É véspera de ano-novo. Em casa, tomando umas cervejas, como nas duas últimas semanas, sem pensar em muita coisa. Talvez um pouco preocupado, porque só tem mais duas latinhas. Sim, a vida é difícil. Principalmente nesses momentos de fim da cerveja. Mas estou aqui, fazendo uma coisa que nunca fiz em minha vida e nunca mais vou fazer: ouvindo o programa Sala de Redação da Rádio Gaúcha. Se a vida já estava ruim, ficou ainda pior depois que começou essa (desculpem a palavra) merda radiofônica.
Imaginava que era um programa sobre futebol, mas os “jornalistas” começaram falando sobre o movimento nas estradas gaúchas. Até que um gênio, talvez o Kenny Braga (tudo bem, é colorado, mas por favor...), diz para o éter radiofônico: “eu não entendo porque as pessoas passam horas na estrada para chegar às praias, eu não faço isso por nada nesse mundo. Por que não fazem isso em qualquer outra época do ano?”. Claro, para quem vive num condomínio e trabalha para a firma com um gordo salário é difícil imaginar esse tipo de coisa. Talvez ele não saiba que essa é a única folga que a turma tem dos seus trabalhos escravos e se submete a qualquer coisa por um pouco de sol ao ar livre e um banho de mar para aliviar o calorão.
Mas ele não parou por aí, e largou outra pérola muito repetida pelos nossos comentaristas do nada: “em compensação Porto Alegre fica maravilhosa nessa época. Não tem ninguém na rua, a cidade fica tranqüila, se pode andar por qualquer lugar sem encontrar aquela multidão”. Eu, como sou um ignorante, fiquei pensando. Por que um homem desses não vai viver na campanha, na cidade de Colorado no interior, ou não se isola num sítio? Claro, assim ele poderia passar o ano inteiro sozinho, e não apenas as duas semanas entre o Natal e o Ano Novo. Mas não, ele insiste em sofrer cotidianamente com o contato com outras pessoas, por apenas duas semanas de paraíso na capital gaúcha.
Tá certo, pra que sofrer. Desliguei o rádio. Os bologneses se preparam para a virada. Tomo os últimos goles e, como eu particularmente gosto do contato com outras pessoas, vou para a praça central da cidade. Uma multidão assiste a um show e se prepara para receber 2011. Já tinham me dito que os italianos loucos comemoram a virada queimando um boneco e quebrando garrafas. O que imaginar disso? Só vendo para crer. E lá estava ele, um sapo gigante, de pelo menos 15 metros de altura, montado ao lado do palco, iluminado por holofotes. Se aproxima a meia noite. 10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1..... e eles tocam fogo no boneco! Nada de fogos,de artifício, fogo no boneco! E barulheira de garrafas quebradas! É bom estar atento para não tomar uma na cabeça. Daqui a pouco bombas, tipo aquelas de jogo de futebol. Sinalizadores de fumaça. Mais garrafas quebradas, o boneco ardendo em chamas, senhoras de idade que se abraçam com crianças, jovens que correm felizes, um indiano nu dança na multidão, um bêbado serve vinho espumante para qualquer um, mais garrafas quebradas, e a polícia não faz nada. Tudo normal. Afinal é gente, e gente reunida faz esse tipo de coisa.
E o Kenny Braga não viu nada. Estava no seu condomínio com meia dúzia de amigos, abriu um Champagne e dormiu cedo, aproveitando a capital vazia. Fazer o quê. Cada um sabe da sua vida. Mas prefiro tocar fogo no boneco e quebrar garrafas com o povo do que viver na solidão do dinheiro e do preconceito.
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