Não é que eu seja exatamente contra o trabalho em si. Na verdade sou contra ir para o trabalho. Tento me explicar. O que realmente eu não gosto é da obrigação de estar num lugar a maior parte do tempo da tua vida, fazendo coisas que não queria fazer naquele momento, para poder pagar pelas coisas que realmente quer fazer e que ocupam a pequena porcentagem que resta da nossa vida. Ou seja, quando digo que sou contra o trabalho, digo que sou contra o conceito de opressão que carrega essa palavra. E é o tipo de coisa da qual a gente não consegue se desapegar. Por acaso o objetivo da vida não seria viver sem ter que trabalhar? Os meus amigos gregos do século VI, V e IV a.C. pelo menos pensavam assim. E toda a história de escravidão e exploração da força de trabalho, o que é senão a vontade que uns têm de não trabalhar? Agora, se isso é uma coisa realmente assim tão boa que essas pessoas empregam toda a sua força para isso, então a vagabundagem deveria ser um direito universal do homem. Mas seria possível um mundo onde as pessoas não fossem obrigadas a trabalhar? Um mundo como o nosso talvez não, mas por acaso as máquinas não foram criadas para libertar a humanidade do trabalho? E somos tão apegados ao conceito do trabalho que acabamos criando novas ocupações para absorver a massa que perdeu seu emprego para as máquinas. Em vez de correr para a liberdade, nos criamos novas prisões. Podem até dizer que tem gente que gosta do que faz, mas pra mim é impossível alguém que goste de fazer exatamente a mesma coisa 80% do seu tempo, isto é: trabalhar. Eu gosto de ser jornalista, por exemplo, mas ter que ir pro trabalho todos os dias é uma merda. Quem realmente gosta de ir pro trabalho todos os dias tem um problema, o que costumamos chamar de vício, que é uma doença. Mas voltemos à nossa pergunta: seria possível um mundo sem trabalho? Onde as pessoas pudessem fazer só aquilo que tivessem vontade? Daria certo um tal mundo? Eu não faço a menor idéia. Mas boto a maior fé de que a gente poderia pelo menos tentar.
Filosofia de bar, jornalismo de estrada e tudo o que existe de mais baixo em termos de letras
segunda-feira, setembro 26, 2011
quarta-feira, setembro 21, 2011
Pose de mau
Entrada apoteótica no bar, já em vias de embriaguês, por volta da 1h da madrugada. Babilônia. Brasileiros, mexicanos, bolivianos, alemães, estadounidenses, espanhóis e quatro ou cinco italianos. O barman nem pergunta e já vai servindo a Weiss no maior copo que tem. No som, Beatles a todo o volume. Um dos italianinhos olha o bocão na minha camiseta e resolve abrir o seu:
- Aí meu, Beatles é muito melhor que Rolling Stones.
E para a música. Quase silêncio absoluto nas arquibancadas. Expectativa. Olho aquele sorriso imbecil na cara do moderninho e não me agüento:
- Isso é porque tu tem MEDO dos ROLLING STONES!
Fechou a cara e vazou. O barman quase se mija de tanto rir. A torcida ainda comemora quando recomeça o som. E continua nos Beatles. O que não tem problema nenhum, porque eu sou Beatles (e sempre devo lembrar a cara furiosa do velho Jaça gritando: “tu é Beatles guri! Tu é Beatles!).
Mas que é muito mais divertido posar de mau com os Rolling Stones... ah, isso é!
