Mundo irracional (III)

A irracionalidade desse nosso mundinho está por todas as partes. É quase (não, tira esse quase) um ditadura do irracional. Mas talvez onde ele esteja mais presente, com sua face mais escancarada, é nas relações de trabalho. Continuamos todos escravos, felizes por termos um pouco de papel no fim do mês. Nos dão o suficiente para a sobrevivência, e basta. Exploração do proletariado? Parece antigo, mas é isso mesmo.

A guria vai procurar emprego. Lhe chamam para fazer um teste como garçonete em um restaurante chique, no centro histórico de Bolonha, uma das cidades mais ricas da Itália. Ela vai e serve mesas, limpa, corre, conversa e é gentil com todos por cinco horas, das 11h da manhã às 4h da tarde. O trabalho é bom, o ambiente agradável, as colegas são boa gente. Depois do serviço vai falar com a proprietária sobre o salário e a forma de pagamento. “Nós pagamos 6 euros por hora”. A moça fica quieta. “Em média são 600 euros por mês, às vezes um pouco mais, às vezes um pouco menos”. A moça continua quieta, porque não quer acreditar no que ouve. Enquanto fala, a proprietária do restaurante segura uma bolsa Louis Vuitton, que custou pelo menos 800 euros. Ou seja, a velha gastou 800 em uma sentada pela bolsa e quer pagar 600 por um mês de trabalho duro. “Me desculpa, mas não podemos pagar mais que isso”. Claro que não. Em um mundo onde uma bolsa vale muito mais que uma pessoa não sobra dinheiro para pagar um salário justo aos trabalhadores.

Essa história se repete em praticamente todo o mundo, em qualquer tipo de negócio. É a prova de que vivemos em um mundo irracional e, sem saber por que, estamos acostumados com isso. Como chegamos a esse ponto? Sim, existem explicações. Mas nenhuma consegue convencer àqueles que simplesmente param para pensar. Ah, se o mundo pudesse parar, só um dia, para pensar.... “Pare o mundo que eu quero descer!”.

P.s: Esse vídeo é muito importante. Mostra a luta dos povos do Xingu contra a destruição de sua terra. Reiteramos as mesmas frases do último texto: FLORESTA NÃO É RIQUEZA e PROGRESSO NÃO É CRESCIMENTO ECONÔMICO.

E no fim...

...o idiota era eu. Alguns dias atrás escrevi sobre o europeu idiota, basicamente uma discussão entre um brasileiro orgulhoso de sua pátria e um alemão que, bem, um alemão é sempre um alemão. O problema é que deixei falar o coração ao fazer uma defesa do bravo povo brasileiro que protege suas florestas da ganância e das motosserras das multinacionais norte-americanas e européias. Os eventos da última semana comprovam que errei feio. Nosso congresso aprovou um código florestal que é quase um convite a todos os derrubadores de árvore do mundo a se juntarem a nós brasileiros para acabar de uma vez com todas as florestas. A intenção do governo era nobre, mas o tiro saiu pela culatra depois da manobra jurídico-política que acrescentou a emenda no projeto onde são perdoados os desmatadores, onde as áreas já derrubadas devem ficar assim mesmo e os atuais proprietários podem continuar usando suas terras como quiserem. Tudo isso dentro de áreas consideradas de preservação.

Se nós temos o sonho de mudar o Brasil, temos que começar por esse tipo de coisa. Em primeiro lugar, A FLORESTA NÃO É RIQUEZA. Enquanto continuarmos repetindo isso, vão continuar querendo usufruir e tomar posse dessa riqueza. A flores é floresta; e ponto. É a casa, o habitat de milhares de espécies, inclusive do homem. É nada mais, nada menos que VIDA, em todos os graus e conceitos que giram em torno dessa palavra. Em segundo lugar, PROGRESSO NÃO É CRESCIMENTO ECONOMICO. A geração de riquezas passa pela exploração dos recursos naturais que ainda nos restam. O importante, e é o que devemos nos dar conta, é que não precisamos de mais riquezas nesse sentido antigo e opressor da palavra. O crescimento econômico só engorda o bolso de mais ou menos 200 famílias do Brasil, enquanto o povo continua sendo escravizado com a ilusão de poder comprar um carro e uma casa. Progresso é a consciência de saber que com o que temos é possível que todos vivam bem nesse mundo. Progresso é o uso da razão em busca de uma sociedade mais justa para todos.

