terça-feira, julho 10, 2007

Como água

Uma vila qualquer de Porto Alegre. Sexta-feira, por volta das 16h da tarde. A pausa no inverno deixa o povo confuso. Há poucas horas a hi society mostrava seus corpos em bares de cerveja cara. Na viela, um boteco clandestino com sinuca e cachaça. Uma senhora, uma moça e um guri estão sentados em frente à porta, tomando tranqüilamente seu chimarrão.

- Parece que a Cootravipa vai começar a assinar carteira.
- É, muita gente entrou com processo. Eles acabam perdendo mais dinheiro não assinando.
- Se bem que hoje em dia pro trabalhador não vale a pena emprego de assinar carteira. O cara ganha mais trabalhando por conta. Não adianta nada pagar a vida toda o INSS e no fim o dinheiro é o mesmo que se aposentar por idade.
- Eu tenho um tio que trabalha vendendo rapadura em Torres que ganha bem mais que um salário. Ainda mais com a vantagem de trabalhar a hora que quiser, acordar a hora que quiser.
- E não dá dinheiro pra sustentar esses políticos. Só o salário deles é oito mil e pouco. Eles não fazem a menor idéia do que é um salário para nós.
- É por isso que nas eleições eles saem distribuindo dinheiro. Nenhum quer perder essa boquinha. Eu vou continuar cuidando do bar aqui. Abro a hora que eu quero, não me incomodo com nada e ganho meu dinheirinho.
- E eu vou continuar controlando a freguesia.

A velha faz um sinal de aprovação com a cabeça. Todos riem. E fica cristalino como água que o sistema ignora totalmente a sociedade brasileira. As instituições oficiais, a mídia, ou qualquer coisa que se diga representante da vontade do povo; nenhum deles sabe o que se passa com 80% da população desse país. As pessoas só querem levar uma vida tranqüila fazendo aquilo que gostam. Nada mais. Mas existe uma meia dúzia de filhos da puta que têm um chilique se o seu lucro baixa de dez milhões por mês e decidem demitir ou explorar ainda mais seus escravos. A grande massa, sem alternativas, vai se arrumando do jeito que dá. E o que todos queriam era só uma vida digna e com liberdade.

3 comentários:

Dani disse...

Brilhante seu Cossio! Chegamos ao ponto comum : é melhor ser livre ganhando o suficiente para pagar as contas. Quem se importa com a porra da CLT e suas migalhas? O negócio é ser autônomo, informal,independente e mandar este governo á merda mesmo...

:: nani :: disse...

Brilhante. O problema é que é fácil ser autônomo, informal e independente quando se tem educação universitária, espírito empreendedor (quando se sabe o que isso significa) e algum apoio na manga caso alguma coisa dê errado...quero ver ser isso tudo sem saber nem ao mesmo escrever o próprio nome e com umas 10 bocas pra sustentar no final do mês. Ô,sociedadezinha de merda...como já dizia raulzito: "Pena não ser burro ... Não sofria tanto...".

Anônimo disse...

É isso mesmo Nani, e tem outra questão: o cara que consegue sobreviver independente acaba justificando o sistema. Pior ainda é quando esse mesmo cara abre o jornal e aplaude a polícia dando pau nos camlôs e vendedores ambulantes. É um paradoxo atrás do outro.....