quinta-feira, setembro 15, 2011
Os malditos problemas do mundo
O hábito de escrever serve também para clarear as dúvidas. Não que se possa resolver o problema; é melhor dizer que o transformamos em um problema mais concreto. No caso se trata de temas banais, como os problemas do mundo (e é sempre bom lembrar a genial frase do conterrâneo que diz que “resolver os problemas do mundo é coisa de vagabundo, o que é uma absoluta verdade sendo que há poucos minutos o sofá era o lugar ideal para esse tipo de reflexão). O problema básico é tentar descobrir por que o sistema não funciona. Por exemplo: todos sabemos que neste nosso belo mundo existem pessoas que morrem de fome. Digamos que ninguém em sã consciência pode (uma questão ética, mas que seja só por aparência) dizer que acha isso normal, ou que não se sente incomodado por este triste fato da nossa realidade. Hoje sabemos também por que isso acontece: a abundância e desperdício de uns é a miséria de outros. Com estes dois dados em mãos poderíamos facilmente encontrar uma solução: repartir melhor o que temos. Mas dessa reflexão surge o grande problema da humanidade, isto é: conhecemos nossos problemas, conhecemos suas causas, conhecemos a solução e... ninguém faz absolutamente nada! Não sou ingênuo de negar todas as complexas relações sociais que estivemos desenvolvendo nos nossos, digamos, últimos 10 mil anos de história. Mas o “grande problema” é um pouco desconcertante. É como se eu estivesse com uma grande dor nas costas, soubesse que é por causa da posição completamente esdrúxula que sustento em frente ao computador, soubesse que basta me ajeitar para resolver o problema e ainda assim preferisse ficar com a dor. O lance não é que devemos parar de ir a bons restaurantes, de encher a cara, de ir a belos concertos, de viajar, ou qualquer outra coisa que notoriamente nos dá prazer. De uma certa maneira a solução é justamente fazer as coisas que nos dão prazer. Ou refletir sobre o que é prazer. Por exemplo, olhar um extrato bancário de, sei lá, 15 milhões de dólares pode ser muito prazeroso para alguém. Mas a pergunta é: isso faz diferença na vida de quem é dono de tal extrato? Muito provavelmente não, porque tudo o que se faz com 15 milhões se faz igual com, digamos, a metade disso. O problema é que no nosso mundo atual, essa metade acumulada significa que provavelmente mais uma pessoa vai morrer de fome. E é de se imaginar que o feliz proprietário dos 15 milhões se incomode um pouco pela existência dos mortos de fome, nem que seja por causa do mala do mendigo que pede uma moeda na rua, ou do filha da puta que lhe rouba a carteira. Ou seja, ele vive em meio a um problema criado por ele mesmo. E isso fazemos, bem ou mal, todos nós. Mas enfim, eu sou só um vagabundo sentado no sofá da sala, o que sei eu dos problemas do mundo...
terça-feira, setembro 13, 2011
Só na Itália
A Itália é um país engraçado de tão estranho. Como diz o camarada carioca, é realmente o lugar onde os postes mijam nos cachorros. Vamos aos fatos.
Agosto é o auge do verão e absolutamente todo mundo tira férias. Não é como no Brasil que as lojas, por exemplo, fazem um rodízio do pessoal mas ficam abertas. Aqui fecha e deu: um mês de folga geral. Mas, como em qualquer lugar do mundo, tem sempre um buteco aberto. Uma das ruas boêmias aqui de Bologna se chama Via Del Pratello, e era pra lá que íamos em busca de uma cerveja gelada e um pouco de calor humano, já que a cidade estava completamente deserta. Mas tinha um problema: o bar fechava cedo, segundo o dono porque “sabe como é, com pouco movimento não vale a pena ficar aberto”. Eis que termina o verão e volta todo mundo. Multidão pelas ruas, a Praça San Francesco (tradicional ponto de encontro) tomada, gente que chega nova na cidade para estudar, enfim, confusão. E surge o boato de que no último sábado seria a famosa “noite branca” da Via Del Pratello. Não, eles não distribuem cocaína pra galera, mas os bares, teoricamente, ficam abertos a noite toda (a regra diz que eles devem fechar às 3h). Encontramos a turma aí pela meia noite na praça, tomamos a bira barata que cada um trouxe nas mochilas e vamos pro bar. O movimento na rua é intenso mas alguma coisa não está certa. Sim, as portas estão fechadas. De todos os bares. Um pouco sem saber o que estava acontecendo vamos ao nosso buteco tradicional para nos informar. O dono nos olha e tem a coragem de dizer: “sabe como é, é muito movimento e a gente não tem como trabalhar assim”. Mas na semana passada o cara tava reclamando que tinha pouco movimento! E alguém já viu por acaso, em algum lugar do mundo, um bar que fecha porque tem muito movimento?! Não, só na Itália.