Enquanto não percebermos isso seremos todos um bando de idiotas.

O Messias

Hoje conheci o Messias. Obvio, em frente a uma igreja. Ele me encarou, com seus olhos azuis, sua barba mal feita, e me pediu 40 centavos. Por causa disso, no começo não imaginei que fosse o sucessor do nosso amigo Jesus. Talvez um outro mendigo qualquer, mais um dos esfomeados que circulam pela grande Europa. Mas ele não se alongou muito na questão do dinheiro. Partiu súbito para uma análise sobre a realeza britânica. Um Messias tem que ser uma pessoa bem informada. “Eu não confio nessa Kate, dentro de no máximo dez meses eles estarão separados. Não casaram por amor.” Com certeza uma previsão importante para a humanidade. Se o casamento ocupou páginas e páginas dos jornais, imagina o divórcio. “A princesa Diana sim que era quase uma divindade. Não é à toa que morreu logo depois de encontrar a Madre Teresa de Calcutá. Ali ela viu que não pertencia a esse mundo.” É, a realeza realmente não é desse mundo. Mas e a história do messias? Num súbito giro de argumento ele começa a contar sua experiência mística. Primeiro foi Jesus, em pessoa, que disse: “tu és o meu sucessor, o Messias que trará a paz a esse mundo”. Depois Maria, sua mãe, confirmou a profecia. E o que faz alguém que recebe esse tipo de notícia? Óbvio: vai comunicar ao Papa de sua presença. Foi aí que ele descobriu que na Santa Igreja Católica existe um complô para matar toda e qualquer pessoa que possa receber a comunicação divina. Eu não saberia explicar melhor.

“Era o dia 20 de abril quando cheguei na Catedral de São Pedro, às 10h 26 da manhã. Pedi para falar com Sua Santidade e me encaminharam para um assessor dele. Ele estava presente na mesma sala, podia me ouvir, mas não dirigiu a palavra. Expliquei a situação e em vez de me receberem mandaram a guarda suíça me tirar do Vaticano. Ainda por cima fizeram tudo cronometrado para que eu perdesse o meu ônibus. Esse não é o problema, já que se sabe que a Igreja não quer a vinda do novo Messias, eu. A questão é que eles contrataram um matador para me eliminar. Quando cheguei em Bologna esse matador me encontrou. Ele não tinha arma de fogo, mas uma bolsa marrom onde guardava várias agulhas banhadas em veneno. Uma coisa tão potente que em menos de uma hora e meia já se está morto. Mas ele não teve coragem de me matar. Disse que ia ligar para a Santa Sé e dizer que não tinha me encontrado. Isso prova que existe um grande complô dentro da igreja para que não possa viver o novo messias. Um outro homem, na Rússia, também recebeu a mensagem de Jesus e o que eles fizeram? Mataram o pobre coitado.”

Meu Deus do céu, obrigado por ter me concedido essa graça e por não terem matado o Messias. Ainda mais porque ele me disse que eu tenho a visão, a percepção cósmica. Mas entre tudo isso, a notícia mais importante é que o mundo não vai acabar em 2012, como todos nós acreditávamos. A data certa é 29 de maio de 2019. Até lá terei tempo de me preparar e me arrepender de todos os meus pecados.Mas uma coisa eu ainda não consegui entender. O que pode fazer o Messias com 40 centavos além de comprar uma cerveja de 37 centavos, a mais barata do mundo, no mercado da esquina?

A tragédia dialética musical do mundo

Depois de duas semanas de estudo sobre a tragédia grega, tudo na vida se transforma em tragédia. E reforça o estudo anterior sobre Adorno; tudo na vida se transforma em tragédia dialética. E se quiser ainda reforça o estudo sobre a Filosofia da Música; tudo na vida se transforma em tragédia dialética musical.

A pergunta que sempre fazem: “ta, bonito esse teu discurso do contra, mas como se resolve a situação?”. Não sei. E acho que nem tem como. Essa é a tragédia do conhecimento: consciência e percepção das coisas que estão erradas e completa confusão sobre o que seria o certo. A pergunta, a maldita pergunta faz as noites virarem horas de angústias e os dias em olheiras cegas e surdas que vagam em meio à gente, às máquinas, às construções. Nada de respostas. Talvez ainda mais perguntas, mais problemas. E se torna à tragédia, à libertação no ritual dionisíaco do bar, entre copos e discursos que apenas saem da boca e perdem todo o seu sentido.

