quinta-feira, abril 14, 2011

Racismo acadêmico

A aula é Filosofia da Música. Da para ter uma noção do quanto é importante sabendo que Bologna é a Capital Européia da Música segundo a UNESCO; que praticamente todos os grandes nomes da música passaram por aqui, digamos de Mozart a Giuseppe Verdi; que foi onde começou a ser escrita a história da música européia, com o padre Martini; enfim, coisas que podem ser lidas no texto “O umbigo do mundo”, desse mesmo blog. O tema do curso é “O homem como instrumento musical”, ou seja, como ao longo da história do pensamento sempre foi presente a necessidade de comparar nossa existência com a música para explicar a relação do homem com a natureza, nossa colocação no universo. Até aí tudo bem. Seria um belo curso se o professor não fosse um racista filho da puta. Por trás da máscara de “gentleman”, ele esconde o seu mais puro preconceito por tudo o que não é europeu.

Hoje era a última aula e deveriam ser discutidas as teses finais do curso. O “professor” e um colega ficaram cerca de meia hora falando sobre a possibilidade de um musicólogo exercer a atividade de crítico musical nos dias de hoje. E todos prestaram atenção com o maior carinho, como se esse fosse realmente um tema que devia ser debatido; mas que não tem absolutamente nada a ver com o curso e, convenhamos, qual é a dificuldade de um musicólogo desempenhar o papel de crítico musical?

Eis que chega a minha vez de expor as idéias. O plano é fazer uma comparação entre o conceito de homem como instrumento musical em Diderot, que simboliza o início da nossa era moderna, e Platão, como representante do mundo antigo, para mostrar que a essência da música, ou o que interessa para a filosofia, é de uma certa forma independente da evolução técnica que uma ou outra cultura musical teve ao longo da história. Enfim, que o conceito de música que nos porta a um pensamento que vai além, que força o conceito para o inexplicável, existe tanto na grande música européia de Beethoven, como no blues de John Lee Hooker, ou nas pajadas de Noel Guarany. Mas eu consegui explicar esse conceito complexo? Não, claro que não. Reproduzo o diálogo.

- E você, sobre o quê vai escrever?

- Bem, penso em começar pelo ponto em comum entre o conceito de Diderot e Platão sobre a música.

- Ok. O próximo...

E deu. Assim, com um meio sorriso nos lábios. Como se pensasse: “ah sim, o pobre latino americano, o que ele sabe sobre essas coisas, não vale a pena discutir”. Eu esperando uma pergunta, uma dúvida, uma inquietação, como aconteceu com todos os outros colegas, já que o assunto seria polêmico, a começar por comparar Platão e Diderot. Mas não. Absolutamente nada. Nem um comentariozinho. E essa não foi a primeira vez. No texto já citado falo sobre o dia em que fui motivo de piada porque falei sobre a história da música brasileira. “Meu amigo, isso não existe, isso se chama etnomusicologia”, foi o que me disseram, também entre risos. Depois resolvi dizer que Platão tem uma concessão de música que não coincide em nada com a polifonia européia pós século XV, porque eu sei o que está escrito no Livro III da República. “Meu amigo, isso não existe, essa é a base do pensamento europeu”, disseram, sem saber absolutamente o Platão escreveu.

Por isso, como não posso dizer em aula e ainda tenho que fazer a prova final do curso, digo aqui: VAI TOMAR NO CÚ RACISTA FILHO DUMA PUTA.

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