câncer e a arritmia cardíaca.
Que se foda Plutão, Júpiter, março, abril e maio, o escorpião, a cobra, os anjos, o futebol, o grito preso na garganta, o palito de fósforo que se quebrou antes de queimar, a porta da rua, o gato, o cachorro e a zebra solitária na casa lotérica.
Que se foda a lamparina, a churrasqueira, meu amigo sentado ao lado, a planta que brota solitária vencendo a força do asfalto, a bossa nova, o violão desafinado, o grito do rebelde sem causa, a casa que todos gostariam de ter, o carro do ano, o jornal, o chefe, o empregado, a folha de pagamento, o caos, a bicicleta, o exercício, a paciência, o café, a panela, a comida e o sonho.
Egoísta? Claro que sim!
Frrrrr-ahhhhh!!! Que belo calor no esôfago!
Só uma coisa é certa: no futuro lerei este texto e então vou me lembrar de um belo dia.