domingo, dezembro 12, 2010

Festa contra o governo

O sistema de protesto é a ocupação. Não que resolva alguma coisa; não muda nada; mas são dias divertidos para os filhos de uma Itália que um dia foi rica. Em Bologna o prédio da Faculdade de Filosofia está ocupado. “38 Bloccato” diz uma faixa logo na entrada. Não que isso mude muito a rotina; não muda nada; as lições sobre Platão, Wittgenstein e toda a turma continuam enquanto alguns verdadeiros anarquistas acampam em uma das salas de aula.

Como não poderia deixar de ser, as manifestações desembocam em festas estrondosas para que a juventude deixe seus euros pela causa e por uma noite de embriaguês contra o governo. Sábado o motivo era mais que justo para convidar toda a comunidade acadêmica ao 38 da via Zamboni: recolher fundos para que os anarquistas de verdade viagem à Roma na quarta-feira, onde encontrarão outros anarquistas de verdade e com certeza vão derrubar o premier Berlusconi.

Eu, claro, não poderia não participar de um momento desses. Cheiro de revolução na Faculdade de Filosofia da universidade mais antiga do ocidente. Dá pra ver nos olhos dos jovens que eles se sentem parte da própria história da humanidade, ainda mais com um copo de vinho na mão e uma boa quantidade de haxixe na cabeça. É um pouco difícil entrar e passar pelo corredor principal. Os estudantes atenderam ao chamado dos revolucionários e estão trocando todas suas notas por cervejas de 1,50 e vinhos de 2 euros. Tudo isso embalado pelo The Clash, “London Calling”. Depois Ramones, depois Dead Kennedys, G.B.H, Toy Dolls, e eu já vejo as bombas caindo sobre a sede do governo, os engravatados saindo em chamas pela rua e morrendo espancados pelos paus que seguram as bandeiras vermelhas e negras..... UFA!

Ainda bem que o DJ percebeu o clima que se criava e mandou um Reggae. Assim podemos dar mais uma circulada pelo ambiente. No segundo andar da faculdade uma banca vende pedaços de bolo e sanduíches, cervejas e vinhos. Aqui o pessoal está um pouco mais calmo. Parece ser esse o centro intelectual do movimento. Pequenos grupos discutem entre goles de Birra Moretti e vinho Sangiovese. Na sala 3, uma daquelas salas de filme, tipo auditório, acontecem os concertos, que segundo o programa vão de Jazz a Folk. Entramos na sala e um clima grave toma parte da platéia. Sobre o palco um trovador solitário faz o papel de Bob Dylan, com cabelos embaraçados e canções tristes cantadas em um inglês que ninguém consegue entender o significado. Mas são belas canções e a platéia presta atenção e o clima de revolução volta a tomar conta, dessa vez com flores, cartazes, protestos silenciosos e greves de fome que durarão até que a classe dominante perceba o quanto é irracional seu sistema e desista de oprimir o povo. Já vejo uma multidão em frente à sede de governo, Berlusconi abre a porta, diz que não será mais o presidente, que se arrepende de todos seus erros, a multidão abre espaço e depois toma o poder para uma nova era de paz e amor.....UFA!

Até que o amigo alemão me cutuca: “mas que grande merda isso aqui! Essa música está um saco!”. Sim, é verdade. E na verdade o pessoal só finge prestar atenção e finge ser revolucionário e finge ser intelectual. “Mas eles são intelectuais, estão curtindo a música”, disse eu numa última tentativa de acreditar. “Tudo bem, mas até os intelectuais precisam de um pouco de festa”. OK, é tudo mentira mesmo, vamos para o vinho e a dança nos corredores da faculdade aproveitar enquanto o governo não cai e ainda temos motivos para festas e protestos.

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