quinta-feira, março 24, 2011

Juventude revolucionária

A juventude revolucionária volta a tomar as ruas. Protegidos pela polícia, que interrompe o trânsito e olha tudo de longe. Quem disse que as drogas não são liberadas? Os argelinos e marroquinos vendem haxixe e, às vezes, coca a menos de 10 metros da polícia civil e militar. O importante é marcar presença com coletes a prova de bala, escopetas e olhares tão ameaçadores quanto os de uma criança que não quer ir pra aula. Bem, a turma passa pela polícia, compra a droga, passa pela polícia de novo e se instala em frente à mesa de som, no meio da rua, a famosa Via Zamboni de Bologna, para fumar seus baseados. É simplesmente impossível que os brigadianos não saibam o que acontece, o que me leva a crer que a droga é liberada aqui na Itália. Afinal, que ganha com isso é a máfia, a máfia é o governo, e a polícia é a segurança do governo. Opa, mas peraí! Então quer dizer que a juventude revolucionária, no fim, acaba sustentando o governo! Não, não pode ser. Eles devem ter feito uma pesquisa antes e chegado à conclusão que os nossos marroquinos e argelinos da Via Giuseppe Petroni não têm nada a ver com a Camorra, Cosa Nostra ou Ndrangheta.

A música Rap não mente, a juventude revolucionária é suburbana. Ou não? Se considerarmos que todos estão na universidade, nenhum (ta bom, alguns poucos) trabalha e gastam pelo menos o quê, uns 600 Euros por mês entre aluguel, comida e drogas, me parece que estamos pendendo mais para o lado da burguesia. Mas o que vale é a intenção. Negar as origens. Isso se mostra nas roupas, todas de um mal gosto elevado à máxima potência. Não é que eu seja um estilista, ou um entendedor de moda, mas andar com as calças pelos joelhos é ridículo para qualquer gosto. Digamos que o Rap esteja bom. Até que param a música para começar os discursos.

“Estamos aqui para o início de mais uma jornada de luta. De apoio aos irmãos que neste momento estão lutando na revolução mediterrânea. Contra a invasão da Líbia pelo Ocidente e apoio aos rebeldes. Contra a crise que assola a Europa. Contra a austeridade do governo. Por melhores condições de estudo e mais investimento na Universidade....”

O rosário vai longe. Apesar de já ter tomado um litro de cerveja eu olho pro alemão que está do meu lado e pergunto: “por acaso tu conhece alguém que seja a favor da crise?”. Claro, porque me parece uma idiotice gigante pegar um microfone e dizer que é contra a crise. O Berlusconi também é contra a crise. A turma de Wall Street é contra a crise. Se eles quisessem ser do contra, teriam que ser a favor da crise, pois é ela que, dialeticamente, mostra a fraqueza do sistema no qual vivemos. Não, mas eles são contra a crise. Eles também são contra a austeridade do governo. O que significa que o seu sonho é um governo que gaste mais, ou seja, um governo mais forte. E eu que pensava se tratarem de anarquistas, como eu sou inocente. Se a jornada de luta é beber e fumar haxixe no meio da rua, estou dentro. Mas como convencer os trabalhadores e desempregados a aderirem à revolta? Ou eles têm que acordar cedo no outro dia, ou não têm dinheiro pra comprar cerveja. É, os estudantes estão sós. Por melhores condições de estudo estou pensando em sugerir a todos uma temporada na Ufrgs. E sobre a questão da Líbia, bem, talvez o dinheiro gasto com os marroquinos e argelinos acabe nas mãos certas.

Voltou a música, ainda o Rap. Pra mim chega. Eu já sou velho, passei dos 30, não tenho nada que ver com a juventude revolucionária. Prefiro ir pra casa, ouvir um Bob Dylan, estudar o que diz meu amigo Adorno e, depois, dormir bem abraçado na nega véia. Talvez eu ainda não seja um grande revolucionário, mas, quem sabe um dia eu chego lá.

segunda-feira, março 21, 2011

Invasão

E não é que a turma invadiu mesmo a Líbia? Pobre do povo, que agora além de se livrar do ditador, vai ter que se livrar dos invasores. A democracia ocidental continua a ser o produto ideal, a mascara perfeita do totalitarismo. Assim, se anuncia o desastre: trocarão uma ditadura personalista por uma ditadura de mercado. Simples assim. Até a Itália entrou na dança, como prova de que o que vale mesmo é o petróleo. Se ele muda de lado, nós mudamos também. Enquanto isso os jornais colocam tendenciosamente notícias do tipo: “Cuba e Irã condenam ataques à Líbia”. Bom, eu também condeno. Mas é como se condenar os ataques salvadores do ocidente fosse coisa de gente como Fidel e Ahamadinejad, que também não têm nada a ver um com o outro. Para o sistema totalitário quem é contra é igual, não importa que seja um racionalista como o cubano ou um fanático religioso como o iraniano. Enfim, bombas custam dinheiro, e alguém vai ter que pagar por elas. Ao que tudo indica, será o pobre povo líbio.

