Às vezes uma noite não é o suficiente para que determinadas substâncias abandonem o nosso ser. Isso é facilmente constatado pela análise dos pensamentos da manhã, naquele meio termo entre o sonho e a realidade. Se são apenas passagens soltas na memória, ou uma música que não para de tocar, está tudo bem. Agora, se eles começam a fazer sentido e se encaixam perfeitamente em uma história absurda, bem, pode ser indício de que alguma coisa ainda age na cabeça.
Toda essa introdução é só para dizer que hoje de manhã eu ganhei um prêmio Nobel. Nossa teoria (nossa porque tem o crédito de todos os que vieram antes e dos atuais militantes da Filosofia de Bar) da Revolução Individual ganhou grande repercussão, até ser considerada como um percurso viável para a humanidade e não só um discurso de bêbados da madrugada. Eis que lá estamos nós (cada premiado tem direito a 10 convidados) na tal da academia que dá o prêmio. Jantar de gala, autoridades, milionários, grandes personalidades, enfim, a fina flor da sociedade mundial. E nós que arrumamos confusão já na entrada, porque o segurança não quer nos deixar entrar de calça jeans, camiseta dos Ramones e jaqueta de couro. Tiveram que chamar o presidente da associação do Nobel pra nos deixarem entrar. Parece até que o Lula, que era um dos convidados de honra da festa, também falou alguma coisa a nosso favor.
O fato é que entramos e enquanto o pessoal do Nobel de matemática, economia, literatura, jardinagem, culinária, etc. discursava, nós nos encarregávamos de fumar um cachimbo de substâncias especiais. Finalmente chega o momento do grande prêmio Nobel da Paz. Vou em direção ao púlpito e faço o seguinte discurso:
“Antes de mais nada, obrigado a minha família e aos companheiros de longas jornadas que ajudaram na elaboração da nossa teoria. Obrigado ao povo que comprou nosso livro e mais ainda a quem acreditou no que estava escrito ali. Mas eu estou aqui para falar de contradições. Eu olho para todo esse espetáculo e imagino o quanto não se gasta para organizar essa festa toda. Antes de subir aqui, fiz alguns cálculos e cheguei à conclusão que só essa noite consumiu pelo menos dez vezes mais dinheiro do que todo o gasto que eu e minha esposa tivemos nos dois anos que passamos na Europa. Ou seja, só com a economia de não fazer essa festa, poderíamos sustentar 20 novas famílias por um ano. Mas isso não significa nada. Pra vocês uma janta como essa é coisa normal. Digamos que para aqueles mais ativos são, o quê, uns 30 eventos como esse durante o ano. Ou seja, 600 famílias sustentadas por um ano. Mas isso não significa nada. Porque eu não estou contando o papelão que seria repetir um vestido, uma jóia ou um sapato. Nesse caso subimos a quantia a valores inimagináveis gastou com encontros absolutamente fúteis, e que dizem ser politicamente corretos. Mas não se preocupem, porque eu não pretendo entrar em contradição. Esse discurso não é um discurso contra vocês, já que depois desse um milhão de dólares que recebi eu me considero integrante do clube. Inclusive aproveito a ocasião para dizer esse dinheiro será gasto exatamente como vocês fazem: em bebidas, drogas e prostituição. Obrigado”.
Aplausos efusivos da minha turma. Exceto pela minha mãe, que está chocada. Bem, nem tanto. Ela já imaginava que alguma coisa assim podia ter acontecido e me diz: “ai meu filho, pelo menos essa vez podia ter feito alguma coisa decente”. E com esse final sou obrigado a me levantar e começar mais um dia da minha vida mijando todo o álcool da noite anterior.