Eu e a velha compramos os ingressos para o show do Bob Dylan com Mark Knopfler em Firenze. Um show como esse exige certamente uma preparação adequada. Então fomos à biblioteca e pegamos alguns DVDs e livros sobre a carreira do Bob Dylan, assim podemos organizar e estudar melhor o material que temos em casa. Entre esses, o mais adaptado à nossa missão parecia ser um tipo almanaque dylaniano que percorre toda sua obra, disco por disco, com comentários. O problema é que o livro foi escrito por um italiano. E ele é um daqueles tipos chatos que de tão entendedor de alguma coisa acaba perdendo o gosto por ela. E pior ainda, é o tipo de fã do Bob Dylan que só gosta das músicas dos anos ’60. E por isso, do álbum Nashville Skyline em diante são só críticas. Algumas pérolas: “o álbum tem muitas guitarras” (sobre o Desire), “O ábum vende bem e há uma certa dignidade” (sobre o Slow Train Coming), “o disco contém canções nada memoráveis” ( sobre o Saved), “é um dos pontos mais baixos da carreira de Dylan” (sobre Dylan and The Dead, dico ao vivo com o Greatful Dead), e por aí vai. Ou seja, o cara escreveu um livro quase só para falar mal do Bob Dylan, sendo que o objetivo era ajudar nas vendas dos relançamentos dos discos em CD. Alguém já viu uma coisa dessas? Não, só na Itália.
Essas são apenas algumas situações. Existem tantas outras, como quando tu chega na Questura para pedir o permesso de soggiorno, o cara olha a multidão e pergunta: “o que vocês estão fazendo aqui?”, e por aí vai. Mas no fim é um bom lugar pra viver, porque o absurdo é tão absurdo que se torna engraçado. O problema (para eles) é que se acostumaram tanto com o absurdo da sua vida cotidiana que já nem se importam com as coisas sérias, como por exemplo ter um Berlusconi no comando do país. A minha impressão é que um dia a casa vai cair feio aqui e eles não vão ter como apelar pros States, porque a casa vai estar caindo lá também. E a história já nos mostrou várias vezes o que acontece em momento de crise.... bem, mas isso é já outro papo.
terça-feira, setembro 06, 2011
A impossibilidade das respostas
Há pouco mais de dois meses comecei a viagem pelo mundo da filosofia antiga; antiga mesmo, já que tenho me dedicado aos pré-socráticos, os filósofos que viveram antes de Sócrates. Uma bela e divertida viagem. Alguns episódios são hilários, como nosso amigo Ferecides de Siro, que morreu consumido pelos piolhos. Reza a lenda que seu amigo Pitágoras ficou sabendo da sua doença e foi a Delos visitar o antigo maestro. Quando bateu na porta de sua casa e pediu para entrar o Ferecides só mostrou o dedinho em carne viva por uma fresta da porta e disse: “vaza nego!”. Mas segundo Aristóteles, o primeiro filósofo, em todo o sentido da palavra, foi o Tales de Mileto. Esse gostava de estudar as estrelas e se fazia mais ou menos a mesma pergunta que todos nos fazemos quando estamos bêbados na praia olhando o céu: “como é que pode?”.Eis que um dia nosso amigo Tales caminhava olhando o firmamento e cai num buraco. Uma escrava que passava por ali tirou uma onda: “vocês filósofos são engraçados, se preocupam com o céu e não sabem o que têm na frente do nariz!”. Ele morreu enquanto assistia aos jogos da 58 Olimpíada, uns dizem que por causa do calor, outros por causa de uma briga de torcidas. Depois da morte seus amigos se conformaram: “ele já não enxergava bem as estrelas, então Zeus o chamou para perto delas”.
Lendas a parte, o interessante é que esses primeiros pensadores (Tales, Anassimandro, Pitágoras, Parmênides, Heráclito....) procuravam nada menos que a explicação de tudo. Isto é, queriam saber como funcionava essa coisa que chamamos de mundo. E o mais interessante é que hoje, 2,5 mil anos depois deles, ainda não temos a menor chance de chegar a uma resposta.
