quinta-feira, dezembro 22, 2011

Entre o racional e o mistico

Essa historia de Beatles e Rolling Stones é uma coisa que vira e mexe aparece. Ontem estavamos todos dentro do filme do David Lynch quando começou a tocar Love me Do. Aos poucos o pessoal começou a balançar a cabeça, depois batucar na mesa, e quando o cara viu ja estava todo mundo cantando. Acabou a musica e obvio que escapa a ja tradicional frase: "eu sou Beatles, mas prefiro os Rolling Stones". Em italiano é quase a mesma coisa e o dono do filme, que estava passando exatamente na hora, parou, se sentou e: "eu vou ter que te dizer uma coisa. Eu também gosto dos Stones, mas os Beatles sao os Beatles". Fiz aquela cara de nao convencido, afinal qualquer um que entra nesse tipo de argumentaçao deve se explicar melhor do que "os Beatles sao os Beatles". E nao é que o velho rocker conseguiu?
"Voces que sao jovens nao fazem muita ideia de como era a coisa naquela época. Foram os Beatles que começaram tudo. Eu vi eles em Liverpool, 1962, as pessoas realmente enlouqueciam. Era a musica. Eles fizeram de um jeito que ninguém mais poderia fazer. Eu ja vi varias vezes os Stones ao vivo, eu vi Jimi Hendrix em 1967, quando ele fez um concerto para nem 300 pessoas aqui em Bologna, eu ja vi o The Who, inclusive quando tocavam o Tommy inteiro, eu vi Led Zeppelin, Jethro Tull..., meu amigo, eu vi tudo e posso te garantir: nada foi, nada é e nada sera como os Beatles".
Depois de discursos como esses, às 4h30 da madrugada, dentro de um filme do David Lynch com uma "Franksteiner" na mao, a gente começa a pensar na vida. E se eu penso no sentimento que tive nas primeiras vezes que ouvi Beatles parece que entendo um pouco o que quis dizer o nosso amigo. Realmente nao tem explicaçao o que acontece com o sistema nervoso quando a agulha começa a riscar os sulcos e tu te concentra naquela maça que gira. O proprio cheiro do disco tem sua atraçao e quando tu abre o album vermelho, porque ali esta toda a alma do que é ser Beatles, e fica horas e horas olhando aquela foto... e o discurso nao tem conclusao, porque nao se pode explicar o que é ser Beatles. Com os Stones é diferente. O cara sabe que curte os Stones porque eles sao muito foda. Porque eles fazem Rock'n'Roll como tem que ser feito. Porque eles representam a verdadeira filosofia que esta por tras da musica, a postura, a forma de encarar o mundo de um ponto de vista Rocker. Entao, filosoficamente falando, os Rolling Stones sao a parte racional da relaçao, mas os Beatles sao o mistico. Essa é a força e é por isso que a gente pode racionalmente preferir os Rolling Stones, mas sempre sera Beatles..

sábado, dezembro 17, 2011

O papa é pop



Depois da morte e ressurreiçao de Jesus Cristo (esse é o novo nome do computador) voltamos aos Devaneios para escrever sobre uma verdadeira obra prima da musica brasileira: o disco O Papa é Pop, dos Engenheiros do Hawaii. Para começar, estamos falando aqui do apice de criatividade de um grupo, o que geralmente coincide com a produçao de um album conceitual, uma obra de arte realizada, construida, densa de significados, que no caso consegue harmonizar musica, texto e imagem em uma unica coisa. Mas a obra nao é fechada sobre si mesma. Muito pelo contrario, ela se abre para o mundo, colhe seu significado, representa, e devolve ao mundo uma imagem carregada de uma nova visao, um novo discurso, um novo jogo de significados, que se concretizam na abertura da possibilidade de reinterpretaçao e mudança do antigo estado de coisas. O interessante é que dentro da propria obra esse jogo de saberes e significados esta representado.

