quarta-feira, janeiro 23, 2008

Vergonha

Um dos maiores mitos da teoria capitalista é o de que qualquer pessoa pode vencer pelos seus próprios esforços. Vencer, para eles, significa acumular bens. Quem não consegue ter sua casa, seu carro, seus eletrodomésticos, a esposa que enche o saco, quinze dias de férias e um trabalho escravo durante o ano todo é porque não tem capacidade. São os restos sobre os quais não há nada o que fazer. Coisas da meritocracia...
Proponho, então, que os amigos pensem um pouco sobre o mundo que nos cerca. Em todas as cidades, e aqui em Porto Alegre principalmente, vemos os chamados “homens-mula”. Imaginem a vida desse cidadão. Ele acorda antes do sol nascer, em um barraco de compensado e brasilit, talvez com uma parede de tijolo (que agora está barato). Não tem vaso sanitário, não tem pia. Ele nem sonha com escovas de dente. Do lado de fora, onde está o seu carrinho, o esgoto escorre a céu aberto. Sua mulher grávida e os três filhos amontoados na mesma cama que há pouco ele também estava. Esse cidadão, de pés descalços, começa a percorrer as ruas da cidade em busca do lixo dos vencedores. O asfalto começa a esquentar com o andar da manhã. Nada de comida, até que encontra um “macaquinho” na cerca de um prédio. Arroz e massa frios. São, pelo menos, três viagens até o galpão que recolhe o lixo, carregando algumas centenas de quilos nas costas. Esse cidadão volta pra casa já de noite com um saco de arroz e um de feijão. Não, ele não comprou, ganhou de uma velhinha que ficou com pena dele.
Mais ou menos nessa mesma hora chega em casa o representante da classe dos carros importados. Ele voltou de um coquetel com empresários regado a uísque 18 anos. Seu dia foi recheado de reuniões importantes. Hoje fecharam uma das unidades de produção da fábrica. Com o dólar baixo não vale a pena exportar. A mulher está vendo TV, o filho no computador. Ninguém parece se importar com sua chegada. Ele vai até o bar e serve mais uma dose. Senta no seu sofá de couro e liga o rádio. O locutor reverbera: “é uma vergonha a quantidade de carroças nas ruas da cidade. O trânsito fica lento, as fezes dos cavalos poluem o ar...”. O jovem executivo concorda: “esse país é uma vergonha”.
Pois é, no fim todos concordamos.

Um comentário:

Anônimo disse...

O homem tá nervoso, mas tah certo!