terça-feira, setembro 06, 2011

A impossibilidade das respostas

Há pouco mais de dois meses comecei a viagem pelo mundo da filosofia antiga; antiga mesmo, já que tenho me dedicado aos pré-socráticos, os filósofos que viveram antes de Sócrates. Uma bela e divertida viagem. Alguns episódios são hilários, como nosso amigo Ferecides de Siro, que morreu consumido pelos piolhos. Reza a lenda que seu amigo Pitágoras ficou sabendo da sua doença e foi a Delos visitar o antigo maestro. Quando bateu na porta de sua casa e pediu para entrar o Ferecides só mostrou o dedinho em carne viva por uma fresta da porta e disse: “vaza nego!”. Mas segundo Aristóteles, o primeiro filósofo, em todo o sentido da palavra, foi o Tales de Mileto. Esse gostava de estudar as estrelas e se fazia mais ou menos a mesma pergunta que todos nos fazemos quando estamos bêbados na praia olhando o céu: “como é que pode?”.Eis que um dia nosso amigo Tales caminhava olhando o firmamento e cai num buraco. Uma escrava que passava por ali tirou uma onda: “vocês filósofos são engraçados, se preocupam com o céu e não sabem o que têm na frente do nariz!”. Ele morreu enquanto assistia aos jogos da 58 Olimpíada, uns dizem que por causa do calor, outros por causa de uma briga de torcidas. Depois da morte seus amigos se conformaram: “ele já não enxergava bem as estrelas, então Zeus o chamou para perto delas”.

Lendas a parte, o interessante é que esses primeiros pensadores (Tales, Anassimandro, Pitágoras, Parmênides, Heráclito....) procuravam nada menos que a explicação de tudo. Isto é, queriam saber como funcionava essa coisa que chamamos de mundo. E o mais interessante é que hoje, 2,5 mil anos depois deles, ainda não temos a menor chance de chegar a uma resposta.

O percurso básico do pensamento começa pela pergunta fundamental: “o que existe?”. E se olhamos ao redor, vemos uma mistura incrível de matéria que se combina em uma infinidade de formas possíveis. Isso já seria problemático por si só, mas essa quantidade de coisas, além de ser quase infinita, ainda por cima se transforma. Então, para descobrir a essência do que existe, nossa tendência foi sempre generalizar, ou seja, busca as regras, o que é comum a tudo e a todos. E aqui temos dois caminhos: ou vamos ao mais minúsculo do minúsculo, ou ao sistema geral do universo. Os antigos percorreram bem esses dois caminhos. Tales e seus sucessores de Mileto buscaram raciocinar sobre um elemento que fosse fundamental no universo. Uns disseram que era a água, outros o ar, e outros uma entidade abstrata que chamaram o Indefinido, ou o Infinito. Para Pitágoras o mundo era formado de números, a essência daquilo que vemos é uma relação matemático-geométrica. Já Heráclito via o mundo formado pela luta entre os contrários, quase como uma sucessão infinita de transformação da matéria sem início e sem fim. Demócrito, por outro lado, desenvolveu a teoria atômica, de que tudo o que existe seria formado de pequenas partículas que se combinam de diferentes formas em um espaço vazio.

Mas como as respostas eram sempre parciais, sempre se podia achar algum defeito nelas, surgiu o que hoje chamamos de metafísica. Este é um dos grande produtos da linguagem humana e funciona mais ou menos assim: se a observação direta dos fenômenos não pode nos dar a resposta, vamos procurá-la no nosso raciocínio. Parmênides, por exemplo, dizia que o “verdadeiro Ser” não está na matéria, é alguma coisa além dessa, tipo uma realidade mais real do que aquela na qual vivemos, porque essa é em contínua transformação. E aí complicou tudo, porque Platão o quase todos que vieram depois procuraram esse mundo perfeito além da realidade sensível no mundo das idéias e, talvez por causa disso, a ciência tenha ficado esquecida durante um bom tempo da civilização Ocidental.

Isso até o aparecimento de homens como Copérnico, Galileu e Newton, que voltaram a olhar para a natureza em busca das suas respostas. Foi o início de tudo o que conhecemos por ciência moderna. Mas a história é tão engraçada, justamente porque parece sempre se repetir. No fim do século XIX e início do XX, todas as antigas certezas foram abaladas pela teoria da relatividade de Einstein e pela física quântica de Heisenberg, Bohr e outros. E a mesma pergunta que se fazia o Tales pelas estradas de Mileto “como é que pode?” nós nos fazemos hoje. Porque se vamos ao mundo microscópico das partículas elementares, vemos que não existe um limite definido entre matéria e pura energia. E se vamos, por outro lado, buscar a origem do universo, também não temos resposta, porque se admitimos um início, como o Big Bang, temos que recorrer à irracionalidade e à idéia de que não saberemos nunca porque estamos aqui; mas se admitimos um universo infinito, temos que admitir nossa incapacidade de conhecer o que aconteceu antes do atual estado de expansão do universo.

Ou seja, os problemas dos gregos antigos, que morriam consumidos pelos piolhos e caíam nos buracos da estrada, são exatamente os mesmos que enfrentam nossos grandes cientistas nos mais avançados centros de pesquisa do mundo.

“Mas e daí?”, se pergunta o cidadão comum em frente a tudo isso. Afinal, seguimos vivendo nossa vida normalmente sem nem sequer pensar nessas coisas. Bem, acho que não é tanto assim. Gostaria de pensar que, mais cedo ou mais tarde, todas as pessoas se colocam a pergunta da existência. E o belo dessa pergunta é justamente a impossibilidade da resposta. Essa é a chave para a humildade que devemos ter como regra para nossa vida. Humildade de saber que o mundo é ainda um mistério e que a natureza não é nossa; nós sequer sabemos como funciona todo o sistema. Humildade de saber que não somos absolutamente nada em frente à grandeza do universo e por isso não podemos nos achar mais importantes que os outros, seja a nível individual, a nível social, ou a nível de espécies de seres viventes. E humildade para reconhecer que enquanto não existe uma só resposta, todas elas são válidas; assim podemos respeitar e conviver em paz com quem pensa diferente de nós.

Um comentário:

Nini disse...

E humildade de aceitar a possibilidade (e porque não?!) dos mortos voltarem do além, que parece ser fruto da nossa imaginação, da nossa sintonia, e nos contar tudinho que estão passando, sofrendo, se remoendo, querendo voltar pra cá e começar tudo de novo... quem encara? Afeee, tudo de novo, se ao menos eu fizesse tudo diferente... ou não... Será?!