Tudo começa com O exército de um homem so e a figura do pensador solitario, aquele escritor-personagem-heroi que se impoe o auto exilio a fim de olhar o mundo de fora, de perceber aquilo que esta além da realidade, e assim é capaz de reescrever a propria historia. Mas essa nova historia nao é definida, nao é facil, aparece como uma luz, um espasmo que esta inscrito nos detalhes imperceptiveis, cuja escritura também é suja, é escrita “em linhas tortas”, “ em paredes de banheiro, nas folhas que o outono leva ao chao”. O exercicio de olhar o mundo de fora lhe da uma percepçao do tempo, um saudosismo do passado, de uma tradiçao que resiste nessa lembrança e se projeta em um futuro que, em todo caso, nao se sabe até que ponto pode ser realizado, um futuro utopia. Um jogo estranho onde notas de um sintetizador Midi remetem ao passado, o novo e o antigo que se unem no presente. Por outro lado, esse é também o periodo de criaçao da subjetividade, do ser que se constroi em relaçao com aquilo que esta fora, em uma depuraçao daquilo que considera falso, livre dos preconceitos, o homem que é criado dentro de uma estrutura social, mas que justamente por se dar conta dessa estrutura busca a saida, a possibilidade, porque a vida em si nao é feita com as regras artificiais criadas pelo homem: “nao interessa o que o bom senso diz, nao interessa o que diz o rei, se no jogo nao ha juiz, nao ha jogada fora da lei...”.

Este homem-exército no seu processo de emancipaçao criativa deve também recordar sua propria historia, a origem da sua viagem individual que tenta colocar em relaçao com seu espaço-tempo. Por isso Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones representa o primeiro choque, a separaçao da infancia, o jovem que ao improviso ve o mundo se abrir em frente aos seus olhos e a terra sumir sob seus pés. A consciencia da sociedade injusta, da completa falta de liberdade individual, representada aqui pela carta de alistamento no exército, que significa igualmente o contrato de trabalho, as contas a pagar, as leis a obedecer. E pior, a necessidade de “lutar” contra seus proprios irmaos em um sistema onde o individualismo foi confundido com egoismo. Em tudo isso a possibilidade de ver sua alma morta em uma trincheira qualquer, o sistema que molda seu soldado até que ele se torne mais uma maquina a serviço do sistema e se esqueça de quem realmente é; o exército-sistema que aniquila e contra o qual deve lutar o exército-individuo. A patria que é qualquer patria e no entanto somos todos iguais todos seres humanos.

Depois de se dar conta das pressoes do sistema a unica reaçao é quase paranoica, depressiva, aquele homem que percebe a injustiça de um sistema mas ainda nao tem as armas para lutar contra. O exército de um homem so II é a percepçao e ao mesmo tempo sentimento de culpa por saber o que acontece e nao ter ainda uma resposta para sair do quadro geral, no caso a percepçao de que “tanto faz ser culpado ou ser capaz”. Paranoia é conviver com o estado de coisas sabendo do seu mecanismos e nao podendo sair de dentro dessa prisao; é o belo jogo de palvras entre o comandante e o soldado que nao se entendem e seguem ao infinito um jogo de ordem, revolta e sujeiçao.

O primeiro sinal da liberdade o homem encontra na perda do medo; medo da vida, medo do mundo, medo do futuro. Mas o desconhecido é de qualquer forma ja conhecido, ja vivido, esta escondido em algum lugar mas insiste em bater “como um relogio antigo”. A historia da revolta, do andar contra, que revela a possibilidade de uma realidade ainda nao vivida mas latente no desejo de liberdade, no andar contra a corrente, liberdade do sentimento de Nunca mais poder, apropriaçao do poder criativo.

Até que entra em jogo o mais poderoso dos sentimentos humanos, o amor. Agora o confronto nao é mais com uma superestrutura que oprime, é a opressao no peito, o coraçao prestes a explodir, a sensaçao de uma alma quebrada, estilhaçada por esse poder inexplicavel. É mais uma etapa do aprendizado, o homem racional que se ve dominado por uma força incontrolavel, que no fim aniquila. Uma dor que nao deixa nada além do vazio, talvez a liçao de que a sinceridade é uma das ferramentas indispensaveis no duro jogo da vida. Pra ser sincero, nao so com o outro, mas consigo mesmo, saber reconhecer as fraquezas, os desajustes, saber reconhecer no outro sua individualidade e saber que cada um existe e vive em respeito ao outro.

