A pena talvez seja o pior e o melhor sentimento humano. Justamente porque nos faz recordar o quanto somos humanos. A dor da necessária convivência. A verdade escancarada de todos os nossos erros. A agonia da prisão em um mundo onde a liberdade é só uma palavra, um conceito abstrato. A visão de que pessoas, nós, vagamos completamente perdidos entre forças que nos perseguem. A imagem é essa: o medo. Nos comportamos como se uma chuva de espinhos fosse cair sobre nossas cabeças a qualquer momento, mas eles não existem. São frutos da nossa própria imaginação. A pena dos outros dói porque é apenas um espelho da nossa própria mediocridade.
Estamos de novo na grande escola das ruas. O tumulto ordenado da vida quotidiana. Entre olhares que se cruzam, cenas que se repetem. Um velho não muito velho para os dias de hoje. Suas prováveis seis décadas de vida assombradas pela memória do passado. Todos os dias, hoje condenados à solidão, buscam abrigo na alma das ruas. Um objetivo. O pequeno apartamento é triste demais. Os dias felizes torturam a existência de uma época já perdida. O objetivo: limpar os sinais do presente. O velho põe sua melhor roupa e começa sua caça. Pelas ruas do centro para em frente aos postes e arranca os cartazes vibrantes de uma juventude que busca diversões baratas. Sim. Dia após dia percorre as galerias com um estilete e limpa os postes até que tornem à sua existência original. Sua alma não suporta a poluição visual, a desordem, o riso fácil de pseudo artistas, as cores que convidam ao prazer. Uma luta solitária contra a baderna juvenil. A maioria não percebe. Não importa. Alguns fazem piada. Não importa. A luta contra o presente. Luta contra os sinais do tempo que corroem a alma. Luta contra o futuro que lhe tirou tudo o que fazia sentido. Isso sim é importante. A alguns poucos resta a pena. A consciência de que esse é um risco que corremos todos. No futuro lutar contra o presente em nome do passado. Assimilar o tempo. Viver para não morrer em vida. Chega a noite. E a escuridão e a facilidade de um poste nu convidam novos cartazes a se fixarem por ali. Amanhã tem mais. Mais um passeio. Mais um estilete que raspa o ferro ou o concreto da iluminação pública. E nós também estamos condenados ao amanhã. A não ser que se lute por aquilo que hoje é uma simples palavra, um conceito abstrato, antes que seja tarde demais para a liberdade.
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