A tragédia dialética é geral. Resumo: o mundo condiciona o indivíduo que condiciona o mundo. E dessa magnífica quase certeza surge a total impossibilidade de responder à maldita pergunta. É a análise prática e lógica que mostra a impossibilidade. Se a base é a educação, essa tem lá suas duas faces: social e individual, que também se influenciam reciprocamente. Numa estrutura minimalista temos comunidade – família – indivíduo, que também pode ser lida como indivíduo – família – comunidade. E assim se perde toda e qualquer tentativa de estabelecer de onde sai o poder de influência. O indivíduo idealmente consciente forma sua família idealizada, que por sua vez é a base de uma sociedade utópica. A educação pode se transformar revolucionariamente através de uma simples mudança: eliminar a afirmação negativa, a opressão, e substituí-la pelo questionamento, a razão. A criança faz alguma coisa que se julga errada pelos critérios humanos e sociais. Em vez do opressor “não, isso é errado”, o pai pergunta “por que fazer isso?”. Assim começa a tomada de consciência a respeito dos padrões de convivência. Mas quais são esses padrões? Serão os padrões da sociedade? E assim se volta ao início da questão, porque a sociedade estabelece os padrões. Mas os padrões sociais são aqueles que os indivíduos exercer reciprocamente, e essa seria a chance de mudança. Mas numa sociedade que oprime e controla as consciências individuais, como aplicar a mudança?

Esta é a nossa grande tragédia dialética. Não temos como fugir, temos que agir, mas sem perspectiva alguma de qualquer mudança significativa. E a música, o que tem a ver com isso? Sim, nossa arte fundamental guarda em si o potencial de mostrar toda essa complexa rede de situações recíprocas e portar em si a revolucionária tomada de consciência. Mas o destino da música também é trágico, como todo e qualquer produto humano. Um exemplo? Nosso amado Rock’n’Roll, no seu momento de mais alta expressão artística, de poder revolucionário (Jim Morrison, Raul Seixas, Bob Marley, Bob Dylan, John Lennon, etc.), era ao mesmo tempo um produto de consumo exibido nas vitrines de todo o mundo. O sistema se encarregou por si de esvaziar qualquer potencial explosivo da expressão artística.

Hoje, no nosso vazio artístico geral, as potencialidades são ainda mais raras. A situação é cada vez mais difícil de ser resolvida. E talvez daí possa surgir nossa esperança. Da opressão deve, se a natureza humana e a lei universal da natureza continuam valendo, surgir a esperança. O novo só pode surgir do velho, da luta contra o estado de coisas, da luta pela vida na sua grande expressão. Sabe-se lá quantas guitarras ainda terão que ser quebradas até o surgimento do novo, mas o importante é continuar tentando.

Ao deus Baco (Dionísio)

A sabedoria dos gregos é algo de impressionante...

“Este ser divino, o filho de Zeus,

Se alegra com banquetes,

Ama a paz:

Essa deusa que porta riquezas, que nutre os jovens.

Ao rico e ao pobre, igualmente,

O deus concede

A alegria do vinho, que afasta a dor:

E o deus odeia quem não ama essas coisas:

Na luz do dia, nas amadas noites,

Viver uma vida serena:

Afastar com sabedoria o coração e a mente

Dos homens soberbos:

Esta fé, que o povo simples

Compartilha e pratica, eu quero aceitar”

Euripide, As Bacantes

O europeu idiota

Uma ótima frase, uma pergunta. O cara chega no vendedor de bebidas e diz: “tu que vende a bebida, o que te compra de melhor?”. Ao mesmo tempo que são capazes de formular essas pequenas genialidades, os europeus são um bando de idiotas. Mesmo os inteligentes não conseguem conceber um mundo inteligente fora da Europa. Ontem a discussão era sobre a preservação do meio ambiente, e começou mais ou menos assim:

- Malditos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

- Como assim?

- Agora que estão crescendo, que têm o poder, não querem aceitar as regras internacionais de preservação ambiental. Vão acabar com o pouco de natureza que ainda resta.

- Quer dizer que a culpa agora é nossa?

- Bem, nós destruímos a nossa natureza, vocês podiam pegar isso como exemplo e parar de destruir.

- Tu é ignorante ou faz de conta que é?

- Por quê?

