A linguagem é a fantasia mais perfeita e traiçoeira da humanidade. Qual será o segredo que se esconde por traz do paradoxo que nos comunicamos e ao mesmo tempo não entendemos nada do que se diz? Quanto de exercício mental será necessário para estabelecer as bases de um uso racional da linguagem humana?
Se Frege, Russell, Wittgenstein e todos seus seguidores não chegam jamais a uma resposta coerente, quem sou eu para me aproximar de uma solução. No máximo posso pôr mais dúvidas e, com muito esforço, propor algumas questões concretas. Ainda, se a filosofia lógica analítica não chega a um consenso, o que dizer da metafísica e sua eterna tentativa de definir o sistema de conhecimento.... enfim, vivemos num mundo de suposições e parece que esse é o máximo que podemos fazer. Porém, também parece que algumas coisas podem ser pensadas fazendo uso de nossa racionalidade limitada.
“Eu gostaria que as pessoas pensassem mais em si mesmas. Não sou exigente a ponto de querer que todos sejam altruístas, que pensem no bem comum, mas que sejam individualistas e consigam ver o mal que algumas políticas fazem para eles próprios na hora de votar”.
Falávamos sobre política; direita, esquerda, centro e o nulo absoluto. Quando o discurso chegou no ponto acima citado, me dei conta de como “individualismo” pode ser interpretado de tantas formas. “Que se foda o mundo, eu só penso em mim”. E agora: qual a conseqüência disso? O que quer dizer pensar só em si? A que nível de ações concretas porta esse pensamento?
Posso partir do pressuposto que a finalidade seja a felicidade, ou atingir um objetivo qualquer que no fim portaria à felicidade individual. Nessa caso, quando alguém diz pensar só em si pode significar que busca um caminho mais rápido possível para essa finalidade estabelecida, que lhe portaria a felicidade ou realização na vida. No mundo de hoje, isso pode ser entendido como o caminho mais fácil para acumular dinheiro e bens, ou seja, riqueza material. Se diz que o individualista é aquele que não tem escrúpulos para alcançar esse objetivo. Não se preocupa que para isso outras pessoas tenham que ser sacrificadas e lançadas fora do jogo, afinal somente alguns podem ser os vencedores quando a vida é um jogo, e para o individualista o vencedor tem que ser ele mesmo.
Suponhamos que o nosso individualista tenha sucesso na sua carreira, que consiga acumular e aos poucos adquirir os confortos com os quais sempre sonhou: uma grande casa, um grande carro, uma mulher magra, uma gorda conta no banco. Nesse momento ele passou para um outro nível. O problema é que aqui ele vai ver que existem outras pessoas que estão na sua frente no jogo e não se dará por satisfeito até que tenha mais que eles. Começa tudo de novo e ele conquista uma casa maior, um carro maior, uma mulher mais magra (e mais jovem), uma conta brutalmente obesa no banco. E assim ele muda mais uma vez de nível e aqui ele vai ver que....
Bem, é um extremo, mas serve para a teoria em geral. A um certo ponto o nosso individualista começa a se preocupar em não perder o que conquistou com tanto esforço. Ele é rico e por isso vota na direita. Por costume e pelas promessas de menos impostos, menos direitos para os trabalhadores, salários mais baixos, enfim, tudo para sua economia pessoal e individual. Como ele é rico, joga na bolsa de valores, quer um mercado aberto e sem as amarras do governo, afinal, o capitalismo é a sua própria ferramenta de regulação.
Nosso amigo a esse ponto é um homem refém do medo. Medo de que se desvalorizem suas ações; medo de que lhe roubem o carro ou que invadam sua casa; medo de que seu banco vá a falência; medo de andar na rua porque podem saber que ele é rico e o seqüestrem; medo de ter amigos, porque eles podem apenas ser outros individualistas do jogo que querem apenas se aproveitar da sua fortuna. Assim nosso individualista foi tão individual que o que era para ser sua felicidade virou sua prisão.
Aqui voltamos ao que dizia meu interlocutor e em como o individualismo mal interpretado pode ser voltar contra o próprio individualista. Digamos que o que ele queria era um individualista consciente, ou racional. Um individualista que pense na sua própria felicidade e que saiba o quanto é importante para isso que o mundo funcione dentro de um certo padrão que seja, mais ou menos, bom para todos.
“O meu egoísmo é tão egoísta que o auge do meu egoísmo é querer ajudar”, disse Raul Seixas, o que também é um extremo, mas ajuda a entender a outra forma de individualismo proposta. Se o fim é alguma forma de felicidade, como posso ser feliz sem que no meio exista a felicidade? Como posso ser feliz em meio ao sofrimento alheio? Nosso individualista continua a pensar só em si, que se foda o que os outros fazem da sua vida, como vivem. Nosso individualista racional continua querendo acumular bens e todo o resto, mas sabe que para isso a sociedade em geral deve estar estabilizada; sabe que quanto mais ganham os empregados, mais faturam os patrões; sabe que se qualquer um pode buscar sua própria felicidade individual ninguém vai querer roubar seu carro ou sua casa. No fim nosso individualista se libertou da inveja, porque ele é um verdadeiro individualista e poderá se dar conta da felicidade que um dia alcançou ou pode alcançar sem se preocupar com os outros.
Mais um retorno. A linguagem agora revela seu enigma. A mesma palavra pode levar a interpretações tão opostas que mudam totalmente a vida de uma pessoa e, porque não, de toda uma sociedade. Uma palavra, e apenas alguns minutos de raciocínio sobre ela. O mundo não mudou, mas é diferente. A língua não mudou, mas é diferente. O homem não mudou, mas é diferente. Quem explica isso?
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