O terror do artista é o papel em branco. Necessidade e medo do primeiro risco. A mão treme. Suor sob os olhos. Uma gota que escorre pela testa e desvenda caminhos entre a vasta barba, um pouco negra, um pouco branca. Não cai jamais. O lápis suspenso no ar. Força; coragem. A mão treme. O vazio do branco se desdobra pela imensidão do nada. Porque não deixar tudo como está? Nada. Que coisa diz o nada?
E o que ela está fazendo ali? Nessa gigantesca rua de terrenos vazios. Cercas de arame que dividem o abandono. Galpões de riquezas passadas. O lixo que tem vida própria, escolheu esse canto miserável da cidade para viver. Ela sentada na sarjeta. Segura a cabeça como que prestes a perder a paciência. Sorri. Um sorriso idiota de escárnio conhecido.
Mas o que ela está fazendo ali? Com cabelos negros e cacheados que balançam a ventos antigos. Se levanta. A saia longa, a camiseta rasgada, um seio à mostra. Flutua para o pátio e sequer encosta os pés brancos como a lua nas chapas de compensado. O pó marrom mal se mexe. O ar parado. A penas um sopro no ouvido.
Professor, professor.... ao suor se juntam as lágrimas. O braço ainda no ar. O medo de um rico errado. Os olhos semicerrados. O coração que bate apenas por obrigação. O estômago recorda suas úlceras. Os joelhos começam a perder a força.
As paredes de madeira crua parecem não acreditar quando ela entra. Nenhum som. Nenhum rangido do chão de cupins. Os lençóis gordurosos bem estendidos não demonstram nenhuma marca, nenhum sangue. Saudade de quando eram brancos. Saudade de perfume. O ar parado. Apenas um sopro no ouvido.
Professor, professor.... a mão firme. Um impulso de coragem. A tela branca recebe finalmente seu risco. Vermelho. Um único golpe. A realização da arte. A última arte. A morte com um lápis no centro do coração cansado, vazio, pobre, imundo e, finalmente, livre.
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