Amistoso internacional é uma das coisas menos emocionantes do futebol. O povo só olha porque as principais emissoras dos países têm contratos com as confederações nacionais e com a FIFA. Mas também não tira nenhum pedaço parar duas horas e olhar o time nacional na TV. Na Itália é a mesma coisa que no Brasil. Apesar do descaso geral, tem aqueles que saem com bandeira, camisa e xingam o aparelho na esperança que o técnico escute alguma coisa do outro lado. Mas Itália e Alemanha foi um jogo tão chato, mas tão chato, que lá pelos 15 minutos nem esses fanáticos estavam mais prestando atenção. Afinal, o bar tinha vantagens insuperáveis, como cerveja barata e comida de graça. Mesmo assim, ainda faltava alguma coisa para a consolidação da alegria geral na mesa. O que poderia ser? O que estava faltando?
Confusão, é claro. E não demorou muito para acontecer. Depois de uns cinco mini-sanduíches de mortadela, um pote de batatinhas e uma rodada de cerveja vermelha, começa a gritaria na rua. Imediatamente todos se viram para olhar. Na pizzaria da frente, o cozinheiro com cara meio de árabe sai irado com um bastão de ferro e desafia um outro meio árabe que resiste e encara a briga na calçada. Correria. O dono da pizzaria estava no bar; voa para a rua. Dois de nossa mesa também correm. Mais para saber de perto o que acontecia do que para servir de “turma do deixa disso”. Gritos, ameaças, meia dúzia de sopapos, chutes, e a situação se acalma. Dali a pouco o dono da pizzaria acompanha o cliente raivoso pela rua tentando acalmá-lo e retornam os amigos com as notícias para acalmar nossa curiosidade. Boas notícias, pelo riso que carregam junto.
O fato: o cliente era curdo e enquanto comia sua pizza xingava o ex-ditador Saddam Hessein de tudo, inclusive de ditador, e bendizia a invasão dos Estados Unidos. O que ele não sabia era que o cozinheiro era um sunita iraquiano, orgulhoso do seu país, mesmo com seu ditador, e totalmente contra a invasão externa. Ou seja, uma briga secular iraquiana tomou forma, como por mágica, nas ruas de Bologna. Coisas da globalização, diriam alguns.
Os italianos, brasileiros e alemães da nossa mesa se divertiram muito com a história. Para nós esse tipo de briga não tem sentido. É muito mais justo arrumar confusão por conversar com a mulher de alguém, ou olhar para a pessoa errada. Esse negócio de nações e religiões não está com nada.
Mais uma rodada de cerveja austríaca, ou romena, ou holandesa, tanto faz, e a Itália empata a partida. Alegria dos “Fratelli”, tristeza dos alemães, e indiferença dos árabes, brasileiros, franceses e espanhóis. Agora a noite estava encaminhada. Mais um copo de cerveja e ao sair do bar a rua já está com um princípio de ares babilônicos. Massa de gente que faz a alegria dos marroquinos do comércio de produtos típicos da sua terra, se é que me entendem. A essa altura, nada melhor do que comer um Kebap feito pelo pessoal do Bangladesh. Eles têm a manha. Mais uma cerveja, dessa vez no pub irlandês do indiano que tem como barista um mexicano. Enfim, a lembrança: é quarta-feira. Isso significa que todos podemos andar poucas quadras e terminar a noite em samba, porque uma negra brasileira de voz maravilhosa canta em um buteco de italianos. Sim, tudo termina em samba, como não podia deixar de ser em um mundo globalizado.
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