Já não enxergava mais nada como antes. As imagens pareciam demorar a tomar forma no cérebro. Olhei para o lado e ela estava ali; ainda bem, começava a ficar com medo. Tentei levantar. Na sala o ambiente sufocava. A cara inquiridora do Che Guevara de parede me causava um desconforto imenso. Não tenho culpa, não quero essa revolução. O ar pesado pelas ondas do Rock’n’Roll invadia meu corpo. Levantei. Não sentia as pernas. Não sentia nada do pescoço para baixo; ou seria do pescoço para cima? Dei dois passos e aquela voz me atingiu em cheio: “aonde tu vais”? Aonde eu vou? Ora, sei lá, não me lembro, só tinha que levantar. Olhei na direção em que fui atingido pela voz, e lá estava ela. “Nossa, como é linda”, penso em um acesso de romantismo desenfreado. Caminho na sua direção. Ela está no sofá. Derrubo um cinzeiro, um copo, chego bem perto dela: “me dá um beijo”. Nossas línguas se cruzam num ritmo infernal que leva minha mente para lugares nunca antes visitados. Acho que vi o futuro. Nós dois numa casa, olhando as crianças que brigam por uma coisa qualquer, viro para ela, olho no fundo dos seus olhos e vejo minha vida; eu te amo. Sento novamente no sofá. O ar já não é mais tão importante. Nada mais é “tão” importante. Viro-me novamente para ela e, do fundo do meu coração, digo:
-Que fome, vamos comer alguma coisa?
-Báh, certo! Erva boa essa, né?
-Tô viajando horrores.
-Eu também.
-Eu te amo.
-Eu também.
-Que fome, vamos comer alguma coisa?
-Báh, certo! Erva boa essa, né?
-Tô viajando horrores.
-Eu também.
-Eu te amo.
-Eu também.
Um comentário:
Que lindo! Um dia qualquer e bem agradável...
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