O percurso básico do pensamento começa pela pergunta fundamental: “o que existe?”. E se olhamos ao redor, vemos uma mistura incrível de matéria que se combina em uma infinidade de formas possíveis. Isso já seria problemático por si só, mas essa quantidade de coisas, além de ser quase infinita, ainda por cima se transforma. Então, para descobrir a essência do que existe, nossa tendência foi sempre generalizar, ou seja, busca as regras, o que é comum a tudo e a todos. E aqui temos dois caminhos: ou vamos ao mais minúsculo do minúsculo, ou ao sistema geral do universo. Os antigos percorreram bem esses dois caminhos. Tales e seus sucessores de Mileto buscaram raciocinar sobre um elemento que fosse fundamental no universo. Uns disseram que era a água, outros o ar, e outros uma entidade abstrata que chamaram o Indefinido, ou o Infinito. Para Pitágoras o mundo era formado de números, a essência daquilo que vemos é uma relação matemático-geométrica. Já Heráclito via o mundo formado pela luta entre os contrários, quase como uma sucessão infinita de transformação da matéria sem início e sem fim. Demócrito, por outro lado, desenvolveu a teoria atômica, de que tudo o que existe seria formado de pequenas partículas que se combinam de diferentes formas em um espaço vazio.
Mas como as respostas eram sempre parciais, sempre se podia achar algum defeito nelas, surgiu o que hoje chamamos de metafísica. Este é um dos grande produtos da linguagem humana e funciona mais ou menos assim: se a observação direta dos fenômenos não pode nos dar a resposta, vamos procurá-la no nosso raciocínio. Parmênides, por exemplo, dizia que o “verdadeiro Ser” não está na matéria, é alguma coisa além dessa, tipo uma realidade mais real do que aquela na qual vivemos, porque essa é em contínua transformação. E aí complicou tudo, porque Platão o quase todos que vieram depois procuraram esse mundo perfeito além da realidade sensível no mundo das idéias e, talvez por causa disso, a ciência tenha ficado esquecida durante um bom tempo da civilização Ocidental.
Isso até o aparecimento de homens como Copérnico, Galileu e Newton, que voltaram a olhar para a natureza em busca das suas respostas. Foi o início de tudo o que conhecemos por ciência moderna. Mas a história é tão engraçada, justamente porque parece sempre se repetir. No fim do século XIX e início do XX, todas as antigas certezas foram abaladas pela teoria da relatividade de Einstein e pela física quântica de Heisenberg, Bohr e outros. E a mesma pergunta que se fazia o Tales pelas estradas de Mileto “como é que pode?” nós nos fazemos hoje. Porque se vamos ao mundo microscópico das partículas elementares, vemos que não existe um limite definido entre matéria e pura energia. E se vamos, por outro lado, buscar a origem do universo, também não temos resposta, porque se admitimos um início, como o Big Bang, temos que recorrer à irracionalidade e à idéia de que não saberemos nunca porque estamos aqui; mas se admitimos um universo infinito, temos que admitir nossa incapacidade de conhecer o que aconteceu antes do atual estado de expansão do universo.
Ou seja, os problemas dos gregos antigos, que morriam consumidos pelos piolhos e caíam nos buracos da estrada, são exatamente os mesmos que enfrentam nossos grandes cientistas nos mais avançados centros de pesquisa do mundo.
“Mas e daí?”, se pergunta o cidadão comum em frente a tudo isso. Afinal, seguimos vivendo nossa vida normalmente sem nem sequer pensar nessas coisas. Bem, acho que não é tanto assim. Gostaria de pensar que, mais cedo ou mais tarde, todas as pessoas se colocam a pergunta da existência. E o belo dessa pergunta é justamente a impossibilidade da resposta. Essa é a chave para a humildade que devemos ter como regra para nossa vida. Humildade de saber que o mundo é ainda um mistério e que a natureza não é nossa; nós sequer sabemos como funciona todo o sistema. Humildade de saber que não somos absolutamente nada em frente à grandeza do universo e por isso não podemos nos achar mais importantes que os outros, seja a nível individual, a nível social, ou a nível de espécies de seres viventes. E humildade para reconhecer que enquanto não existe uma só resposta, todas elas são válidas; assim podemos respeitar e conviver em paz com quem pensa diferente de nós.