Pensar o outro, o enigma do outro, daquelas milhoes de almas que circulam todos os dias pelas ruas, que cruzam seus destinos, que se encontram e desencontram. A massa, que parece sempre igual e que esconde seus segredos atras de uma aparencia comum, um cosmo formado de microcosmos inacessiveis, revelados pouco apouco, jamais em sua totalidade, uma trama de pontos em comum e milhares de linhas dissonantes. Olhos iguais aos seus, mas poderiam ser quaisquer outros, olhos tao parecidos e tao diferentes. E depois os olhos que estao a olhar tudo isso, o que esta atras desses olhos, por que essa estranheza em relaçao ao outro? Como olhar aquele velho mar de estrelas de cima de uma montanha, da janela de um apartamento, e saber que ali tambàem tem apenas mais uma daquelas luzes; e no fim essa pequena janela é tudo, tudo o que se pode saber.

E o que é que se pode saber realmente? Com certeza nao aqui que estampa diariamente as capas de jornais e revistas. Um mundo de espetaculo onde O papa é pop e o “pop nao poupa ninguém”. O que vale mais: a verdadeira virtude ou aparecer em milhoes de eletrodomesticos? Porque no fim nao resta nada, e nao resta nada porque nao se cria nada. Talvez a nova reinterpretaçao de uma antiga teoria, a nova mensagem escrita ha mais de 2 mil anos, na velocidade de um disparo, tudo condenado ao esquecimento instantaneo. A imagem some quando se esquece a mensagem, quando nao existe uma verdadeira mensagem.

Tudo entao se resumiu a nada, a consumo, a pequenas coisas que nos fizeram acreditar fundamentais para a vida. A religiao é um produto tanto quanto um chiclete. O pequeno problema é que todos querem e poucos podem e nesse mundo, com essas regras, é facil ver que A violencia travestida faz seu trottoir. Ninguém esta livre, seja aquele que ve o jogo de pé na arquibancada, seja o rico do camarote, todos estao sujeitos ao mesmo valor. E aquele sentimento de revolta do qual ja falamos se perde, porque é um sentimento vazio como uma “vontade de gritar sem nada a dizer”. Todos presos, dentro de uma favela, numa penitenciaria, dentro de um carro blindado, num condominio de luxo; prisoes modernas que nos vendem como liberdade, liberdade de comprar, mas so se voce fizer por merecer, so se voce for um escravo padrao; a verdadeira “igualdade dos desiguais”. Paranoia, suicidio, nao sao coisas de se espantar. Como se libertar desse mundo?

Bem, para a liberdade é necessario viver. Viver a fundo a cidade no seu melhor e no seu pior, como quando a gente se da conta de que Anoiteceu em Porto Alegre. É ali que a normalidade sai de jogo, que todo o esquema desmorona, a noite sem fim dessa cidade que nao dorme, que despe toda sua falsa impressao quando o sol mergulha no Rio Guaiba, quando o vermelho penetra nos nossos olhos e ilumina a noite que esta por vir. Na comunhao com a verdadeira loucura se encontra qualquer coisa parecida como uma salvaçao, seja um pastor de igreja evangélica no radio do taxi que te leva para a tentaçao, seja no copo de uisque barato das primeiras horas da manha. So sera salvo quem levar consigo os estragos da noite, da bela e terrivel noite de Porto Alegre. Porque amanhece, se amanhece aqui, amanhece em qualquer lugar, e dentro de nos o mesmo de sempre é ja outra coisa porque conseguimos sobreviver mais uma vez à loucura no seu estado extremo.

Um novo ponto de vista; varios novos pontos de vista: essa é a conquista. A sabedoria de que nada é definitivo, o que nos vemos nao passa de uma Ilusao de otica, uma imagem que pode ser quebrada com um simples jogo de corpo, um simples golpe de vista. Niilismo? Talvez... Mas talvez seja melhor pensar em uma nova historia, aquela nova historia, o novo giro da historia, escrita à mao, sim, mas pela mao de um homem livre.


P.s.: Jesus nao tem os acentos que usamos na lingua portuguesa, por isso nao pensem que é culpa minha o assassinato da nossa bela lingua...

sábado, novembro 26, 2011

Paul McCartney

Em homanegm ao show do Paul McCartney ao qual estamos nos dirigindo daqui a pouco, republico aqui um texto escrito há mais ou menos quatro anos. A idéia continua a mesma, apesar de que o Black Sabbath reunido tem o seu peso...

