A Europa é o centro do mundo; dos europeus. A sua cultura é fantástica, mas justamente pela sua grandiosidade deveria ser mais humilde.
Esse raciocínio começa no Museu da Música de Bologna, que é considerada pela Unesco como a “capital européia da música”. Ali estão reunidos principalmente os artigos colecionados pelo Padre Martini, considerado pelos europeus como o primeiro estudioso a formatar alguma coisa parecida como uma história da música. A coleção realmente é fantástica. Entre outras coisas descobri que Mozart (sim, o grande Wolfgang Amadeus Mozart) morou a duas quadras da onde moro hoje por volta de 1770, quando tinha entre 14 e 15 anos, e veio a Bologna estudar musica por indicação do Padre Martini. No museu estão expostas suas primeiras partituras, escritas a mão, junto com cartas a outros compositores e amigos, como Johann Christian Bach, filho do velho Johann Sebastian, que era seu colega de estudos. Além de instrumentos extintos o museu também tem uma coleção de livros, entre eles o primeiro livro de música impresso na história (da Europa), que data de 1501.
É uma história riquíssima, sem dúvida. Eu mesmo fiquei emocionado ao descobrir tanta coisa e me senti imerso em um mundo de cultura que, sinceramente, jamais imaginei assim tão perto. Por isso aproveito casa momento para enriquecer meu repertório e fruir dessa imensa quantidade de opções que o Velho Continente oferece.
Isso porém, causa um efeito ruim nos nossos amigos europeus. Eles tendem a considerar só o que é seu como válido. A única filosofia é a filosofia ocidental européia; a única música é a música européia; a única cultura é a cultura européia. Uma prova?
Estou eu na aula de Filosofia da Música, no Departamento de Artes e Espetáculo da Universidade de Bologna. O professor começa a falar sobre a importância do conhecimento histórico da música para entender seu desenvolvimento como ciência e arte desde os gregos até hoje. Fala do Padre Martini e de como a consciência historiográfica da música é tardia, assim como sua emancipação do estudo de matemática e filosofia. A um certo ponto, começa uma inquietação. Um colega ousa levantar a mão. “Professor, mas estamos falando só de música européia no caso, não é?”. A resposta: “a única música que se presta a uma historiografia decente é a européia, porque é a única registrada”. Minha vez de levantar a mão: “bem professor, eu posso estar enganado, mas estou bem seguro de que existe alguma coisa como a história da música brasileira”. A resposta: “mas é só uma descendente da música européia, enquanto que a musica étnica não é histórica, é antropológica”. Ou seja, para o grande professor tudo o que não é descendente da tradição européia é música étnica e não só não merece uma história como é impossível traçar sua história.
Impossível é tamanha idiotice numa aula da Universidade de Bologna onde todos concordam com o professor, com exceção do pobre brasileiro e do pobre africano aculturados. No caminho para casa continuei pensando. Tudo bem que não exista uma história da música brasileira, latino-america ou africana, mas tenho certeza absoluta que existe pelo menos uma história da musica chinesa ou japonesa, uma civilização muito mais antiga que a européia e que inclusive começou a escrever antes deles. Chego em casa e vou para o Oráculo (Google). Em questão de 0,28 segundo me aparece a história da música japonesa, com documentos que vão desde o período Nara (710 a 794), passando pelo Heian (794 a 1185), Kamakura (1185 a 1333), Muromachi (1333 a 1568), Azuchi-Momoyama (1568 a 1600), até o período Edo (1600 a 1868). Isso tudo me pareceu bem histórico, inclusive com escolas musicais bem definidas muito mais antigas que as assinaladas pela historiografia musical européia.
Depois de me deleitar com a história da música japonesa, que é filha da chinesa, ou seja, uma história jovem, fui procurar alguma coisa sobre o nosso Brasil. Mais 0,14 segundo de internet e encontro o livro “História social da música popular brasileira”, de José Ramos Tinhorão. No caso o pesquisador faz uma análise da influência que a música tem no comportamento social (e vice-versa) do povo brasileiro desde o século XVI até os dias atuais. O que me parece também bem pouco etnomusicológico, se podemos dizer assim.
Depois disso, sempre que posso aconselho os amigos europeus a buscarem a humildade. Principalmente nesse momento de crise, onde todo esse maravilhoso castelo (de areia) do conhecimento europeu nos levou a esse buraco sem saída, não só econômico, mas também social e cultural, é importante abrir os olhos para outras experiência e outras realidades. Fica o alerta também para nós, que em vez de nos desgastarmos elaborando teses e mais teses sobre o pensamento europeu, poderíamos concentrar nossa energia em buscar o que temos de mais original na nossa cultura artística, histórica e social e transformar isso na nova filosofia brasileira e latino-americana.
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