sexta-feira, março 18, 2011

Coisas ao vento

Nada como um tsunami no Japão para esquecer a Líbia. A França já não pensa em invadir o país árabe. Obama pensa em concentrar seus esforços na reconstrução da ilha no Pacífico. Berlusconi pode dormir tranqüilo (bem acompanhado, é claro) com seu amigo ainda no poder a lhe mandar petróleo barato. Os jornais? Bom, quem se interessa por um ditador feioso e um bando de árabes em fuga quando se pode mostrar fotos e vídeos de uma onda gigantesca que arrasa um país.... E o valoroso povo líbio a receber bomba na cabeça. No Egito, onde o exército se negou a matar seus irmãos, a pressão internacional foi enorme. Na Líbia, onde o exército mata rebeldes como formigas, tudo bem, deixa estar.

Enquanto isso, nas ruas de Bologna, clima de feriado. A Itália unida celebra sua desgraça. Crianças bem nutridas carregam as bandeiras tricolores enquanto mendigos se desesperam por qualquer moeda. Sem brincadeira. Em 15 minutos de caminhada pelo centro, sete abordagens de mendigos, sendo que apenas três eram africanos, os outros legítimos italianos. A pobreza da Europa não é culpa da pobreza da África.

Um belo dia de sol. Vem se aproximando a primavera e as praças retomam sua vida. Tudo parece bem; e muito superficial. A vida que se pensa e se vê é só uma grande superficialidade; a mesmo assim é a vida. Ainda temos cerveja a 50 centavos, então, tudo bem. Ainda temos amigos e um pouco de boa música, então, tudo bem. Não importa que para isso 70% do nosso tempo útil seja usado em trabalho para enriquecer os outros. Não importa que na Líbia pessoas sejam assassinadas como formiga. Não importa que o Japão esteja à beira de uma catástrofe nuclear. Não importa que o mundo desenvolvido produza mendigos em larga escala. São só coisas ao vento e amanhã tudo é passado. Nossa desgraça, quando vier, também passará. São só coisas ao vento.

terça-feira, março 15, 2011

War

Nada demais a dizer. A não ser que a história, a filosofia, a ciência da humanidade nos levou para um abismo de onde não vemos possibilidade de sair. Ou vemos? Faço minhas as palavras do grande Bob Marley:

"Até que a filosofia que torna uma raça superior
E outra inferior, seja finalmente permanentemente
Desacreditada e abandonada havera guerra,
Eu digo guerra.

Até que não existam mais cidadãos
De 1º e 2º classe em qualquer nação.
Até que a cor da pele de um homem
Não tenha maior significado que a cor
Dos seus olhos havera guerra.

Até que todos os direitos básicos
Sejam igualmente garantido para todos,
Sem privilégios de raça, terá guerra.

Até esse dia o sonho da paz final,
Da almejada cidadania e o papel
Da moralidade internacional,
Não sera mais que mera ilusão
a ser percebida e nunca atingida,
Por enquanto havera guerra, guerra."

Isso escrevo porque fico impressionado com a ignorância daqueles que desenvolveram essa sociedade que vivemos. A Europa é uma comédia. Vou para a aula e ouço falar das maravilhas culturais dos séculos XVII e XVIII, que estão ainda penduradas nas paredes de velhos museus. Ouço falar do Renascimento e dos grandes homens que fizeram ressurgir a filosofia e arte gregas (para eles tudo o que a antiguidade fez). Só que não ouço falar que esses mesmos homens viviam em cidades onde os judeus eram aprisionados em guetos de onde não podiam sair. Que esses mesmos homens um pouco antes queimavam mulheres que gostavam de transar porque eram bruxas. Que esses mesmos homens eram a elite minúscula de uma gigante sociedade de miseráveis. Que esses homens invadiram a África e a América para levar o genocídio em massa e a escravidão, enquanto o pessoal ficava ouvindo belas operas nos salões das capitais do Velho Mundo. E, que vangloriar suas belezas sem considerar todas as grandes merdas que fizeram é perpetuar um sistema como o nosso.

sexta-feira, março 11, 2011

A última obra

O terror do artista é o papel em branco. Necessidade e medo do primeiro risco. A mão treme. Suor sob os olhos. Uma gota que escorre pela testa e desvenda caminhos entre a vasta barba, um pouco negra, um pouco branca. Não cai jamais. O lápis suspenso no ar. Força; coragem. A mão treme. O vazio do branco se desdobra pela imensidão do nada. Porque não deixar tudo como está? Nada. Que coisa diz o nada?