Provavelmente Paul McCartney é o ser humano vivo mais importante do mundo. Para o mundo do Rock, indiscutivelmente. É claro que ainda temos Mick Jagger e Keith Richards em mega turnês pelo mundo e Pete Thousand com uma postura cada vez mais rocker. Jimmi Page e Robert Plant também estão vivos, assim como Ozzy Osbourne. Mas a defesa de Paul tem um argumento que supera qualquer outro: ele foi um Beatle.

Depois dessa primeira reflexão, percebo novamente a triste evidência de que o rock morreu. Quem, que apareceu no Rock de 1990 para cá, poderíamos colocar nessa lista? Kurt Cobain, talvez, mas já morreu. Não me venham com os irmãos Oasis. Nada, um deserto de Rock Stars, o que acaba por ser compreendido como a morte do Rock'n'Roll.

Voltemos para Paul McCartney. Vamos analisar fora do mundo da música se alguém é mais importante que ele. Qualquer ex-presidente de qualquer país já está de antemão descartado justamente pelo fato de ter sido presidente de algum país. O que nos obriga a excluir também todo e qualquer político, pelo simples fato de ser político. Ser do exército também exclui da corria. Os economistas só trabalham para foder o povo. Ciência, hoje em dia, resume-se a uma corrida tecnológica sem sentido. Filósofos são grandes técnicos ou grandes chatos.

Só sobra mesmo Paul McCartney. E talvez o Ringo, mas o batera entrou meio que de carona na brincadeira...

quinta-feira, novembro 24, 2011

O fim da era Berlusconi (ou a certeza de que o poder não é mais político)

Acabei de me dar conta que nunca escrevi nada sobre esse grande personagem chamado Berlusconi. É impossível negar: o cara é uma figura. Em plena Itália, vizinho ao Vaticano, o camarada Berlú dava festas de arrepiar com drogas, sexo e.... Rock’n’Roll duvido muito, mas as “Sweet Sixteen” com certeza estavam lá. E o cara gastou muito dinheiro, principalmente pra pagar todo o cordão dos puxa-sacos que o sustentou no poder por todos esses anos. Inclusive é difícil para um brasileiro ignorante como o cara saber como um presidente, que não é presidente, porque o presidente é o velho Napolitano, fica no poder sem ninguém ter votado nele. Sério. Desde que cheguei aqui venho perguntando às pessoas em quem elas votaram e ninguém, absolutamente ninguém, votou no Berlusconi ou no seu partido. Coisas da Itália. Mas o pior mesmo do Berlusconi é que ele estava tão concentrado na buceta que se esquecia que tinha um país pra comandar. Ele não conseguia nem acontentar a direita, os empresários, o mercado financeiro, bem, toda aquela gente que realmente manda no mundo. O Banco Central Europeu tinha pedido pra ele como que a Itália ia enfrentar a crise, tipo botando uma pilha pra que ele fizesse alguma coisa como um plano econômico. O Papi óbvio que não levou a sério, afinal a crise era só uma invenção dos comunistas que queria lhe tirar o poder. E depois, que crise, já que os restaurantes continuam cheios, as pessoas seguem comprando carros, as menininhas continuam de pernas abertas, a máfia continua mandando em metade do país. Tudo igual como sempre foi. Mas como o mundo hoje em dia não é mais dos políticos (do povo já faz muito, muito tempo que não é), deram um jeito de tirar o homem de lá. No seu lugar está um fantoche do mercado, que simplesmente obedecerá tudo o que o BCE der como diretrizes. E o povo italiano assiste a tudo isso praticamente de braços cruzados, como uma novela do mundo moderno. O problema é que quem se fode nessa trama é próprio ele, o povo.

quinta-feira, novembro 17, 2011

Carta à Presidenta

Cansei de ouvir dizer que não podemos fazer nada, que tudo o que a gente fala são apenas palavras ao vento. Se eu não posso, eu pelo menos imagino quem pode. Decidi que vou começar a mandar uma série de cartas para nossa presidenta. Vá que ela leia...


