A pobreza transforma as unidades de medida de um ser humano. Eu, por exemplo, depois de ter me tornado um pobre, vejo o mundo como litros de vinho e aluguéis que poderia pagar. Porque essas são as necessidades básicas de um pobre: casa e vinho. É quase uma versão moderna e alcoólica de pão e circo, talvez sob forte influência de Roma, que está a menos de quatro horas daqui.
Um amigo outro dia comprou uma bicicleta. 40 pila. Por incrível que pareça, uma bicicleta representa hoje 26,666666.... litros de vinho. O que por sua vez representa 13 noites de embriaguês pelas ruas de Bologna. Uma boa quantidade de “festas” para um mês. Ou seja, uma bicicleta se afigura para a mente de um pobre como um desperdício plenamente calculável. Tudo bem, uma bicicleta dura o tempo que eu quiser. Mas quem me restituiria as noites que poderia passar bêbado em meio à massa de gente rica que caminha em busca de diversões mais caras? Afinal, eu sou exigente, e preciso da sensação de pertencimento a uma estrutura social que nos ensinou a importância de pertencer a uma estrutura. Nem que seja a estrutura dos bêbados que vagam pelas ruas à noite, sem rumo, sem esperanças de fazer qualquer coisa que não seja estar bêbado e olhar outros bêbados que entram e saem dos bares quentes onde não posso comprar uma bebida. Me consola o vinho em uma garrafa plástica que custa 1,50 no supermercado.
Outro dia olhei uma vitrine de uma loja que nem era tão importante assim, quase de periferia. Ali, como um troféu inalcançável brilhava uma jaqueta de alguma matéria derivada do petróleo, iluminada por spots e néons, inflada como uma roupa de astronauta da NASA. Tinha preço, que era exibido para mostrar o quanto valia aquele troféu: 1.250 pila. No meu mundo de pobre isso representa 2,5 aluguéis, ou seja, a garantia de ter um teto sobre a cabeça por dois meses e meio. Só me resta rir, porque certamente existe quem paga para se vestir como um astronauta em plena terra e brilhar pelas ruas com o produto da merda dos dinossauros.
Se não bastasse a própria irracionalidade dos exemplos em si, existe ainda uma outra, muito mais profunda, na comparação entre eles. Sem dúvida uma bicicleta é muito mais útil do que uma jaqueta de astronauta, e mesmo assim, custa só 26,666666... litros de vinho comparados com os dois meses e meio de aluguel. Isso no coração do mundo ocidental, terra dos iluministas, onde se diz que se desenvolveu a razão do homem.
Sim, louco sou eu, que comparo tudo com vinho e casa. Aliás, estou de saída. Vou tomar um vinho que custa 2,50 o copo, só para me sentir um pouco melhor e não pensar que estou louco. Vou me sentar no restaurante, dar boas risadas, comer uma massa e voltar pra casa com a sensação do dever cumprido. Mas peço aos meus amigos só um favor: nunca me deixem andar de bicicleta por aí com uma jaqueta de astronauta.
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