E o que ela está fazendo ali? Nessa gigantesca rua de terrenos vazios. Cercas de arame que dividem o abandono. Galpões de riquezas passadas. O lixo que tem vida própria, escolheu esse canto miserável da cidade para viver. Ela sentada na sarjeta. Segura a cabeça como que prestes a perder a paciência. Sorri. Um sorriso idiota de escárnio conhecido.

Mas o que ela está fazendo ali? Com cabelos negros e cacheados que balançam a ventos antigos. Se levanta. A saia longa, a camiseta rasgada, um seio à mostra. Flutua para o pátio e sequer encosta os pés brancos como a lua nas chapas de compensado. O pó marrom mal se mexe. O ar parado. A penas um sopro no ouvido.

Professor, professor.... ao suor se juntam as lágrimas. O braço ainda no ar. O medo de um rico errado. Os olhos semicerrados. O coração que bate apenas por obrigação. O estômago recorda suas úlceras. Os joelhos começam a perder a força.

As paredes de madeira crua parecem não acreditar quando ela entra. Nenhum som. Nenhum rangido do chão de cupins. Os lençóis gordurosos bem estendidos não demonstram nenhuma marca, nenhum sangue. Saudade de quando eram brancos. Saudade de perfume. O ar parado. Apenas um sopro no ouvido.

Professor, professor.... a mão firme. Um impulso de coragem. A tela branca recebe finalmente seu risco. Vermelho. Um único golpe. A realização da arte. A última arte. A morte com um lápis no centro do coração cansado, vazio, pobre, imundo e, finalmente, livre.

terça-feira, março 08, 2011

O umbigo do mundo

A Europa é o centro do mundo; dos europeus. A sua cultura é fantástica, mas justamente pela sua grandiosidade deveria ser mais humilde.

Esse raciocínio começa no Museu da Música de Bologna, que é considerada pela Unesco como a “capital européia da música”. Ali estão reunidos principalmente os artigos colecionados pelo Padre Martini, considerado pelos europeus como o primeiro estudioso a formatar alguma coisa parecida como uma história da música. A coleção realmente é fantástica. Entre outras coisas descobri que Mozart (sim, o grande Wolfgang Amadeus Mozart) morou a duas quadras da onde moro hoje por volta de 1770, quando tinha entre 14 e 15 anos, e veio a Bologna estudar musica por indicação do Padre Martini. No museu estão expostas suas primeiras partituras, escritas a mão, junto com cartas a outros compositores e amigos, como Johann Christian Bach, filho do velho Johann Sebastian, que era seu colega de estudos. Além de instrumentos extintos o museu também tem uma coleção de livros, entre eles o primeiro livro de música impresso na história (da Europa), que data de 1501.

É uma história riquíssima, sem dúvida. Eu mesmo fiquei emocionado ao descobrir tanta coisa e me senti imerso em um mundo de cultura que, sinceramente, jamais imaginei assim tão perto. Por isso aproveito casa momento para enriquecer meu repertório e fruir dessa imensa quantidade de opções que o Velho Continente oferece.

Isso porém, causa um efeito ruim nos nossos amigos europeus. Eles tendem a considerar só o que é seu como válido. A única filosofia é a filosofia ocidental européia; a única música é a música européia; a única cultura é a cultura européia. Uma prova?

Estou eu na aula de Filosofia da Música, no Departamento de Artes e Espetáculo da Universidade de Bologna. O professor começa a falar sobre a importância do conhecimento histórico da música para entender seu desenvolvimento como ciência e arte desde os gregos até hoje. Fala do Padre Martini e de como a consciência historiográfica da música é tardia, assim como sua emancipação do estudo de matemática e filosofia. A um certo ponto, começa uma inquietação. Um colega ousa levantar a mão. “Professor, mas estamos falando só de música européia no caso, não é?”. A resposta: “a única música que se presta a uma historiografia decente é a européia, porque é a única registrada”. Minha vez de levantar a mão: “bem professor, eu posso estar enganado, mas estou bem seguro de que existe alguma coisa como a história da música brasileira”. A resposta: “mas é só uma descendente da música européia, enquanto que a musica étnica não é histórica, é antropológica”. Ou seja, para o grande professor tudo o que não é descendente da tradição européia é música étnica e não só não merece uma história como é impossível traçar sua história.