Excelentíssima Presidenta da República,

Escrevo-lhe esta carta porque sinto tratar-se de um dever cívico, além de ser uma prerrogativa de qualquer cidadão em um sistema de liberdades garantidas como queremos que seja o nosso. Escrevo também como um cidadão brasileiro emigrado, o que se torna interessante de um determinado ponto de vista. Depois de um ano fora do país me sinto longe das pequenezas políticas do dia a dia, talvez mais consciente de uma visão global do nosso Brasil. É a mesma clareza que procuramos quando decidimos “olhar de fora”uma situação para compreende-la melhor. Na verdade espero que essa seja a primeira de uma série de cartas que devo endereçar a Vossa Excelência, e justamente por ser a primeira, gostaria de dar uma visão geral que tenho do nosso país antes de entrar em cada tema específico.

O fato é que o mundo não é mais o mesmo. A civilização ocidental enfrenta sua grande crise, ou pelo menos mais uma de suas grandes crises. A Europa, que pelo menos desde a Grécia Antiga foi o foco, a vanguarda do progresso mundial (seja no sentido positivo como negativo do termo), está caindo aos pedaços. E parece uma ironia do destino que a sua decadência tenha a ver justamente com a própria Grécia.

Mas o que é essa crise? Basta pensar um pouco para perceber que não passa de um ajuste de contas do mercado financeiro. Em outras palavras, alguns governos e empresários irresponsáveis decidiram jogar no mercado para enriquecer de uma forma mais fácil do que a tradicional produção de bens, só que a brincadeira não deu certo. E como essa brincadeira é restrita a um pequeno clube de milionários que não querem perder o seu luxo mesmo perdendo no jogo, quem paga é sempre o povo, porque são eles quem têm o poder sobre nossas vidas.

Nesse atual cenário o Brasil olha como expectador e causa inveja às antigas potências. Mas o que eu gostaria de lhe advertir, Vossa Excelência, é que essa situação se não for bem pensada pode ser apenas uma ilusão passageira. O que eu quero dizer é que um governo deve governar para o povo e não para a aristocracia. Eu sei que é difícil governar sem eles, mas o fato é que eles não estão nem aí para o bem do país; eles querem enriquecer cada vez mais e basta.

Vou citar um exemplo para esclarecer meu ponto de vista: a construção da usina de Belo Monte. Se diz que o Brasil precisa de energia para crescer, para aumentar a produção, para gerar empregos. Essa é a cadeia lógica do pensamento do senso comum forjada pela economia de matriz acumulativa moderna. O problema é que o cálculo não fecha. No nosso Brasil os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres continuam pobres igual como antes. A nova classe média é também uma ilusão, já que no primeiro sinal de fumaça vai todo mundo pra casa descansar pra voltas à fila do desemprego. O Brasil não precisa acumular riqueza, assim como fizeram nossos amigos europeus e norte-americanos; o Brasil precisa urgentemente distribuir e preservar riquezas. Vossa Excelência não se indignava com a política imperialista dos Estados Unidos? Então não me parece justo destruir uma nação indígena, que é muito mais antiga que o próprio Brasil, só para dar energia aos grande empresários poderem acumular mais capital nas suas já imensas contas bancárias. Não me parece justo destruir um bom pedaço de floresta que pode sustentar um grande número de famílias para dar de presente a quem já tem muito. O que quero dizer é que o mercado não tem nacionalidade. A qualquer momento eles podem nos abandonar e não terá valido de nada todo esse esforço. E pior: não nos restará nada depois da exploração de nossas riquezas.

Eu escrevo à senhora, Vossa Excelência, na esperança de que possa partir das nossas instituições a mudança de conceito: da acumulação de riquezas à distribuição e preservação de riquezas.

