quinta-feira, fevereiro 03, 2011

Diálogos

- A verdade é que essa selva aqui é só uma palhaçada, uma fachada. Todo mundo imita todo mundo. Essa parada de imagem pega mesmo. A galera é bombardeada todo dia por uma quantidade absurda de imagens e acha que a liberdade é se ajustar a uma dessas imagens, como uma cópia bem feita. A liberdade já é condicionada pelas imagens, ta ligado? Eu, por exemplo, tu, por exemplo, a gente é condicionado pelas capas dos discos dos Ramones, a mina aí meio que quer ser Janis Joplin, o outro brother aqui, sei lá, um personagem dos filmes de colégio da sessão da tarde, aqueles anos 80. Ninguém tem seu próprio estilo. Eu nem faço idéia do que seria ter um estilo próprio. O que significa “ter um estilo”?

- Cara, fez efeito essa tua parada, hein?

- Ô meu, nem fala. To me mordendo todo. Mas o lance é esse: somos todos cópia de alguma outra coisa. É como o Rock`n`Roll, chegou num momento que sempre vai ser cópia de alguma outra coisa. Não dá mais pra inventar nada, se o cara inventar qualquer coisa já não é mais Rock`n`Roll. Nós estamos condenados a viver uma vida de imitações. O que pra mim é, sei lá, tudo bem. Nem me preocupo muito com isso. Eu gosto de andar com a minha jaqueta de couro. Só não quero que venha qualquer idiota me dizer que é original, que tem um estilo próprio, porque é mentira. E ta cheio de babaca por aí que penteia o cabelo pro lado e acha que descobriu a América......

Deve ser bom mesmo o produto. Da minha parte, me conservo mudo pra não fazer a cagada de cuspir o ácido. O bar continua igual. Todo aquele desfile que inspirou o discurso do amigo continua a passar pela nossa mesa. O balcão lotado. As paredes, sim, as paredes, absorvendo mais uma camada de fumaça. Os cartazes de shows que não param, como se algum deles fosse virar uma estrela do Rock. A luz amarela constantemente amarelada, caramelizada. Como todos os drinks em copos longos, curtos, garrafas, ampolas. A mesa, pobre mesa. Que já viu milhares de cenas como essa e tem seu destino traçado. Fará companhia a cotovelos inexperientes ou cansados até que o fogo a consuma. Sobre ela um par de mãos quase perfeito. Sem pinturas. Com veias. Lisas. Que se desdobram em pulseiras e penugens. Que conduzem a um rosto de sorriso constante, confiante, eletrizante, marcante, ante, ante.....

- Ô meu, ta ouvindo?

- Ãh?

- Eu perguntei: então, qual é a revolução?

- Ah, a revolução. A revolução é individual, a revolução do individualismo perfeito. Ta ligado que sempre nos ensinaram a ver o individual e o coletivo como dois lados de uma moeda. O lance é acabar com essa porra dessa moeda. O individual só vai ser pleno quando for coletivo; o coletivo só será livre quando for individual. Raulseixismo. “O meu egoísmo é tão egoísta que o auge do meu egoísmo é querer ajudar”. Revolução é tocar o pé no freio com tudo. Silêncio. Pensamento. A revolução será possível no dia em que todos puderem fazer sua revolução individual. No dia em que ninguém precisar mendigar por uns trocados ou morrer de medo atrás de uma cerca elétrica. O primeiro passo é a certeza do absurdo que se transformou nossa parada. Revolução não tem nada a ver com o poder, tem a ver com gente.

- E tu mina, o que me diz?

- Eu digo que vocês são craques da filosofia de bar. Mas não se dão conta que isso é só um supermercado de idéias. Vendem idéias como sabão em pó. Ninguém se dá conta que o produto é o mesmo, e seguem criando embalagens cada vez mais chamativas para vender sua própria idéia. A lógica do mercado está tão presente na vida que é difícil perceber. Ou por acaso não procuramos todos a mesma coisa: felicidade? E todas as idéias de mudar o mundo são exatamente a mesma...

Felicidade, prazer, nós dois numa cama. E tudo termina em sexo. E desilusão. Prazer é felicidade? Ou o primeiro passo para o êxtase da melancolia? Uma boca assim fina, delicada, falando coisas difíceis. Fáceis de entender. Idéias prontas. De onde vieram essas idéias prontas? Se pudesse mergulharia nessa alma. Em todas as almas. Descobrir os segredos profundos. Aqueles fantasmas que se escondem debaixo do travesseiro. Do lado oposto das palavras. Ah, meu deus, me ajude, porque a viagem apenas começou.

- Aí, vou no banheiro.

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