- Como se fossemos nós brasileiros que destruímos a natureza do Brasil. Fazem 511 anos que vocês europeus chegaram lá e toda essa história é a história da exploração do nosso país pelos portugueses, holandeses, alemães, italianos, ingleses, alemães. Antes de me dizer que eu devo parar de destruir o Brasil, fala com os finlandeses que plantam eucalipto por tudo, inclusive em terras indígenas, com o pessoal da Monsanto que espalha aquela porra de agrotóxico nas plantações de soja, trigo e milho transgênico, plantados em terra da Floresta Amazônica, a todas as multinacionais que destroem nossos rios. E tem mais, quem abateu a floresta foram os imigrantes europeus, não o povo indígena, os escravos negros ou os mestiços de todas as raças que são o verdadeiro povo brasileiro.

- Mas isso é porquê vocês não têm boas leis para proteger a natureza.

- Como não temos? Tu sabe alguma coisa sobre isso ou fala a caso? Nossas leis são em geral as mesmas que vocês têm aqui.

- Mas então não funcionam.

- Não funcionam por causa da corrupção. Porque essas empresas em vez de fazer a merda aqui onde vivem suas famílias, vão fazer no quintal dos outros.

- Mas só funciona porque vocês se deixam corromper.

- Então a culpa de toda a corrupção não é de quem corrompe, é de quem se deixa corromper?

- Bem, mais ou menos....

- Cara, pensa melhor antes de falar qualquer coisa sobre o Brasil. É isso que te aconselho.

Percebem? O cara acha que o Brasil só tem esse crescimento econômico porque faz como eles fizeram, ou seja, explora a natureza. O europeu, assim como nós brasileiros, se preocupa com o que ainda resta de floresta no mundo. Mas não se dá conta de que a culpa de tudo isso está sobre as suas costas. Isso mostra também que, se nós brasileiros formos inteligentes, se formos capazes de um desenvolvimento pensado em forma diversa, com respeito pela natureza, sem a ânsia consumista do dinheiro, do crescimento, enfim, um desenvolvimento responsável e humano, os europeus (e porque não os norte-americanos também) vão bater mendigando na nossa porta. E isso vai ser muito divertido. Se formos capazes de fazer uma coisa inteligente, o mundo pode mudar a partir de nós. Basta que sejamos conscientes da nossa potencialidade, respeitosos com a natureza e capazes de elaborar uma forma de desenvolvimento não mais baseada na riqueza material, mas no respeito mútuo, na justiça entre as pessoas, as nações e das pessoas com o planeta. É um sonho, uma utopia, mas porque não pensá-la?

Porto Alegre

Porto Alegre sempre foi um sonho, uma paixão. A primeira lembrança: um gigante em vermelho depois de vales de arranha-céus, marca pra sempre a mente de uma criança. Da carroceria de uma Belina, depois da praia, no horizonte surge a selva de pedra. Todos os mistérios, as possibilidades, as desgraças, as maravilhas, enfim, a vida de uma construção humana com coração de verdade. “Meu coração é um porto sem endereço certo”. Noites de músicas feitas na nossa capital no quarto do pequeno sonhador. Do ônibus sempre a vontade de se perder por aquelas ruas do centro, que levam a lugar nenhum, ao rio que não é rio, à água que não é água, à praia que não é praia. E enfim Porto Alegre. Assustadora, gigante, quase indecifrável para o jovem ignorante de um interior vizinho e muito, muito distante. Anos em silêncio, buscando em cada parede, em cada árvore, em cada falha no asfalto a identidade com aquele sonho infantil. “Eu me sinto um estrangeiro, passageiro de algum trem, que não passa por aqui, que não passa de ilusão”. Aos poucos o espírito, a alma de uma cidade se revela. E sem querer, sim, eu sou de Porto Alegre. Uma rotina encantadora, entre o parque, a avenida e... claro, os bares. Os grandes centros de convívio da nossa sociedade decadente, a casa de bárbaros e profetas, filósofos e idiotas, poetas e ignorantes. Os bares que abrigam toda a amizade, a possibilidade de celebrar aquela alma da cidade, o ritual dionisíaco, que se chama Baco e copos de cerveja gelada, cachaça quente, risos, sexo, ou pelo menos a vontade de sexo que aflora em uma juventude que se descobre e descobre as possibilidades de uma cidade tão grande e tão pequena como essa. Sim, “anoiteceu em Porto Alegre”. E da noite vem o dia, a clareza, o conhecimento. A sensação indescritível de amar uma rua, um prédio, uma casa, uma boa conversa sobre Blues às 4 da manhã de uma noite que não termina. Aos poucos o Norte desconhecido e o Sul familiar se tornam tão vizinhos quanto José do Patrocínio e Lima e Silva. Quantas horas perdidas (ganhas) a olhar por uma janela sempre igual e sempre diferente a decifrar o mistério da vida. Um cigarro daqueles na mão, uma dose de qualquer coisa, a certeza momentânea de que tudo está bem, e será para sempre bem, desde que no horizonte trêmulo, que me deixa os olhos úmidos, esteja sempre minha amada Porto Alegre.

