“A maior parte dos chefes de Estado se ocupam com maior prazer de coisas militares do que boas ações de paz, e se esforçam com maior rigor a descobrir como conquistar, bem ou mal, novas fronteiras, do bem governar aquelas que já têm.”
“Nem um simples furto é em si um grande delito, que se deva condenar à morte, nem existe pena tão grande que impeça de roubar quem não há outros meios para procurar o que comer. Neste quesito me parece que não só nós, mas boa parte do mundo fazemos como aqueles maus professores, que preferem punir os jovens do que instruí-los. Se estabelecem na verdade, para quem rouba, penas graves, penas terríveis, enquanto o melhor era dar-lhes algum meio de subsistência para que ninguém se visse na necessidade de roubar.”
“Quando se dá o caso que um só devorador insaciável, peste insaciável do próprio país, agregando campos a campos, feche com um só recinto vários milhares de hectares, os cultivadores são expulsos e, iludidos com enganos ou vítimas da violência, são espoliados das suas propriedade ou obrigados a vendê-las. Enfim, de uma forma ou de outra, vão embora aqueles desgraçados, homens, mulheres, maridos, esposas, órfãos, viúvas, pais com seus filhos e uma família mais numerosa do que rica; vão embora dos seus lares habituais sem encontrar lugar onde recuperar-se, vendem a preço baixíssimo os próprios pertences. E quando já não têm mais nada, o que lhes resta senão roubar?”
“Eu sou plenamente convicto que não é possível distribuir os bens em maneira igual e justa, ou que prosperem os negócios dos mortais, sem abolir totalmente a propriedade privada! A propriedade privada condena à indigência a maior ( e melhor) parte da humanidade. Erradicar a miséria talvez não seja possível, mas com o uso da razão se pode aliviar-la.”
“Cada um deve fazer o seu trabalho com solicitude, porém sem se cansar como um animal de carga que trabalha desde a manhã cedo sem parar até tarde da noite, coisa que seria uma pena indigna até mesmo de um escravo. Porém tal é, mais ou menos, a vida dos operários em todos os países.”
“Onde tudo se mede com o dinheiro, se exercitam necessariamente muitas artes completamente sem sentido e supérfluas, a serviço somente do luxo e do capricho.”
“Um motivo justo para a guerra é se um senhor tem um terra que não usa, antes a mantém vazia e inútil sem permitir o uso e a posse a outros, que, segundo as leis da natureza, precisam de um lugar para produzir seu alimento.”
“A cobiça é produto somente do orgulho dos tiranos, que se vangloriam em superar os outros sustentando o supérfluo.”
“Eles se espantam que exista qualquer mortal que se deleite com o duvidoso esplendor de uma gema de ouro ou uma pérola, quando se pode contemplar qualquer estrela do céu e também o próprio sol, ou que exista alguém tão tolo de se achar mais nobre aos próprios olhos por usar um fio de lã mais sutil, se a verdade é que esta lã, por mais sutil que seja o fio que dá, a carregou uma vez uma ovelha, que mesmo assim permaneceu para sempre uma ovelha.”
“Quando esses dois males, o favoritismo e a corrupção recaem sobre os juízes, imediatamente desaparece a justiça, o nervo fundamental de um estado.”
“Qual maior riqueza pode existir que, extinta qualquer preocupação, viver com animo correto e sereno?”
“Que justiça é essa que um nobre qualquer, um comerciante de dinheiro, um usurário, enfim um outro qualquer daqueles que não fazem nada, ou aquilo que fazem não acrescenta em nada ao Estado, possam viver com luxos e esplendor; no mesmo lugar em que um operário, um cozinheiro, um lenhador, um camponês, com um trabalho grandioso e ininterrupto como uma mula, necessário, tanto que sem esse nem um ano poderia durar qualquer estado, ganham assim tão pouco, vivem uma vida tão miserável?”
“Examinando em qualquer lugar e considerando os Estados que hoje se apresentam, não me parecem outro que um grupo de ricos que sob o nome e pretexto do Estado, não se ocupam de nada que não seja os próprios interesses.”
Chega por aqui. Por acaso os recortes de texto citados têm alguma relação com a nossa sociedade de hoje? Penso que sim. Porém, foram escritos em 1515 por um jovem advogado e religioso inglês chamado Thomas More no livro “A Utopia”.
O que mais me espanta é que os apelos à razão humana não começaram com More. Lá se vão quase 2,5 mil anos que Platão escreveu sua República e desde então pensadores têm trabalhado para desenvolver um sistema social que seja o mais justo possível para todos. Existem muitas diferenças entre esses sistema, mas também muitas semelhanças. Certo é que em todos se faz um apelo à razão como única ferramenta capaz de acabar com a desigualdade e a miséria do mundo. Infelizmente parece que ainda estamos muito distantes do dia em que poderemos nos considerar animais racionais. E não são só os governantes. Se o povo fosse racional já teríamos mudado a situação a muito tempo.
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