Eu vinha dizendo desde que não comprei o ingresso: “eu vou ficar na frente esperando a confusão para entrar”. Na verdade era para ser apenas uma brincadeira, mas no fundo eu sabia que era possível. Talvez seja um resquício dos tempos punks, ou a experiência de outros tantos shows, não sei. Eu sabia que conseguiria entrar para ver o Iron Maiden sem gastar nenhum tostão. Era um desafio, uma prova pela qual eu tinha que passar.
7h da tarde. Eu e a primeira dama (Mire Rock Show) estamos tranqüilos em casa, com a satisfação de compartilharmos momentos íntimos, se é que vocês me entendem. Sei pelos jornais que algumas pessoas estão há dias em frente ao Gigantinho. A essa hora aquilo deve estar uma zona. O mar vermelho que estamos acostumados a ver por ali substituído pelo mar negro. Esperamos os amigos Guido e Jonas (estamos com seus ingressos) ouvindo o primeiro disco do Iron. Na verdade a idéia era ouvir o Somewhere in time, mas o toca-discos anda meio estragado... Logo se estabelece uma discussão sobre qual a melhor fase da banda. Gabriel, que chegou há pouco para me tomar uma grana, afirma que prefere os dois primeiros discos, Iron Maiden e Killers. De fato, para nós que somos mais roqueiros do que metaleiros, estes são álbuns mais de acordo. Mas como negar as obras primas de Seventh son..., Number of the beast, Powerslave, Fear of the dark…… é, os caras são bons. Nisso chegam os gringos. Aqueles abraços efusivos, um pitaco na discussão e vamos embora que ta na hora.
8h da noite. Seguimos a pé rumo ao Complexo Gigante. No caminho vamos falando de Rock’n’Roll, é claro. A banda Multiverso, da qual os irmãos Bracagioli fazem parte, anda com bons planos. Se tudo der certo eles vêm gravar um disco aqui em casa. Paramos no posto para abastecer: cerveja e cigarro. A pernada até o Gigantinho não é nada mole. Estranho o pouco movimento. Achei que passaríamos por hordas de metaleiros, ônibus de excursão, gritaria, confusão, polícia.... que nada. Tudo na mais absoluta paz. Quem não soubesse do Iron nem precisava ficar sabendo. Mas tudo bem, na real pensava que para meus planos era melhor assim.
8h50. Finalmente chegamos ao Mac Aurio. A broca do meu estômago já estava me deixando atordoado e nada melhor para acalmá-la do que “um xis salada e uma cerveja”. Que frase maravilhosa. Já perdi a conta de quantas vezes a pronunciei. Agora sim dava para perceber que estávamos num show de rock. Urros da massa vinham de dentro do ginásio, enquanto ali fora ficavam os retardatários, os vendedores ambulantes e outra pequena massa: a dos que não têm ingresso. Mire Rock Show, a primeira dama, até tinha um, mas vendeu por um objetivo muito nobre: juntar fundos para ver o Ozzy em São Paulo. Acho que ela acreditou na minha balela de que “é claro que a gente consegue entrar de graça no Iron”. Pensem no absurdo dessa afirmação. A Mirela é meio louca mesmo.
9h. Uma explosão de 30 mil vozes. Será que começou? Mas não tem banda de abertura? Meu Deus, é o Iron mesmo!!! Guido e Jonas saem em disparada. Ainda contornam todo o ginásio para tentar um lugar no lado “mais tranqüilo”. O som é irreconhecível do lado de fora, mas com certeza é a voz de Bruce Dickinson. Eles entram e ficamos com dois copos de cerveja, um pacote de bolachas e uma garrafa de água. Belo prêmio de consolação. Ao redor do portão umas 50 pessoas estão babando de inveja dos que entram. Termina a primeira música. “Obrigado Porto Alegre!!!”, e o público vem abaixo. Hora de fumar um cigarrinho. A correria aumentou a adrenalina. E ela não baixa porque logo na seqüência eles mandam 2 minutes to midnight. O povo de fora bate cabeça apoiado na grade e canta em coro o refrão. Uma verdadeira festa!!!. Fora os que estão ali na pressão junto à entrada, uma pequena multidão se espalha pelos gramados com suas garrafas de cachaça e vinho. Todos, é claro, com camisetas pretas de alguma banda: 80% do Iron e o resto espalhado por Slayer, Judas Priest, Black Sabbath, Led Zeppelin, Cannibal Corpse, até Beatles e Rolling Stones estão presentes. Até o movimento punk está ali, amigos dos tempo de Aphasia. Imaginem a cena; batendo papo com os punks, tomando cachaça do lado de fora do show do Iron.....