Osama e o mundo irracional

É o fim de uma lenda. Osama Bin Laden está morto. Mas a sua morte não foi em vão, ela trouxe mais uma contribuição para a gloriosa Filosofia de Bar: outra prova de que vivemos em um mundo completamente irracional.

1- Como que ficaram tanto tempo assim procurando o homem? Lá se vão mais de 10 anos, duas guerras e o barbudo ali, curtindo um tempo com os camaradas em um apartamento no Paquistão. Esse é o ponto, o cara estava no Paquistão, o que significa que simplesmente erraram o lugar das guerras. E outra, essa é incrível: um vídeo com uma entrevista onde uma criança da vizinhança contava como vivia Bin Laden. Pelo amor de deus, se as crianças da vizinhança sabiam que o cara estava ali isso só mostra que a “inteligência” norte-americana é um completo fiasco.

2- Direito de matar. Em pleno 2011 acabamos de receber a prova de que ainda vale o famoso Código de Hamurabi e a Lei de Talião: “dente por dente, olho por olho”. E lá se vão quase 4 mil anos de história e pensamento; para não mudar nada. O negrão vem na TV e diz: “o barbudo pagou pelas sei lá quantas vítimas dos atentados de 11 de setembro”. Agora o raciocínio não é meu, mas do colega Igor Natusch. Matar o Osama quer dizer que os povos iraquiano e afegão têm o direito de ir até os Estados Unidos e matar George W. Bush, toda sua catrefa e ainda quebrar uma ou duas pernas do Obama, que não fez a guerra (nos lugares errados), mas segue nelas. Felizes foram aqueles que viram os nazistas, digamos que bandidos muito mais bandidos que o Osama, serem levados a julgamento e condenados a apodrecer numa prisão pelo resto da vida. Hoje a lei é a lei da arma.

3- O mundo é um lugar mais seguro. Hummm... acho que não. A poucos quilômetros aqui de casa a OTAN se diverte jogando bombas na Líbia. Ali vizinho, Israel segue arrepiando com os palestinos. A África segue a Babilônia de sempre. A Europa se aprofunda no racismo, o mesmo que levou à II Guerra Mundial. Além disso, ao matar Bin Laden sem julgamento o perigo de atentados em retaliação está de volta ao nível máximo.

4- A famosa teoria da conspiração. Ou melhor, uma hipótese plausível e igualmente irracional. Os Estados Unidos sempre souberam onde estava Bin Laden. Não o mataram antes por medo de que os árabes fechassem a torneira do petróleo. A poucos dias abriu-se a brecha. Crise na Líbia. Os caças norte-americanos são os primeiros a despejar suas bombas no Oriente Médio. Garantidos aqueles poços, pau no Osama. Isso tudo aliado à decadente popularidade do Obama, que há pouco lançou sua candidatura à reeleição... é uma bela de uma teoria da conspiração que, se é lógica, ao mesmo tempo mostra a total irracionalidade de um mundo onde uma gota de óleo vale muito mais que a vida de milhares de pessoas.

Ela quer ser Linda Lovelace

- Vocês já viram o filme “Garganta Profunda”? (ela)

- Sim. (ele)

- Claro. (eu)

- Eu acho a trilha sonora fantástica. (ela)

- Aham. (ele)

- Bah, nem me lembro. E, convenhamos, fantástica é a Linda Lovelace e sua grande habilidade no manejo de certos instrumentos. (eu)

- Pois é, como será que ela consegue fazer aquilo? (ela)

- Não sei. (ele)

- Reza a lenda que ela era engolidora de espadas e por isso conseguia fazer aquilo que faz no filme. (eu)

- Uau! Eu não sabia disso. Tu sabe que homens geralmente nos pedem para colocar tudo dentro da boca, mas eu nunca consegui. (ela)

