Tardes livres resumem-se em fumaceira na sala. Indiferente ao cotidiano de carros que nunca param, ônibus que transportam a mercadoria humana para a periferia e passos que nunca vão desgastar as pedras da calçada. O sol impotente de inverno abandona as roupas loucas para secar. Som de serra, martelos e, como que resistindo a tudo, uma gaita de boca. Blues. Meio melancólico fecho os olhos enterrado no sofá até que ouço uma voz inconfundível: "the blues heals". É John Lee Hooker que se apresenta para mais uma entrevista psicótica.
Devaneios: Qual é a sensação de ter morrido no auge, reconhecido e celebrado por diversos nomes da música?
John Lee Hooker: Meu amigo, tu não fazes a menor idéia do que foi meu auge. Tenta imaginar: 1945, um boteco de jogatina clandestino, uma garrafa de Bourbon na mesa, os melhores músicos de Blues e uma senhorita louca para me conhecer. Ainda acha que o auge foi aquele velho decrépito do fim da vida?
Devaneios: Desculpa, é que hoje em dia temos a mania de pensar em dinheiro, fama...
John Lee Hooker: Todos nós sempre pensamos em dinheiro. Mas ele não é, e nem chega perto de ser, a coisa mais importante da vida. Eu, por exemplo, só segui meu destino. Quando saí do Delta, fui trabalhar como zelador nas fábricas de automóveis em Detroit, mas nunca abandonei minha raíz. Tempos difíceis fazem Blues, dor e sofrimento fazem Blues. E eu segui este destino, com minha guitarra vagando pela madrugada a cantar as coisas que minha geração deixou para trás. No fim fim deu tudo certo, não deu?
Devaneios: Fale um pouco da música. De onde ela vem?
John Lee Hooker: A música está dentro de cada um de nós. Eu nasci no Mississipi, o que deve ter uma certa influência na minha musicalidade, mas acredito que o Blues sempre esteve dentro de mim. Ele veio do meu pai, do meu avô, da alma que acompanhou meu corpo. Cantar a dor foi a única coisa que soube fazer a vida toda. Quando ficava só, naqueles quartos de pensão barata, aquilo era Blues. Quando curtia as festas regadas a uísque barato, aquilo era Blues. Quando via meu povo na rua, desempregado e com fome, aquilo era Blues.
Devaneios: Você teve uma relação intensa com músicos brancos e bem mais jovens, como Van Morrison, por exemplo.
John Lee Hooker: Quando o Rock surgiu, o Blues andava meio desmoralizado. Alguns caras achavam que era uma música escapista, que se conformava com a situação de explorado do negro. Bobagem! O maior paradoxo é que foram justamente os brancos que entenderam o verdadeiro sentido do Blues e o usaram para expressar aquele rebeldia reprimida que tinham. Foi a ressurreição. Alguns ficaram contra mim e outros colegas porque tocávamos para um público de brancos. Mas bem, você sabe, música não tem cor.
Devaneios: A música é comprida, mas já está chegando no final. Para terminar, nos diga como andam as coisas por aí.
John Lee Hooker: Tudo tranqüilo. Arrumei um cantinho escuro aqui no Red Light e minha guitarra fica sempre ligada. Sabe como é, vira e mexe alguém pede uma participação especial.....
Foi-se. Estou até agora tocando o riff de "Boom, Boom, Boom" com a certeza de que i will never get out of this blues alive.
Um comentário:
Meu nome é Alex Primo e sou professor de Comunicação da UFRGS. Estou realizando uma pesquisa sobre blogs. Estarei conduzindo uma entrevista em grupo com blogueiros nesta quinta (dia 5 de julho), às 19h, na Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação. Você teria condições de participar? Sua colaboração seria muito importante para a compreensão desse fenômeno da cibercultura que é a interação em blogs.
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