terça-feira, novembro 15, 2011

Texto

Esses dias estava pensando: mas por que cargas d’água eu escrevo? Sim, um pouco é pelo prazer de colocar as palavras juntas (e vejam como fica melhor essa frase em italiano: per il piacere di mettere le parole insieme). Um pouco também porque, às vezes, tenho alguma coisa pra dizer. Mas não é só isso. Não podia ser só isso. E eis que depois de muito pensar cheguei a uma possível resposta. O fato é que eu gosto de comprar cadernos. Em casa tenho que ter ao menos uns dois ou três cadernos. E também é fato que tenho alguma coisa contra as páginas em branco. Quando às vejo assim, limpas, parece que estão tirando um sarro de mim, da minha incapacidade de preenche-las com palavras que façam algum sentido. Ou apenas palavras, visto que de vez em quando sai até uma poesia surrealista. E não é um privilégio só da folha material, aquela em três dimensões que vendem na papelaria. A página do Word é igual. Fica ali, parada, me olhando, como se dissesse “duvido que tu consiga me encher de letrinhas”. Como dizia o professor, o texto é sempre uma luta; no meu caso uma luta contra a página vazia. Um texto fácil é a coisa mais ridícula do mundo. É como se tu perguntasse pro Michelangelo se é fácil fazer uma escultura e ele te respondesse: “aí brou, sabe o Davi? Maior barbada de fazer”. Não que eu esteja me considerando um artista, longe disso, mas a escritura em si é uma arte. Basta passara lá nos Ofícios de Firenze pra ver que a estátua do Dante e do Galileu estão no mesmo nível do Leonardo e do Baccio. O nosso autor da Divina Comédia é com certeza o herói máximo da cidade; qualquer beco tem alguma coisa dele, nem que seja um retrato ou uma placa “Dante passou por aqui”. E o que ele fez de grandioso pela humanidade? Escreveu. O lance é que essa coisa da escritura me intriga. Por mais que eu tente, escrever um romance, por exemplo, parece cada vez uma missão mais irrealizável. Eu não sou bom nessa parada. Meu lance é tiro curto. Me basta ver a maldita daquela página cheia que me dou por contente. Então ta. Deu. Amanhã talvez eu abra de novo essa merda desse caderno...

domingo, novembro 06, 2011

As dificuldades do alcoolismo

Às vezes é difícil ser um alcoólatra aqui na Bologna. Primeiro que os mercadinhos, ou “o paquistano”, fecham às 20h. E pensar que não era assim. Quando chegamos há um ano o nosso paquistano aqui da rua fechava às 22h, ou seja, a gente podia jantar tranqüilo, fumar tudo que tinha que fumar, e depois ainda pegar uma bira gelada e barata na rua. Agora temos que planejar tudo com antecedência e nesse caso vale mais a pena fazer um carregamento de “cerveja da moeda” do supermercado, que custa 50 centavos. Mas tem sempre o inconveniente de carregar uma caixa de cerveja européia, porque eles simplesmente não sabem embalar as latinhas em um belo fardinho como os nossos.

Normalmente o cara não consegue nem planejar, nem comprar a cerveja barata do paquistano, então sobra o buteco. E aqui surge a segunda série de problemas. Começa pelo preço da bira, que varia de 3,50 a 5 pila. Por uma sorte do destino, o buteco mais massa da rua (lembrando sempre que moramos na babilônia bolognesa), isto é, o único que toca o bom e velho Rock’n’Roll, é o que tem a bira mais barata: meio litro de Weiss bier por 3,50. Mas essa semana decidiram que todos os bares da nossa rua, só da nossa rua, devem fechar à 1h da madruga. Parece que a polícia quer acabar com o trafico de drogas e os moradores querem dormir (inclusive o paulistão do 23). Por causa disso temos que nos deslocar para outros lugares e junto com o movimento aumenta também o preço do produto. Digamos que a melhor relação custo-benefício é o litrão de bira por 7 euros na Birreria del Pratelo, que é praticamente “do outro lado da cidade”.

O problema depois disso tudo é que os outros bares fecham todos às 3h. É a lei da cidade: nada de bêbados e butecos na madrugada da bela Bologna. Mas, e sempre existe um mas, conseguimos descobrir dois lugares que ficam abertos até de manhã. O primeiro é um tipo-bar-restaurante com dois inconvenientes: é caro e os donos são realmente muito chatos. Sempre dá confusão na hora de pagar. No começo é até divertido, mas depois de um tempo acaba enchendo o saco.