- (ele olha espantado)

- Se tu quiser, te compro um jogo de espadas para ir treinando. (eu)

- Hahahaha, não é uma má idéia. (ela, que termina seu cigarro e volta pra dentro do bar)

- Cara, tu ouviu o que ela acabou de dizer? (ele)

- Sim, acabou de confessar que não consegue colocar um pau inteiro na boca. (eu)

- Como que uma guria diz uma coisa dessas? (ele)

- Com a boca, amigão. Te dou uma dica, porque eu sou casado. Chega pra ela e diz que tu não é tão grande assim e que ela pode tentar uma de Linda Lovelace contigo. (eu)

*A atriz e depois ativista feminista Linda Boreman morreu em 2002. Depois de ganhar apenas U$1.250 pelo seu papel em “Garganta Profunda” (grana que ficou com seu marido, que foi quem a obrigou a participar do filme) e fazer outros papéis de menos sucesso, ela escreveu o livro “Ordeal” onde relata os abusos que sofria do marido e dos produtores de filmes pornô. Mesmo assim, é impossível esquecer sua atuação como a jovem que tinha o clitóris na garganta. O filme foi o primeiro pornô a entrar no circuito comercial mundial e faturou mais de U$ 600 milhões (lembram o quanto ela ganhou?), sendo um marco para toda uma geração de punheteiros.

Exemplos

Elvis Presley, Chuck Berry, Jerry Lee Lewis, Jack Kerouac, Allen Ginsberg, Che Guevara, Fidel Castro, Vinícius de Moraes, John Lennon, Paul McCartney, Keith Richards, Mick Jaegger, João Goulart, Tim Maia, RAUL SEIXAS, Bob Dylan, Gilberto Freyre, Leonel Brizola, Pelé, Jimmy Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison, Jimmy Page, Robert Plant. Theodor W. Adorno, Jean Paul Sartre, Hunter Thompson, Gay Talese, Norman Mailer, Falcão, Socrates, Gilberto Gil, Rita Lee, Eduardo Galeano, Mario Quintana, Samuel Weiner, Erico Veríssimo, Paul Stanley, Cazuza, Renato Russo, os Ramones, Andy Warhol, Bob Marley, Magic Johnson, Bebeco Garcia, Humberto Gessinger, Neil Young, Joe Strummer, Slash, Kurt Cobain.

O que têm eles em comum? Todos viveram na segunda metade do século passado e, de alguma forma ou de outra, se tornaram exemplos para quem teve o privilégio de acompanhar suas obras ainda em vida. É obvio que qualquer um pode fazer sua própria lista, já que as personalidades citadas foram aquelas que influenciaram a minha vida. Mas o ponto aqui não é falar de preferências, e sim de referências. Duvido, mas duvido mesmo, que qualquer um consiga dar o nome de uma personalidade atual que se aproxime da grandeza desses personagens. Talvez o Lula presidente.... e basta.

Pobre século XXI. Quais são as causas da sua miséria? A primeira coisa que me vem em mente é o aperfeiçoamento do sistema global de controle. A indústria da desinformação atingiu um grau de tamanha perfeição que não depende mais dos grandes gênios para fazer dinheiro. Assim, poupam o próprio trabalho de desmoralizar uma grande obra, de esvaziar o seu conteúdo. Simplesmente não permitem mais a existência de grandes obras. Mais. Nos fizeram acreditar na impossibilidade do novo. “Tudo já foi feito, tudo já foi experimentado”. Assim nos engessaram nessa prisão, nos condenaram a uma repetição sem fim do mesmo, do que já foi feito e experimentado.

Agora, o que se pode esperar de uma geração sem exemplos? O primeiro raciocínio é negativo, já que observamos nas ruas a falta de qualquer noção estética, a ausência quase absoluta de criatividade, a recusa a qualquer pensamento ou discurso subversivo-utopico. A sociedade do medo conseguiu convencer a grande massa de que fora da vida pré-programada não existe vida.

Mas a lógica filosófica (da filosofia de bar, claro) sabe que o positivo só existe por causa do negativo. A ausência de exemplos também pode ser entendida como liberdade absoluta para as novas gerações. Uma vez libertados do medo, uma vez conscientes da necessidade de novas experiências, se rompe a prisão e se faz girar mais uma vez a roda da história. A esperança é de que ainda tenhamos força para isso e que em breve apareçam novos e belos exemplos para o futuro da humanidade.