9h45, mais ou menos. Os clássicos se sucedem. Imagino o público lá dentro, se ali fora o pessoal beirava as lágrimas e gritava “Maiden, Maiden, Maiden”, a cada intervalo de música. Noto, porém, que falta alguma coisa. É a Mirela quem mostra a luz: “vamos comprar umas biras?”. Mas é claro!!! Dentro do Complexo Gigante não podem entrar vendedores ambulantes, o que nos leva a percorrer um bom trajeto até a grade da rua. “Dois latões por cinco? Nem pensar?” tudo bem, pagamos 3 pila cada um. Andamos de volta ao portão curtindo Can I play with madness. O povo canta, dentro e fora do ginásio. Como já falei, ali fora está rolando uma festa.
10h. De volta ao portão constatamos que aumentou o número de pessoas na pressão. Nos localizamos ali na linha de frente. O esperado é que aconteça uma confusão para aproveitarmos a distração dos seguranças e entrar de qualquer jeito. Mais um cigarrinho e vejo que tem um cara me olhando fixo. Faço um aceno. Ele vem na minha direção e pergunta: “tu não tava no Rolling Stones em Copacabana?”. Meu Deu!, isso é pergunta que se faça na frente do show do Iron? “Claro”. “Então é tu que aparece nas minhas filmagens. Te lembra, um bando de Colorados?”. Como não vou me lembrar!!! Numa das esquinas de Copacabana estávamos todos com o manto vermelho e chega um cara filmando. Fizemos uma zona. O cara filmando era ele. Ficamos amigos de cara. Júnior é o seu nome. Ficamos falando sobre shows que fomos na vida: Stones, Ramones, Rush, Kiss, Metallica, Sepultura, Eric Clapton, Roger Waters. O próximo é o Ozzy, afinal, todos crescemos ouvindo Black Sabbath. “Como eu queria ouvir Run to the hills”, fala o amigo. E não dá outra. Parece brincadeira. O pessoal da grade canta a todo pulmão, como se as paredes do ginásio não existissem. Júnior mostra um álbum de fotos que ele tirou quando o Iron veio em 92. O cara estava muito perto do palco e ainda guarda o ingresso. Inveja, branca, mas inveja.
10h30, mais ou menos. “ÔÔÔÔÔÔ ÔÔÔÔÔÔÔ”, Fear of the dark. A galera enlouquece. Os seguranças parecem apavorados e já alisam os cacetetes. Chegou a hora que tanto esperávamos. O pessoal começa a balançar a grade. Tudo pronto. Olho para trás e vejo uma horda, mais ou menos umas 100 pessoas, correndo em direção ao portão. Estoura a confusão. Correria, pancadaria, latas e garrafas voando, o chefe dos seguranças passa ao meu lado falando no rádio: “pode mandar os cavalos! Pode mandar os cavalos!”. Pego a Mirela e vamos para o lado contrário da multidão. Alguns seguranças passam por mim. “Estou só protegendo minha guria”. E vamos ficando. Quando acalmam-se um pouco os ânimos a grade está noutro lugar e nós estamos.... DENTRO!!!
Já não sei mais que hora. “E agora Mirela?”. “Vamos entrar com confiança”. Ela vai falar com um dos seguranças. “Isso não é comigo, mas se quiser chega lá na portaria e vê se eles deixam”. Nos damos as mãos e vamos indo, duros como pedra. Com certeza não demonstramos confiança porque somos barrados. “Vocês têm ingresso?”. “Pô, falta só umas duas músicas, não custa nada liberar, só nós dois....”. Temos que falar com o coordenador. Uma das moças sai e fala com um brutamonte quatro vezes o meu tamanho. Já estou até imaginando os sopapos que vou levar pela minha audácia. Ele se vira para nós. A cara da Mirela é realmente de dar pena. Ele faz um gesto com a mão tipo “vai, vai”. Cara, entramos no show!!!!! Vamos rápido para as arquibancadas. Lá estão eles, voltando para o bis. Enlouquecemos ao som de Iron Maiden, a música, Hallowed be thy name e outras que levaram a mais uma meia hora de show.
Depois de tudo. Com o sorriso nas orelhas sentamos na arquibancada para fumar mais um cigarrinho. Não acredito que deu tudo certo. No fundo toca a trilha sonora do filme A vida de Bryan: “Always look on the bright side of the life”. Nada mais justo. Nessa noite curtimos o verdadeiro lado bom da vida. O lado ROCK’N’ROLL!!!!!