Assim chegamos à nossa única alternativa, que é também a melhor descoberta do último ano: o Club Margot. Começa que o lugar é praticamente escondido: é só uma grade e uma porta como outra qualquer da rua. Para entrar tem que tocar a campainha. Aí aparece o dono e pergunta: “vocês têm a carteirinha?”. Claro, porque não é um bar, é um clube de bêbados. Sim, já somos registrados como parte da corja. Depois disso se passa por algumas cortinas vermelhas e se entra em uma pequena sala, quase uma garagem, com cinco mesas e um balcão de bar no fundo. É praticamente um filme do David Lynch. E tudo fica ainda melhor depois das 4h30, porque a partir dessa hora é permitido fumar dentro do local. A cerveja não é a mais econômica, mas é quase honesto cobrar 5 pila por uma Franziskaner (ou Franksteiner como diz o paulistão).

Enfim, é isso: pra ser um bêbado em Bologna o cara tem que ser guerreiro.

segunda-feira, outubro 24, 2011

Eu não confio mais em mim mesmo

E a culpa disso tudo é da minha mãe. Foi ela quem me comprou a fita do “Õ Blésq Blom”, dos Titãs, enquanto estávamos na fila do Calcagnotto (era com um “t”ou dois?), aquele na frente da Prefeitura de Caxias. Lá se vão quase 20 anos, e eu sempre acreditei nessa letra:

“Eu nunca mais vou dizer o que realmente penso
Eu nunca mais vou dizer o que realmente sinto

Eu juro Eu juro (por Deus)

Não confio em ninguém
Não confio em ninguém
Não confio em ninguém com mais de 30
Não confio em ninguém com 32 Dentes

Meu pai um dia me falou pra que eu nunca mentisse
Mas ele se esqueceu de dizer a verdade

Eu nao sei fazer música mas eu faço
Eu nao sei cantar as músicas que faço mas eu canto
Ninguém sabe nada”

O problema é que os anos passam e chegou o momento de um verdadeiro drama existencial: eu tenho mais de 30 anos. Mas o estrago não é completo. Nesses 31 anos consegui a façanha de perder um dente, o glorioso primeiro molar superior direito, o que torna impossível a existência de 32 dentes nessa boca. Assim, nessa segunda-feira fria e chuvosa, me tornei uma pessoa meio confiável. Não porque ganhei confiança, mas porque perdi metade dela. Passei o dia todo pensando nisso e cheguei à conclusão de que a situação tem lá suas vantagens. A principal é que não preciso mais ser tão rigoroso comigo mesmo, afinal, eu não confio mesmo em mim. Ou seja, se eu fizer ou escrever uma bobagem basta dizer: “bom, eu não confiava em mim mesmo”. Talvez esse seja o segredo da idade, a gente para de se levar tanto a sério. Talvez a vida fique mais fácil a partir de agora; talvez as idéias possam fluir com mais naturalidade; e também eu posso estar absolutamente certo, já que não se sabe se é o velho ou o desdentado que está falando.

sábado, outubro 22, 2011

Evolução e senso comum

Em um livro sobre metafísica li sobre o “sucesso evolucionístico” do nosso gênero. A discussão era sobre as vantagens e desvantagens de considerar o mundo através do senso comum, isto é, como as pessoas em geral vêem o que acontece. “Já que as nossas interações com o ambiente são eficazes – fato confirmado do exame severo imposto pela seleção natural – e já que tais interações se baseiam nas nossas crenças do senso comum, agora essas crenças devem ser verdadeiras”. Essa é mais ou menos a frase, e autor do livro tenta destruir o argumento da veracidade do senso comum. Primeiro porque o fato de termos crenças do senso comum não significa que fomos selecionados porque temos tais crenças; segundo porque a evolução parece se basear em critérios de economia e redução do risco, e não sobre crenças e visões de mundo.

São realmente ótimos argumentos, mas não tocam a questão fundamental: o tal do “sucesso evolucionístico”. Somos uma espécie de, sei lá, 10 mil anos, e nesse meio tempo conseguimos simplesmente destruir o mundo, sendo que nos últimos 500 anos o processo foi acelerado à máxima potência. Se continuarmos assim, imagino que será um pouco difícil viver por aqui no futuro. O que me faz mais uma vez pensar no mito da racionalidade do ser humano e também em um outro conceito, que podemos chamar de “instinto de preservação”, para ficar no ambiente dawinista.