Impossível é tamanha idiotice numa aula da Universidade de Bologna onde todos concordam com o professor, com exceção do pobre brasileiro e do pobre africano aculturados. No caminho para casa continuei pensando. Tudo bem que não exista uma história da música brasileira, latino-america ou africana, mas tenho certeza absoluta que existe pelo menos uma história da musica chinesa ou japonesa, uma civilização muito mais antiga que a européia e que inclusive começou a escrever antes deles. Chego em casa e vou para o Oráculo (Google). Em questão de 0,28 segundo me aparece a história da música japonesa, com documentos que vão desde o período Nara (710 a 794), passando pelo Heian (794 a 1185), Kamakura (1185 a 1333), Muromachi (1333 a 1568), Azuchi-Momoyama (1568 a 1600), até o período Edo (1600 a 1868). Isso tudo me pareceu bem histórico, inclusive com escolas musicais bem definidas muito mais antigas que as assinaladas pela historiografia musical européia.

Depois de me deleitar com a história da música japonesa, que é filha da chinesa, ou seja, uma história jovem, fui procurar alguma coisa sobre o nosso Brasil. Mais 0,14 segundo de internet e encontro o livro “História social da música popular brasileira”, de José Ramos Tinhorão. No caso o pesquisador faz uma análise da influência que a música tem no comportamento social (e vice-versa) do povo brasileiro desde o século XVI até os dias atuais. O que me parece também bem pouco etnomusicológico, se podemos dizer assim.

Depois disso, sempre que posso aconselho os amigos europeus a buscarem a humildade. Principalmente nesse momento de crise, onde todo esse maravilhoso castelo (de areia) do conhecimento europeu nos levou a esse buraco sem saída, não só econômico, mas também social e cultural, é importante abrir os olhos para outras experiência e outras realidades. Fica o alerta também para nós, que em vez de nos desgastarmos elaborando teses e mais teses sobre o pensamento europeu, poderíamos concentrar nossa energia em buscar o que temos de mais original na nossa cultura artística, histórica e social e transformar isso na nova filosofia brasileira e latino-americana.

terça-feira, março 01, 2011

Medalhista

A internet é mesmo fantástica. Fui procurar o significado da palavra hipostatização. O dicionário Michaelis do UOL, que está nos favoritos, não me deu nenhum resultado. Então parti para o oráculo (Google) e digitei: hipostatização. Apareceu uma lista de sites com textos onde aparecia a tal palavra, mas nenhum com uma explicação sobre seu real significado (imagino que os autores dos textos realmente a usavam por repetição, sem saber o que significa). Então digitei: hipostatização dicionário. De fato apareceu um blog onde o autor de um texto, no fim, colocava a definição de hipostatização segundo o dicionário Houaiss:

“segundo a reflexão moderna e contemporânea, equívoco cognitivo que se caracteriza pela atribuição de existência concreta e objetiva a uma realidade fictícia, abstrata ou meramente restrita à incorporalidade do ser humano”.

Depois de pensar como isso poderia ser encaixado no texto de Adorno “A filosofia da música moderna”, voltei para o computador e me deparei com o tal do blog onde tinha achado a definição da palavra. Foi aí que começou toda a diversão que me levou a formular a frase: “a internet é mesmo fantástica”.

Para começar, o site se chama “Liberal Space: Blog de Eduardo Chaves”. Ao lado do nome uma pequena frase, “Em defesa da liberdade”, e logo abaixo a foto de uma piscina gigante em meio a árvores exóticas no jardim de uma mansão, provavelmente uma chácara de fim de semana, já que não se vê nada além de colinas verdejantes no horizonte. O texto que apareceu, porque constava a palavra hipostização, se chama “O mercado (I)”. Me prestei a ler, só por curiosidade. Começa falando de uma reunião entre Margareth Thatcher e Mikhail Gorbachev, onde o russo perguntou pra velha o que ela fazia para garantir a alimentação do povo britânico. “Nada, respondeu assustada a Dama de Ferro, o mercado se encarrega disso”. Eis que através desse exemplo, o medalhista* Eduardo Chaves começa a falar da cidade de São Paulo. Nada melhor do que as palavras do próprio autor para se ter uma idéia de sua teoria:

“Os críticos da economia de mercado parecem imaginar (pelo menos é o que suas falas sugerem) que o mercado é algum misterioso e sinistro ser que age nos bastidores para garantir que os ricos tenham o que querem e os pobres não tenham o de que precisam. (...) Mas o mercado não é nenhum agente misterioso e sinistro. O termo se refere apenas à totalidade das iniciativas de troca, compra e venda que nós todos fazemos. (...) Imaginemos a cidade de São Paulo. No mínimo dez milhões de pessoas ali vivem. Entre outras coisas, essas pessoas precisam se alimentar todos os dias. Um indivíduo à la Gorbachev se indagaria: “Que providências são tomadas para que esse povo todo tenha o que comer todos os dias?” – imaginando, naturalmente, que alguém tomaria essas providências: uma pessoa ou um comitê de pessoas. Mas a realidade é que ninguém toma essas providências de forma centralizada.(...) A tarefa é realizada porque milhões de produtores e distribuidores de alimentos, cada um cuidando de seus interesses, sabe que as pessoas nessa enorme cidade precisam se alimentar e se encarregam de disponibilizar os alimentos para a população – por um preço, naturalmente. Como diria Adam Smith, e Mikhail Gorbachev, pela sua pergunta, concordava com ele, tudo parece acontecer “como se” uma “mão invisível” efetuasse o planejamento, controle e coordenação da produção e distribuição de alimentos para a população. Como na União Soviética ele era o responsável último pelo planejamento, controle e coordenação da produção e distribuição de alimentos para a população, e não estava conseguindo cumprir a contento sua tarefa, ele imaginou que, na Inglaterra, a “mão” que fizesse isso fosse a de Thatcher… Já seria notável que toda uma população de no mínimo dez milhões de pessoas tivesse algo básico com que se alimentar todos os dias: pão e leite, digamos. Mas não: as pessoas têm uma incrível escolha de bens e serviços que atendem não só às suas necessidades básicas mas aos seus desejos mais diferenciados e sofisticados. Há alimentos frescos, congelados, desidratados, em latas, orgânicos, tipicamente brasileiros, dos diversos estados brasileiros, e, também, americanos, chineses, japoneses, italianos, mexicanos, franceses, libaneses, indianos, etc. As pessoas podem comprar os ingredientes e fazer sua própria comida ou podem comprar a comida já pronta – em restaurantes, lanchonetes ou mesmo de ambulantes, ou para consumo em sua própria casa, mediante “delivery”.”

Essa última parte foi grafada porque é realmente uma peça de gênio. Um gênio que provavelmente vive no seu escritório da Avenida Paulista e não faz a menor idéia de que uma boa parte da população da querida cidade de São Paulo PASSA FOME, e essa é uma necessidade de um mercado do luxo para a burguesia como o descrito pelo ilustre Eduardo Chaves. Já não me divertindo muito com a experiência, fui dar mais uma vasculhada no tal do blog. Entrei no link “Sites Liberais”. Voltou a alegria. Entre sites oficiais de grandes nomes como o adorado Adam Smith, estão pérolas do naipe de “Capitalism Magazine”, com o comentário “excelente revista online só de artigos liberais”, ou “Capitalism Site”, com o comentário obvio de “vale a pena conferir”. Fiquei só um pouco chateado porque não tinha um link para a revista Veja, mas pensando bem, o tal periódico pode ser considerado muito fascista para um liberal desse quilate.

Enfim, eu não estaria escrevendo tudo isso se o medalhista de ouro Eduardo Chaves fosse um Zé Ninguém. Mas a um certo ponto comecei a me perguntar quem seria esse ser, e a resposta veio mais uma vez do oráculo:

“Sou Eduardo Chaves, Professor de Filosofia da Educação, Filosofia Política e Teoria do Conhecimento na UNICAMP, especialista no uso de tecnologia na educação, empresário, são-paulino, amante de música antiga (tanto brasileira, como americana e francesa) e de bons filmes, liberal em política (liberal clássico, laissez-faire, não neo-liberal)”.

Esse é o problema. Meus pobres colegas estudantes de filosofia da Universidade de Campinas são obrigados a ouvir babaquices do tipo que todo mundo se alimenta bem em São Paulo por causa da benevolência do mercado. Tornei ao blog, só para fechar a janela e nunca mais olhar para esse tipo de coisa e um último pensamento me veio à mente. A pequena frase “Em defesa da liberdade” significa a defesa da liberdade dos empresários de ter uma piscina numa mansão longe, muito longe, da realidade do povo brasileiro. E eu concordo com isso, ele só não precisava era sair de lá para ensinar idiotices numa renomada Faculdade de Filosofia.

*Medalhista é uma gíria cunhada em parceria com o amigo Lúcio Sassi e significa um personagem com idéias ou ações tão absurdas ao ponto de receber uma medalha que pode ser de ouro, prata ou bronze segundo nosso critério de idiotice.