Voltemos ao nosso amigo fazendeiro do Pará, aquele que se diverte derrubando árvores e matando gente. O seu instinto de preservação diz: “tenho que acumular dinheiro, aumentar meu patrimônio, para viver tranqüilo e deixar meus filhos com uma boa vida”. E que se foda se seus netos tiverem que pagar uma fortuna por um litro de água potável; dinheiro não vai faltar. Obvio que é um caso extremo, mas é mais ou menos assim que pensamos todos nós, ou seja, o senso comum. O nosso “instinto de preservação” no mundo é totalmente particularista. Eu tenho que pensar na minha vida, fazer o meu trabalho, ganhar o meu dinheiro e viver a minha vida. E assim as pessoas acabam destruindo suas próprias vidas, como o fazendeiro que derruba árvores, ou o magistrado que ganha 24 mil pilas por mês, mas tem que viver em um condomínio fechado, cercado de seguranças e gira em um carro blindado; exatamente como o traficante que ele acabou de mandar pra cadeia. E todos esses são os exemplos que o senso comum segue, consciente ou inconscientemente; basta pensar na sua própria vida.

Ninguém para pra pensar na preservação do ser humano como espécie. Ou até se pensa. Mas uma mudança do conceito do particular para o global implicaria numa mudança bastante profunda no nosso modo de vida. E mais uma vez voltamos para o grande problema da nossa época: o totalitarismo econômico e seu braço político, a democracia ocidental. Hoje em dia ninguém se atreve a dizer que o mundo não funciona; a nossa religião moderna disse que esse é o melhor sistema e todos temos que acreditar. Até porque se alguém diz o contrário simplesmente não é ouvido; quem controla a economia e a política controla também a comunicação.

O ponto é que não precisamos nem pensar em mundos fantásticos onde todos são felizes; basta saber que o nosso mundo é melhorável. A base é: assim do jeito que está não vai dar certo, o que podemos fazer para melhorar? E não me digam que é dar bom dia para o vizinho e comprar beterraba orgânica; a mudança deve ser um pouco mais profunda, deve se liberar do particular para o global. No fim a mudança de conceitos deve atingir o senso comum, senão o nosso tal “sucesso evolucionístico” vai pra cucuias. Como fazer isso exatamente ainda não sei, mas uma boa dose de utopia não faz mal a ninguém.

quinta-feira, outubro 20, 2011

Homem racional é uma piada

Dizer que o ser humano é racional é quase uma piada. Eu acabei de escrever um texto sobre pessoas que se matam para derrubar árvores e só isso já basta para confirmar a tese de que estamos ainda muito longe de qualquer tipo de racionalidade. Se fala tanto da nossa ciência, da nossa técnica, da nossa “evolução”. Que o homem tenha um completo domínio da natureza, não tenho dúvidas. E é justamente esse o problema. Todo o nosso empenho intelectual dos últimos 500 anos foi dedicado ao domínio da natureza e o resultado é esse mundo de merda em que vivemos. Seria muito mais racional que o homem tivesse dedicado todo o seu precioso tempo e esforço na compreensão da natureza, no sentido de buscar o seu espaço numa relação de respeito com as outras criaturas. Mas é claro que se assim fosse, ninguém seria rico, ninguém teria uma Ferrari estacionada na garagem e ninguém usaria um colar de ouro ou de diamantes. Talvez a gente desse mais valor para outras coisas, como a alegria de estar bêbado com os amigos, viver com a pessoa amada, ajudar os outros, pegar um sol na cara num dia de inverno. E talvez tivéssemos mais tempo livre, porque nesse mundo imaginário ninguém teria medo que as pessoas pensassem por si mesmas.

Esses dias li que o trabalho do filósofo é criar conceitos, ou ajudar no esclarecimento de conceitos. Parece um trabalho ridículo, mas quando vejo que pela simples transformação do conceito de “domínio” para o conceito de “cooperação” temos um mundo completamente diferente, até me sinto na responsabilidade de fazer esse trabalho. O problema é fazer os outros acreditarem nessa balela.

Vejo que desse pequeno texto podemos explorar tantos outros conceitos..... mas outro dia, porque a chaleira chiou e eu tenho que aproveitar os poucos minutos de sol desse começo de inverno...